Jornada Pedagógica 2025: a escola forma leitores?

08/04/2025

Nesta segunda-feira, dia 07 de abril, teve início a 6ª edição da Jornada Pedagógica Companhia na Educação . - você pode se inscrever aqui para participar. A pergunta central dos encontros, que acontecem até quinta-feira, dia 10, é: “A escola forma leitores?”. Os dados da última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, promovida pelo Instituto Pró-Livro, divulgada em 2024, são disparadores para as discussões, já que os números apontam uma perda de 7 milhões de leitores no país nos últimos quatro anos. A primeira mesa de conversa teve a presença da coordenadora da pesquisa, Zoara Failla e da escritora e educadora Maria Valéria Rezende,  com a mediação de Rafaela Deiab, editora de educação.

Jornada pedagógica 2025: a primeira mesa

 

A mesa teve início com Zoara apresentando um cenário bastante negativo, principalmente entre as crianças dos anos iniciais. “Verificamos redução de leitores em todos os segmentos. A única faixa etária que não teve redução foi de 11 a 13 anos. A que nos impactou mais foi entre os 5 e 10 anos, que teve uma redução de 9%”, pontuou a socióloga, que apresentou, ainda, dados sobre a queda da leitura literária na escola e nas bibliotecas”. A leitura literária em sala de aula caiu de 35% para 19%, e nas bibliotecas de 20% para 14%”, mostrou ela. “E 62% dos professores afirmam não estar lendo nada. Mas precisa ver que o professor tem um salário ruim e dupla ou tripla jornada”.  Rafaela chama atenção para a necessidade de políticas públicas que olhem para isso. “Chega-se no ponto da política, para tentar dar conta de algumas coisas que são estruturantes na perda de leitores”. 

Enquanto o número de leitores dos anos iniciais cai, a pesquisa aponta para um grande crescimento no uso da internet no tempo de lazer das crianças. “O uso de internet foi de 47% para 79% desde 2015. Dos 5 aos 17, cerca de 40% afirmam estar no vídeo game. E apenas metade deste número afirma estar lendo literatura”, constata Zoara, fazendo uma relação entre o aumento do uso das telas com a queda no interesse pela leitura. 

A autora e educadora Maria Valéria Rezende, pontuou que nasceu 12 anos antes de surgir a TV no Brasil, e trouxe para a conversa suas experiências de infância. “Minha mãe trabalhava até às cinco horas da tarde, quando chegava, ela sentava numa poltrona e lia. E eu me lembro perfeitamente de me sentar no chão na frente dela e observar as expressões no rosto dela. Ela ria, fazia cara de dúvida, e eu ficava doente para saber o que era aquilo”, lembra ela, que afirma: “Se a criança ou o jovem não vê o adulto lendo, ele não vai ler”.  

Confira aqui transmissão completa, disponível no Youtube

LEIA MAIS: Como formar novos leitores realmente apaixonados por ler?


Desafios, novas conexões e transgressões

Para Maria Valéria Rezende, há que se ter novas estratégias para hoje. Comentou até sobre um conselho que certa vez deu para uma amiga que queria saber como incentivar os filhos a lerem. "Proíbe", brincou. "Pega os livros que você acha que eles devem ler, coloca em um armário, diz que não podem mexer. Você vai ver se eles não vão mexer e querer saber o que tem no livro. Há uma tendência da criança de transgredir por curiosidade", contou ela, apostando de verdade nisso e deu um exemplo. "Eu convido os jovens a transformar rap em cordel e cordel em rap. Na hora que você põe um desafio, funciona."

Maria Valéria, que trabalha com educação popular desde 1960, observa que as crianças de hoje mudaram. “Muitas vezes se espera um leitor passivo, sentado na poltrona lendo. Os meninos de hoje não são assim. Mas a criança gosta muito de criar. Uma experiência que tenho feito é começar uma história e pedir para a criança continuar. Ela vai e volta, vai e volta. É uma história em parceria, que vira livro. E eles se sentem bem com isso”. Zoara reforça a fala de Rezende. “A Maria Valéria traz coisas muito importantes para refletir. A gente tem que transgredir, o cenário mudou, olhar esse jovem e entender como provocá-los para que eles se interessem por esse livro”.

