O que é um livro para bebês?

14/08/2024

Nunca é cedo demais para ser apresentado aos livros. 

Há diversas pesquisas que reforçam a importância da leitura durante a primeira infância, período que vai dos zero aos sete anos de idade, como uma prática que contribui com o desenvolvimento da linguagem e também com a construção de vínculo, fortalecendo os laços entre a crianças e seus pais ou cuidadores. Para os bebês, especificamente, os efeitos do contato com os livros e da leitura de histórias ainda não são tão claros, mas estudos recentes têm trazido novas evidências. Um deles, publicado no Journal of the American Board of Family Medicine, identificou que nas famílias que liam pelo menos sete livros por semana para seus filhos, aos nove meses os pequenos apresentavam melhor desempenho tanto na linguagem receptiva, que é a capacidade de compreender, quanto na expressiva, que é a capacidade de se expresssar por meio da linguagem, quanto também em ambas combinadas. Estudos como esse têm contribuído com o hábito de leitura das famílias e também estimulado a produção editorial pensada especialmente para bebês.

Ilustração de 'A sopa está pronta!', se Susanne Strasser

Meio-dia é hora da sopa! Em A sopa está pronta! (Companhia das Letrinhas, 2024), cada bicho é convidado a ajudar no preparo - e comer!

“Nos últimos dez anos, houve um crescimento abundante na oferta de livros para bebês, com a fundação de editoras para a faixa etária de zero a três anos e linhas editoriais especializadas nas maiores editoras infantis", afirma Seleste Michels, curadora de livros infantis. Até pouco tempo atrás, se você fosse procurar um livro para bebês na seção de infantis em uma livraria, você só encontraria livros cartonados com imagens de objetos e animais, sem história ou qualquer conexão entre as imagens. Hoje, há narrativas bem elaboradas, com detalhes, humor e elementos-surpresa que não só estimulam e divertem os pequenos como também são uma leitura agradável para os adultos. "Passamos de um país onde a publicação de livros infantis dedicava-se somente à fase escolar para um país com várias belas opções de leitura para bebês de todas as idades”, aponta Seleste.  

E não faltam bons exemplos. A autora alemã Susanne Strasser é um dos primeiros nomes a serem lembrados quando o assunto é escrever para bebês. Seu lançamento mais recente A sopa está pronta! (Companhia das Letrinhas, 2024), segue a estrutura que a consagragou, desvelando com humor um curto conto acumulativo protagonizado por animais e cheio de onomatopeias que dão mais graça à narrativa. Nesta história, que faz referência ao conto da sopa de pedras, cada bicho bota um ingrediente na panela - e o resultado do preparo, só lendo para saber!

A oferta de livros pensados para a primeira infância cresceu também impulsionada pela entrada cada vez maior dos bebês nas creches e escolas nos períodos em que suas famílias estão cumprindo suas jornadas de trabalho. “A literatura infantil entra no mercado brasileiro por uma demanda da escola. Foi só em 2008 que o Ministério da Educação (MEC) fez a primeira compra do governo para a educação infantil”, conta Cassia V. Bittens, psicóloga e pesquisadora do livro para primeira infância. Recentemente, o MEC publicou um edital para a seleção de obras literárias, informativas e de apoio pedagógico destinadas ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) para serem utilizadas por crianças de 0 a 5 anos no período de 2026 a 2029.  Passamos de um país onde a publicação de livros infantis dedicava-se somente à fase escolar para um país com várias belas opções de leitura para bebês de todas as idades”, afirma Seleste Michels, curadora de livros infantis. 

LEIA MAIS: Literatura para bebês: ludicidade e afeto

Mas o que caracteriza um livro para bebês?

Livros de pano, de plástico, de encaixes, pop-ups, com sons, livros-brinquedo, cartonados, com bordas arredondadas, só de imagens, com histórias. Afinal, como deve ser um livro para bebês?

Segundo Cassia, podemos perceber o livro por dois caminhos: um em que o aspecto cognitivo prevalece sobre o afetivo e outro em que a relação é inversa. Para a corrente que enxerga o livro como um objeto cognitivo, ele serve para apresentar a estrutura gramatical, os verbos, os sons das palavras etc. O afetivo também está embutido na experiência de compartilhar a leitura, mas não é o foco.  Já a corrente que enxerga o livro como um objeto afetivo, privilegia a promoção do vínculo entre o bebê e quem está lendo para ele. Os aspectos cognitivos estão presentes também, já que o livro vai apresentar vocabulário para o bebê e vai inseri-lo na cultura escrita, mas o primordial ali é o laço afetivo. 

