Mulheres que marcaram a música - e o compasso de seu tempo

05/04/2024

Para ser uma estrela, não basta ter talento. É preciso criatividade, dedicação, ousadia e - por que não? - um bocado de sorte. Mas para além de alcançar a fama, o que é preciso ter para marcar profundamente a história da música, especialmente sendo mulher?

Iustração de Nina: uma história de Nina Simone

Ilustração de Nina: uma história de Nina Simone (Pequena Zahar)

Listamos grandes artistas que não só tinham vocação musical como também esbanjavam coragem para quebrar paradigmas e levantar a voz em prol de causas importantes. Elas foram as pioneiras de seu tempo, abrindo espaço para outras mulheres e ajudando a sociedade a compor novas formas de existir  - seja na luta contra preconceitos de raça, de gênero ou de classe social. Veja quem são elas:

 

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Dona Ivone Lara, a Rainha do Samba

Ilustração do livro Dona Ivone Lara e o sonho de sambar e cantar

Destemida, alegre e reconhecida por seu timbre inconfundível, Dona Ivone Lara foi a primeira grande mulher no samba e se tornou uma entidade da música brasileira. Ela marcou presença na roda, abrindo espaço para que outras também pudessem participar do batuque. Foi a primeira a assinar um samba-enredo e sua composição Sonho Meu, em parceria com Délcio Carvalho, virou hino na voz de Maria Betânia, em uma apresentação catártica em 1978.

No livro Dona Ivone Lara e o sonho de sambar e encantar (Companhia das Letrinhas, 2024), de Jacques Fux, com ilustrações de Flávia Borges, conhecemos mais de perto a história da Rainha Dona Ivone e de como sua ascensão na música faz parte de todo um contexto de combate a diversos tipos de preconceitos: contra mulheres, contra negros, contra pobres (especialmente contra mulheres negras e pobres) e até contra o próprio samba. 

Capa de Dona Ivone Lara e o sonho de sambar e encantar

Capa de Dona Ivone Lara e o sonho de sambar e encantar (Companhia das Letrinhas)

Ivone Lara nasceu em 13 de abril de 1921, no Rio de Janeiro. Sua bisavó tinha sido escravizada - e o samba, assim como outras festividades afro-brasileiras, ainda não era bem-visto nessa época. Mas a história de Ivone parece ser composta para música desde cedo. Sua mãe, Emerentina, era costureira e cantora. E seu pai, João, violinista de sete cordas. E os dois se conheceram justo durante um Carnaval. O livro apresenta a biografia da cantora com muitas curiosidades (e até fofocas), costuradas com a evolução do próprio samba. Dona Ivone também é uma das incríveis mulheres retratadas em Extraordinárias, - Mulheres que revolucionaram o Brasil (Seguinte, 2023), de Duda Porto de Souza e Aryane Cararo.

 

Nina Simone, a fúria que ecoa

Capa de Nina - uma história de Nina Simone

Capa de Nina: uma história de Nina Simone (Pequena Zahar)


Nina Simone nasceu Eunice Kathleen Waymon, em 21 de fevereiro de 1933, em Tryon, na Carolina do Norte (EUA). Foi uma menina prodígio que aprendeu a tocar as primeiras notas no piano sentada no colo do pai. Sua ascensão na música, como cantora, pianista e compositora, a tornou não apenas um ícone de seu tempo, mas da resistência negra na luta por direitos para muitas gerações. Ela alcançou a fama em um momento em que os negros ainda eram perseguidos e usou sua voz para engrossar o coro dos protestos - tornando-se um símbolo de esperança e luta. Cantou e tocou canções de jazz, blues, soul e gospel - Feeling Good e I put a spell on you estão entre seus maiores sucessos.

Nina começou a cantar como uma forma de louvor - seguindo a tradição religiosa de sua família -, mas trocou a igreja pela noite de Atlantic City depois de ter a continuidade de seus estudos interrompida pela recusa de um pedido de bolsa. Foi então que ela adotou o nome Nina, se apresentando em bares decadentes até ser consagrada como uma das maiores cantoras de todos os tempos e símbolo de militância. 