A especialista chama a atenção, ainda, para a necessidade de integrar escola e comunidade. “Muitas famílias afirmam que não tem livro em casa. Mas na escola tem! Vamos chamar a família para a escola. A família é afeto, exemplo. Precisamos ver a  importância disso. A escola tem esse papel também. O desafio hoje é pensar em políticas que olhem para esses novos desafios, seja do professor, da família, seja a biblioteca que não pode mais ser a biblioteca do silêncio, mas que traga a comunidade para dentro”.

LEIA MAIS: Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil: não-leitores são maioria no Brasil pela primeira vez

Bibliotecas de tábua, tijolo e livros

A dificuldade de acesso às bibliotecas foi tema da mesa. Zoara afirma que dados do Ministério da Educação apontam que mais de 50% das escolas não possuem bibliotecas. “Quando tem, às vezes não tem um profissional que esteja integrando o projeto escolar com aquele espaço”. Maria Valéria defende as bibliotecas e o acesso livre das crianças ao livro.

 

É importante que as crianças possam pegar nos livros, desde cedo, mesmo que não saibam ler. Em muitas bibliotecas que vi pelo Brasil, as coisas são arrumadas de uma maneira que dá a impressão que o ideal do bibliotecário é que ninguém leia”, Maria Valéria Rezenda educadora e autora

 

Em contrapartida, com muito pouco, a autora lemnrou com alegria também de ter ajudado a criar bibliotecas pelo interior do país. “Era uma escola pública que estava cheia de caixas de livros fechadas. Procuramos junto com os alunos nas ruas tábuas de madeira jogadas fora, recuperamos, pegamos tijolos, fizemos a biblioteca no corredor da escola. Todos ficaram entusiasmados e começaram a ler”.

LEIA MAIS: Infância sob o efeito das telas: um papo sobre redução de danos

A valorização do livro 

Apesar do crescimento do uso da internet e de crianças e jovens estarem mais tempo nas redes sociais do que lendo literatura, a pesquisa mostra que ainda há uma preferência pela leitura do livro físico. “As pessoas afirmam que compreendem mais, têm mais concentração, visualizam melhor os personagens”, afirma Zoara.

O impacto da escolha da leitura através de indicações de influenciadores digitais também se mostrou tímida na pesquisa. “No incentivo para ler um livro no Brasil, não chega a 2% os que respondem serem impactados por influenciadores. Já quando você olha para a decisão de compra, o consumo de livros, a partir de 18 anos, esse número aumenta”. 

Durante a discussão, todos concordaram que as redes sociais podem ter um papel como porta de entrada para a leitura, mas é muito importante pensar em como não reduzir a leitura de crianças e jovens à superficialidade das redes. “As redes podem ser uma isca para o leitor, mas tem que ter uma leitura mais aprofundada. A gente precisa ter campanhas falando da valorização do livro. Hoje se fala em ‘cérebro podre’. Porque esses jovens que não estão lendo, tem vários problemas de cognição, não só de empatia. Acho que as políticas públicas precisam pensar nisso”, destaca Zoara Failla.

Maria Valéria conta que foi quando passou a viver no Nordeste - na Paraíba, para onde se mudou de Santos (SP), em 1976 - que entendeu o valor do livro. “Logo que eu cheguei no nordeste, eu fui pra feira, e nas barracas da feira, tinha o saco de farinha, de feijão e pendurado ao lado, um cordão com uma porção de folhetos de cordel. Ou seja, a leitura estava ali no lugar dos gêneros de primeira necessidade”. É por essa necessidade humana, lembrando o estudioso Antônio Cândido, que ela acredita muito ainda no impacto dos livros e da literatura para as novas gerações. “Eu tenho a impressão que é possível que descubram o livro como uma grande novidade. Por isso eu continuo escrevendo livros”.

LEIA MAIS:  Telas e celulares na escola: prejuízo ou aprendizagem?

(Texto: Anna Luiza Guimarães)

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog