Do trigo aos impostos: curiosidades sobre o mundo dos nossos ancestrais

27/05/2024

O mundo não é justo. 

E isso não é exatamente uma novidade.

Mas, em que ponto, exatamente, foi que a balança começou a pender mais para um lado?

Linha do tempo de Implacáveis 2

No novo livro de Yuval Noah Harari, Implacáveis - por que o mundo não é justo (Companhia das Letrinhas, 2024), voltamos cerca de 10 mil anos na história da humanidade e descobrimos que tudo começou a desandar quando ganhamos mais poder de decidir o que colocar no prato - a partir do desenvolvimento da agricultura  e da pecuária. Sim, foi quando os humanos passaram de coletores para criadores e plantadores que um novo modelo de sociedade emergiu. E com ele, a concentração de terras, a exploração do trabalho, o lucro, as pestes e as guerras. Plantar para acumular para o futuro - não apenas para o agora -, desenhou novas divisões de poder, aumentou o controle de alguns seres humanos sobre outros e esboçou as desigualdades que observamos até hoje. 


Antes da Revolução Agrícola, os humanos não se esforçavam para controlar as coisas. Colhiam frutas silvestres e caçavam animais selvagens, e de vez em quando queimavam uma floresta ou construíam uma armadilha, mas raramente controlavam onde plantas cresciam, para onde a água corria ou para onde as pedras rolavam. Depois da Revolução Agrícola, os agricultores pegaram a mania de controlar. Da hora em que acordavam até a hora em que iam dormir, pessoas como Triguita e sua família viviam atarefadas controlando o mundo em volta delas. Implacáveis - por que o mundo não é justo

Capa de Implacáveis 2, de Yuval Noah Harari

Autor do best-seller internacional Sapiens - Uma breve história da humanidade (Companhia das Letras, 2021), publicado em mais de 40 países, Harari, que é historiador, reconstitui marcos históricos com uma narrativa acessível e envolvente, que consegue nos aproximar de realidades tão distantes ao compartilhar os dilemas e angústias que viveram nossos antepassados.  Implacáveis - por que o mundo não é justo (Companhia das Letrinhas, 2024) dá continuidade à série que começou com a publicação de Implacáveis: como nós conquistamos o mundo (Companhia das Letrinhas, 2022), livro que resgata o aparecimento dos nossos primeiros antepassados, fala sobre a descoberta do fogo e do desenvolvimento de habilidades que tivemos que adquirir para sobreviver. 

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Veja curiosidades surpreendentes de Implacáveis - por que o mundo não é justo, que ajudam a dar contorno para o mundo que nossos ancestrais conheceram e que dão pistas de como chegamos até os dias de hoje:


Uma vida bem mais pacata

Nossos parentes mais distantes tinham uma vida BEM diferente da nossa - e com muito mais tempo livre. Tudo bem que eles precisavam escapar de animais perigosos e driblar fenômenos naturais (como nevascas!). Mas dificilmente faltava comida - raramente alguém morria de fome. Quando não havia mais alimento em um território, bastava mudar de lugar. Hoje, são 735 milhões de pessoas no mundo que passam fome, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). E com tanto tempo livre, dava para se dedicar a contar histórias, tirar longas sonecas e conviver bem mais com outros seres humanos…


Duro de morder

Hoje todos comemos milho, arroz, aveia… mas há 10 mil anos os cereais não eram alimentos comuns para todos. Não tinha trigo nas Américas, na China nem na Austrália. E mesmo quando os humanos tinham a sorte de encontrar escassas concentrações da planta - no Oriente Médio, por exemplo - muitas vezes eles nem ligavam e passavam batido. Na verdade mesmo, eram pouco os seres humanos que consumiam cereais - porque é impossível mastigar grãos de trigo ou de milho sem moê-los ou cozinhá-los. Por outro lado, os cereais conseguem ficar armazenados por muuuuito mais tempo do que frutas ou carnes. Foi quando os seres humanos entenderam que se armazenassem grãos de cereal o suficiente, não precisariam mais se mudar de um canto para outro. E foi aí que os primeiros povoados apareceram, no Oriente Médio.


