Não-leitores são maioria no Brasil pela primeira vez

06/12/2024


Mais da metade dos brasileiros não leem. Sim, pela primeira vez no Brasil, o número de não-leitores (53%) é maior do que o número de leitores (47%), de acordo com os dados levantados pela 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada desde 2007 pelo  Instituto Pró-Livro. O levantamento tem o objetivo de desenhar um quadro sobre os hábitos de leitura do brasileiro e de mensurar o impacto de iniciativas de incentivo à formação de leitores. A edição  de 2024 ouviu  5.504 entrevistados em 208 municípios brasileiros.

Ilustração de 'Posso ficar no meio?', de Susanne Strasser

Em 'Posso ficar no meio?' (Companhia das Letrinhas, 2023) a criança chama os amigos para ouvir uma história. Mas todo mundo parece ter algo mais importante a fazer primeiro...

Para Fátima Fonseca, coordenadora pedagógica na Roda Educativa, organização social que atua na formação de educadores de redes públicas, “esse é um dado estarrecedor porque nunca, na série histórica da pesquisa, tivemos um percentual de leitores menor que 50%”. Ela chama atenção para o fato de que a própria definição de “leitor” na pesquisa já é bastante ampla, uma vez que considera todos os que leram, inteiro ou em partes, pelo menos um livro de qualquer gênero, impresso ou digital, nos últimos 3 meses. 

A partir de uma perspectiva de educadora, que pensa na formação de leitores desde a infância, Fátima ressalta a importância de olhar como o comportamento leitor vai se alterando em cada faixa etária. A pesquisa mostra que as crianças são as que mais leem livros por vontade própria. De 5 a 10 anos, 16% dos entrevistados lê livros por interesse próprio todos os dias e 25% o faz pelo menos uma vez por semana. De 11 a 13 anos,, 18% dos entrevistados lê livros por interesse próprio todos os dias e 24% o faz pelo menos uma vez por semana.

Ainda assim, houve uma queda expressiva no número de leitores nestas faixas etárias: passamos de 49% para 40% entre os estudantes de 1º ao 5ºanos do Ensino Fundamental e de 54% para 49% entre os estudantes do 6º ao 9º anos do Ensino Fundamental, considerando a penúltima edição da pesquisa, do ano de 2019. “Ou seja, estamos perdendo leitores entre estudantes, que seriam o grupo populacional mais estimulado a ler. E o que isso significa? O que isso pode indicar em relação ao trabalho de formação de leitores que está sendo feito na escola? O que deixou de ser feito? E em relação às políticas públicas de fomento à leitura na educação, o que aconteceu nos últimos anos?”, questiona a educadora.

LEIA MAIS: Veja quais são os livros que fazem mais sucesso por idade

 

Por que é tão difícil formar leitores?

Ilustração de 'Posso ficar no meio?', de Susanne Strasser

"Só mais um segundinho" pede o peixe antes da história começar em 'Posso ficar no meio?' (Companhia das Letrinhas, 2023. Que difícil fazer todo mundo se concentrar no livro

A pesquisa mostra que, entre os leitores, o número total de livros lidos nos últimos 12 meses é de 7,91, sendo 4,22 livros inteiros e 3,69 livros em partes. Em 2019, o número de livros lidos por leitores no mesmo período era 9,08. Para se ter um comparativo, entre os países que leem mais estão: Estados Unidos (17 livros lidos por ano, em média), Índia (16 livros lidos por ano, em média), Reino Unido (16 livros lidos por ano, em média), França (14 livros lidos por ano, em média) e Itália  (13 livros lidos por ano, em média). Mas para Fátima, há um fator mais preocupante do que a queda no número médio de obras lidas: a falta do hábito de leitura consistente. “Não é a quantidade de livros lidos que deve ser nossa maior preocupação, mas a qualidade dessa leitura e a perenidade, a constância”, comenta. 

Não é preciso ser especialista para enumerar os fatores que podem atrapalhar o mergulho no universo dos livros, considerando os moldes da vida contemporânea, em que o tempo parece ter acelerado com excesso de trabalho, excesso de informação e acesso permanente à internet. Entre os leitores, 46% afirmam não ter lido mais por falta de tempo, embora 75% afirmem desejar ter lido mais. A falta de tempo também é o principal motivo entre os não-leitores (33%) para justificar a falta da leitura no período de três meses investigado pela pesquisa. Mas para Fátima, abrir brechas na agenda para os livros é um dos comportamentos que formam o hábito de ler: “Quando você é um leitor, você 'arranja' tempo, você abre mão de outras coisas”, aponta. 