“Eu vou te dizer o que significa liberdade para mim: não sentir medo.” (Nina Simone)


Em Nina: uma história de Nina Simone (Pequena Zahar, 2022), de Traci N. Todd, com ilustrações de Christian Robinson, acompanhamos a trajetória de Eunice para Nina, em um cenário onde a disparidade entre brancos e negros ecoa por todos os cantos e a música faz ressoar a luta por igualdade.


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Carmen Miranda, a Pequena Notável

Ilustração de Carmen: a Pequena grande Notável

Capa de Carmen: a grande Pequena Notável (Pequena Zahar)


Ao contrário do que muita gente pensa, a cantora que se tornou símbolo de Brasil com seu característico turbante de frutas na verdade era portuguesa. Carmen Miranda nasceu em 9 de fevereiro de 1909, na cidade de Marco de Canaveses - que hoje tem um museu em sua homenagem. Aos 20 anos, começou a cantar em teatros e clubes e logo depois na rádio. Seu primeiro grande sucesso foi a canção Pra Você Gostar de Mim, também conhecisa como Taí. Mas ela só alcançou fama internacional ao começar a se apresentar no cassino da Urca, no Rio de Janeiro.

Carmen foi a primeira mulher a assinar um contrato com uma rádio no Brasil, fez cinema - e chegou a ser a mulher mais bem paga de Hollywood - além de ser a primeira sulameriacana a conquistar uma estrela na icônica Calçada da Fama, em Los Angeles.

Em Carmen: a grande Pequena Notável (Pequena Zahar, 2020), de Heloisa Seixas e Julia Romeu, acompanhamos o desabrochar da carreira da cantora, revelado entre letras de suas músicas e ilustrações inspiradas nas décadas de 30 e 40. A artista também aparece entre os perfis retratados no livro Extraordinárias, - Mulheres que revolucionaram o Brasil (Seguinte, 2023), na seção Abrasileiradas, ao lado de outra portuguesa, Felipa Souza, e da italiana Lina Bo Bardi. 

Chiquinha Gonzaga, a maestrina militante

Eis uma mulher à frente de seu tempo. Que desafiou as convenções sociais e a “gente de bem” e viveu uma vida boêmia sempre guiada pela música e pela paixão. Chiquinha Gonzaga era o apelido de Francisca Edviges Neves Gonzaga, nascida em 17 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro. Muitos de seus sucessos, como Ó abre alas - composta a pedido do Cordão Carnavalesco Rosa de Ouro, em 1899 - foram regravados por grandes artistas, entre eles Carmen Miranda, Pixinguinha e Diogo Nogueira, e estão até hoje na boca do povo.

Chiquinha cresceu em um meio privilegiado. Teve uma formação erudita - incluindo latim, ciências e aulas de piano - e foi educada para apreciar óperas, tangos, valsas, e outros ritmos considerados de bom gosto pelos endinheirados. Mas desafiou todas as expectativas, quebrando paradigmas e ajudando a música popular brasileira a criar raízes. E isso aconteceu justo em um momento em que apenas o que vinha de fora era considerado bom.

Chiquinha foi a primeira maestrina brasileira, compôs peças de teatro e ainda ficou conhecida como uma das grandes defensoras do movimento abolicionista e da instituição da República.

Divorciada (o que já era uma ousadia para a época) e desprezada pela família, ela deu aulas de piano, se apresentou em festas, cabarés, rodas de choro para se sustentar. E não se intimidava na hora de botar na mesa suas opiniões - mesmo se tornando amiga de grandes figuras da época, como José do Patrocínio, Olavo Bilac e Carlos Gomes. Sua liberdade teve um preço: foi rejeitada por seus familiares, afastada dos filhos e duramente criticada pela elite, a quem não se importava de desafiar. Fez questão de escrever em sua lápide “Sofri e chorei”, mas não registrou arrependimento algum.

A história de Chiquinha também faz parte de Extraordinárias, - Mulheres que revolucionaram o Brasil (Seguinte, 2023). 

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