Controlar bicho é o bicho

Ilustração de Implacáveis 2

Plantar é bem mais fácil do que cuidar de animais. Antes, na hora de caçar, os homens tinham que concorrer com lobos e ursos e se quisessem comer um belo carneiro assado no jantar. Ou contavam com a sorte de encontrar animais  já velhos ou machucados que quisessem preparar. Quando os homens começaram a criar os primeiros rebanhos, eles perceberam algo interessante: quando o carneiro mais obediente e a ovelha mais obediente têm filhotes, os carneirinhos saem parecidos com seus pais, e são ainda mais fáceis de lidar. Os homens só mantiveram por perto os animais mais obedientes, que davam crias ainda mais obedientes.


Criar e multiplicar

Hoje, os animais de criação são os mais numerosos do mundo. Há mais ou menos 1,5 bilhão de vacas no mundo - enquanto as zebras selvagens não passam de meio milhão. Ou seja: há 3 mil vacas para cada zebra! E todo ano nós, humanos, criamos mais de 50 bilhões de galinhas - enquanto existe menos de 1 milhão de cegonhas no mundo. Ou seja: são 50 mil galinhas para cada cegonha. E em muitas partes do mundo há mais galinhas do que todas as outras aves somadas. Parece natural?

 

Por que chorar sobre o leite ordenhado

Você  sabia que, por milhões de anos, os humanos não bebiam leite de outros animais? Nossos antepassados consumiam leite materno até por volta dos quatro ou cinco anos e depois nada mais. Quando eles começaram a ordenhar animais - provavelmente em momentos de escassez nas plantações - sacaram que ovelhas e vacas só produziam leite por um motivo: alimentar seus filhotes. Eles precisavam, então, que seus animais dessem cria - mas depois abatiam os filhotes (e comiam) para continuar ordenhando as mães. E esse continua sendo o método utilizado na produção de leite ainda hoje.

 

Uma convivência contagiosa

Com o crescimento dos povoados, em que a concentração de pessoas só aumentava, passaram a se proliferar doenças contagiosas, como a diarreia. As condições de (falta de) higiene contribuíam ainda mais para que as enfermidades se alastrassem, uma vez que não havia banheiros ou rede de esgoto. Mas não é só isso: novas doenças surgiam o tempo todo e muitas delas vinham dos animais criados no povoado - sim, no meio da aglomeração. Pessoas circulavam junto com ovelhas, porcos e galinhas. Dá para imaginar?

Puro luxo

Embora a Revolução agrícola tenha sido bem ruim para muitos animais, alguns deram sorte, como alguns cavalos domesticados. O corcel do imperador romano Calígula, que se chamava Incitatus, ganhou até uma mansão, com direito a criados que lhe serviam café da manhã, almoço e jantar. Reza a lenda que o cavalo comia em uma manjedoura feita de marfim, usava coleira cravejada de pedras preciosas e até roupas - costuradas sob medida para ele. Há quem diga até que o imperador desejava nomear Incitatus como cônsul - posto mais alto no governo romano.

 

Contar para cobrar

Por milhões de anos os humanos nunca precisaram lidar com números. Até que os povoados cresceram e se transformaram em reinos. E aí, era preciso saber: quanta terra cada um possuía? Quantas frutas colhia? Quanto trigo moía? E, especialmente: quanto de imposto devia? Sob a proteção dos reis e governantes era preciso que todos pagassem tributos que garantiam sua proteção. Mas como estabelecer um valor justo? Quem devia pagar mais impostos: quem tinha mais terra ou quem produzia mais trigo? 

 

Anota aí

Sim, era muito número para lembrar. Mas, felizmente, os sumérios deram um jeito de registrar os números fora da memória - e inventaram a escrita, uma das grandes revoluções da humanidade. Eles usavam um pauzinho para gravar sinais em placas de argila macia e inventaram alguns sinais para representar números e outros para indicar pessoas, animais, ferramentas, lugares e datas. O objetivo era bem definido: nada de contar histórias ou criar poemas, o negócio era saber quanto cada um devia pagar de impostos.

 

LEIA MAIS: Por que a escrita é a grande revolução da humanidade?

 

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