Embora falte tempo para ler, 78% dos entrevistados apontam usar seu tempo livre para navegar na internet. O detalhe é que, entre leitores, esse número sobe para 87% e entre não-leitores, cai para 70%. Ou seja, não é possível culpar e internet pela diminuição do tempo de leitura: não dá para dizer que quem acessa mais a internet lê menos. Ainda assim, o tipo de experiência que o mundo online proporciona pode atrapalhar, sim, o hábito de leitura.

De 2007 para 2024, entre as dificuldades para ler apontadas pelos entrevistados, a falta de paciência subiu de 11% para 25% e a falta de concentração para ler subiu de 7% para 14%. Isso, no mesmo período em que o uso da internet no tempo livre saltou de 7% para 78%. “Acho razoável depreender que embora haja muitos fatores que vão na contramão da leitura, o fator de maior impacto é o acesso às redes sociais e, no caso das crianças, aos videogames”, aponta Fátima.

E embora muita gente argumente que, mesmo que o número de livros lidos tenha diminuído, o acesso à internet faz com que se leia mais, são experiências diferentes. No mundo online, os textos são mais curtos, normalmente acompanhados de outros recursos visuais. As informações são apresentadas em pílulas, com estímulos que prendem a atenção e liberam dopamina, um neurotransmissor sensível aos estímulos que ativa áreas relacionadas ao prazer e a recompensas. Com os livros, é necessário exercer um papel mais ativo, de foco, concentração e imaginação, uma vez que o recurso disponível é o texto. 

 

“A questão dessa atenção fragmentada é sem dúvida o maior dificultador da leitura. Até porque, para ler você, precisa de um tempo de atenção, de foco. Não é incomum hoje ouvir pessoas, mesmo as leitoras, dizendo que diminuíram muito o tempo de leitura por conta das redes sociais, porque acabam ficando mais tempo online.” Fátima Fonseca,  coordenadora pedagógica na Roda Educativa

 

LEIA MAIS: As perguntas difíceis das crianças e como os livros podem ajudar

 

Qual é o papel da escola na formação de leitores


A pesquisa reforça que fatores como maior escolaridade e melhor poder aquisito estão associadas ao hábito de ler. Não é surpresa que os dados revelem o abismo social que marca os hábitos de leitura - quanto mais alta a renda, maior o número de leitores. No entanto, para a educadora, esse cenário tão desigual reforça o papel das escolas, sobretudo as públicas, na formação de leitores. “A escola pode se constituir como uma comunidade de leitores, de forma que a leitura não fique restrita aos espaços da sala de aula, mas que faça parte dos diferentes ambientes e de diferentes formas”, pontua. A ideia não é colocar tudo na conta da escola. Mas olhar para as possibilidades que esse espaço oferece de influenciar o comportamento leitor. 


“A pesquisa aponta que na maioria das situações o interesse pela literatura se deu por alguma indicação da escola ou de um professor ou professora (67%, nos anos iniciais e 71%, nos anos finais). Isso reforça o quanto a escola pode fazer a diferença em relação à formação leitora”, Fátima Fonseca,  coordenadora pedagógica na Roda Educativa


Por isso, a educadora aponta algumas boas práticas que podem ser adotadas para fomentar a formação de leitores:

  • oferecer aos estudantes a possibilidade de conhecer as bibliotecas próximas à escola, sobretudo as públicas e/ou comunitárias;
  • realizar diferentes atividades literárias, como encontros de leitura, em que as crianças possam ler seus livros preferidos com os pais;
  • promovers encontro com escritores, criar clubes de leitura;
  • ter livros disponíveis em diferentes espaços da escola e não apenas em uma sala de leitura ou biblioteca. É preciso que esses espaços sejam convidativos e que possam atender a toda comunidade escolar, incluindo professores e funcionários.

 

LEIA MAIS: Como formar novos leitores realmente apaixonados por ler

 

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog