Livros curtos ou em capítulos: um passo importante na formação leitora

13/05/2024

Um dia, a criança está no seu colo, ouvindo atentamente a histórias curtas, às vezes interativas, pedindo para ver todas as ilustrações. Corta a cena e, no que parece ter sido o intervalo de um piscar de olhos, essa mesma “criança” está com um livro bem mais robusto nas mãos,  concentradíssima na história, imersa em cada palavra. Mesmo que apenas alguns anos separem uma cena da outra, há muitas pequenas partes nesse meio do caminho, que colaboraram para essa evolução leitora. Leituras curtas, como as histórias em quadrinhos ou textos divididos em capítulos menores, são peças fundamentais desse percurso rumo à leitura - e à apreciação - de livros mais densos, que exigem mais do leitor.

Leituras curtas, como textos em quadrinhos, são a base para leituras mais longas no futuro

Trecho de Píppi Meialonga

Para uma criança, na faixa de 8 ou 9 anos, é muito mais fácil ler sozinha, se interessar e compreender o conteúdo quando há um apoio visual e quando a história é formada por pequenas partes, que podem ser lidas (e relidas) aos poucos por ela. É o caso das histórias em quadrinhos, como as da série do Capitão Cueca, Homem-Cão, Clube do Pepezinho, todas criações de Dav Pilkey, ou então as aventuras clássicas de Píppi Meialonga  (Companhia das Letrinhas), de Astrid Lindgren.

Capitão Cueca

O primeiro livro da série Capitão Cueca, de Dav Pilkey

Livros em capítulos, especialmente com temas instigantes, como nas histórias de mistério, também são atrativos para que os leitores avancem pelas páginas... querendo saber o que acontece a seguir. É a partir desse interesse e da aquisição de ritmo e fluência leitora que a sementinha da paixão pelos livros é plantada. Salvos por um fio (Escarlate, 2021), de Silvana Rando, e O mistério do colecionador (Escarlate, 2020), de Milton Célio de Oliveira Filho, são alguns exemplos de livros em capítulos que vão ajudando a amplicar o fôlego do leitor - que é puxado pelo fio da curiosidade.

Para incentivar as crianças a se aventurarem por livros cada vez mais densos, é importante observar qual estilo ou tema mais atrai cada uma. Conforme crescem, elas vão descobrindo e fazem questão de mostrar que têm uma identidade própria, o que inclui, é claro, as escolhas culturais. 

Ilustração de Salvos por um fio, de Silvana Rando
Ilustração de Salvos por um fio (Escarlate, 2021)

 

Um passo de cada vez para avançar em narrativas mais desafiadoras

Estimular a criança, de tijolinho em tijolinho, a construir o gosto pela leitura  e aos mesmo tempo ir ampliando a capacidade de ler e compreender obras cada vez maiores e mais complexas não é algo simples. A pedagoga Rita Gonçalez, assessora pedagógica da Educação Infantil e do Ensino Fundamental Anos Iniciais (do 1° ao 5º ano) e professora de Redação do Colégio Agostiniano Mendel (SP), explica que o cérebro aprende a ler das partes para o todo, quando se fala em ciência cognitiva da leitura. “Uma vez que a criança domina o sistema alfabético, o ingresso ao mundo da compreensão leitora também deve ser dado de forma sintética, que considera a leitura de quadrinhos e de pequenos textos”, explica. Antes disso, ainda, ela lembra que há todo o trabalho da linguagem oral, lá na Educação Infantil, com os recontos de histórias, identificação de elementos de histórias já contadas, perguntas sobre essas histórias e a identificação e o manuseio de gêneros variados de textos.

“Para que se chegue ao nível de fluência da compreensão leitora de textos mais densos, são várias etapas cerebrais, como constituir memórias de todas as possibilidades de vogais, de consoantes, de todas as combinações, formar memória semântica da palavra escrita (significado) e identificar, mesmo sem classificar, a função sintática na sentença”, aponta. “Por ser uma rede complexa e gradativa de engrenagens, digamos assim, são os pequenos textos que começam a criar ‘corpo’ para a leitura e compreensão de textos maiores e mais complexos”, afirma.

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Mas, afinal, quando começa a aparecer esse interesse e essa capacidade de ler e compreender textos maiores? “Se a base da alfabetização for sólida, partindo da correspondência letra-som, formação silábica, palavras, frases, parágrafos e textos, num sistema gradativo, a criança apresentará robustez na compreensão leitora entre o 4º e o 5º ano do Ensino Fundamental Anos Iniciais”, diz Rita. 

E qual é o papel do adulto na ampliação dessa capacidade leitora?

Será que a criança apresenta esse interesse e essa evolução na leitura sozinha? Ou os adultos podem ajudar? Em um universo de tantas distrações, com telas por toda parte, incentivar a leitura faz toda a diferença. “Infelizmente, os distratores são muitos e as crianças têm apresentado escasso repertório literário. É um fenômeno cultural, mas que pode ser apaziguado”, afirma.

“A criança vai gostar de ler, se compreender o que lê. Por isso, o processo de aquisição de leitura e escrita apresenta uma responsabilidade além da alfabetizadora; trata-se de formação sócio-cidadã. Ao formar crianças que compreendem o que leem, fica bem mais fácil formar leitores literários”, Rita Gonçalez, assessora pedagógica da Educação Infantil e do Ensino Fundamental Anos Iniciais e professora de redação

Ler com a criança, revezar as falas ou os capítulos, treinar a prosódia, ou seja, a entonação, e todas as variações possíveis, é, sim necessário, tanto em casa, como na sala de aula, sempre que possível. 

Quando a criança começa a engatar leituras mais longas - ainda que, no início, as dividida em capítulos menores ou apoiadas em imagens - mas que seja uma narrativa contínua, faz parte do processo a retomada da história. Isto é, relembrar o que aconteceu um pouco antes de onde parou a leitura, para melhorar a compreensão antes de seguir adiante. Essa é uma forma de exercitar a memória. “Quanto mais metodologias ativas houver nessa retomada, melhor”, diz a pedagoga. E ela lembra que vale ir além da exploração oral e dos questionários, sejam eles individuais ou coletivos, quando a leitura é em turma. “Essa retomada da história pode ser por meio de um jogo, por exemplo, em que a criança encontre palavras-chave e estabeleça uma conexão entre elas, baseando-se no contexto lido. Mudar de ambiente para esse tipo de atividade também favorece a motivação e, consequentemente, a formação de memórias”, sugere. 

A recompensa vem também da alegria de quando a criança consegue terminar, sozinha, uma história maior e a reconta cheia de orgulho. Daí, vem o apetite por começar outra, que a desafie ainda mais. De capítulo em capítulo, forma-se um livro completo. E de livro em livro, uma estante inteirinha, cheia de novas histórias para explorar. 

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