“Algumas pessoas podem pensar que, sendo a conexão o mais importante, você pode ler qualquer livro para os bebês, mas não é assim. Não dá pra ler para um bebê Machado de Assis ou Clarice Lispector. Mesmo sendo afetivo, é preciso que o livro tenha algumas características”, explica Bittens. 

De acordo com ela, livros pensados para bebês costumam ter algumas características como:

- personagens conhecidos (animais, por exemplo);

- surpresa;

- repetição de ações;

- ritmo na leitura;

- acumulação;

-narrativas curtas e com previsibilidade.

Um bom exemplo de livro para bebês que reúne todos esses requisitos e faz muito sucesso com os bebês e crianças pequenas são os da autora alemã Susanne Strasser, que tem seis obras publicadas no Brasil:  Bem lá no alto (Companhia das Letrinhas, 2016), Muito cansado e bem acordado (Companhia das Letrinhas, 2017), Baleia na banheira (Companhia das Letrinhas, 2020), A raposa vai de carro (Companhia das Letrinhas, 2022),  Posso ficar no meio? (Companhia das Letrinhas, 2023) e, o mais recente A sopa está pronta! (Companhia das Letrinhas, 2024). No livros de Strasser, animais são protagonistas de divertidos contos acumulativos, que sempre trazem um elemento surpresa que conduz ao desfecho de uma situação que não parecia solucionável. 

“E o mais interessante, pensando no afetivo, é que os pais, as mães e as professoras gostam desses livros também. Então, depois de uma leitura de um livro da Susanne Strasser, você também sai diferente, porque você também se diverte. Ele é um livro que conversa tanto com a pessoa mediadora, quanto com o bebê”, explica Bittens.

Ilustração de 'Achou?', de Aline Abreu

Ué, cadê o bebê jacaré? Com olhinhos atentos, os pequenos são convidados a observar as ilustrações para encontrar o que o texto propõe em Achou? (Companhia das Letrinhas, 2021)

Outro livro que também tem essa característica é o Achou? (Companhia das Letras, 2021), de Aline Abreu. Ele tem uma narrativa que conversa com o adulto, mas também com o bebê, tem a brincadeira de cadê/achou que já é conhecida dos pequeninos, uma história que se repete, os personagens são animais e a leitura é ritmada. 

“A diversidade é uma coisa importante na biblioteca de cada bebê. Ainda estamos descobrindo o que esse pequeno leitor curte mais, então é legal ter livros pequenos para que eles possam manipular sozinhos e também é interessante trazer livrões que impressionam com o tamanho. É bom ter livros resistentes para morder e brincar e livros sensíveis para aprender que livros, assim como pessoas, precisam ser tocados com cuidado. É fantástico mostrar livros de alto contraste para desenvolver a visão deles e também é interessante ir adicionando riqueza às gravuras. É bom começar com pouco texto e muita interação, mas nada impede que a leitura se estenda a textos cada vez maiores. Cada bebê traça seu caminho de leitura e seu gosto literário, os mediadores estão ali para entender essas preferências e transformar o momento de leitura em conexão e afeto”, explica Seleste.

LEIA MAIS: Por que as crianças adoram os contos acumulativos?

Dá pra adaptar um livro infantil para uma leitura para bebês?

Na opinião da Cássia, não devemos não devemos reduzir um livro originalmente pensado para crianças mais velhas para caber no tempo ou no entendimento de um bebê, mas sim adotar uma estratégia de leitura diferente. “A gente pode ler em capítulos. Por exemplo, em Flicts, do Ziraldo, cada dupla seria um capítulo. Então, podemos ler para o bebê essas duas páginas, interromper a leitura e retomar em outro momento”, explica. 

Segundo ela, se a gente simplifica uma narrativa, estamos tirando o direito do bebê, da criança pequena, de ouvir a voz do autor. “Nós somos mediadoras, não autoras. Se eu quero criar uma história em cima do que está ali nas páginas, aí já não é mais aquele livro. Mas se a minha intenção é ler um livro literário para um bebê, eu não posso mudar palavras, simplificar o texto ou pular uma parte”, conclui. 

LEIA MAIS: Onomatopeia: sons que vão para o papel e trazem mais graça ao texto

Existe livro certo para cada fase do bebê? 

Existem algumas classificações que levam em conta o desenvolvimento motor do bebê para separar as leituras indicadas para cada faixa etária. Por exemplo: para bebês de até 3 meses, o mais indicado são os livros de pano; para bebês que já sentam, livros mais resistentes, de páginas grossas. “Se coloco uma divisão por faixa etária, eu estou privilegiando como critério de escolha o desenvolvimento motor: quando ele consegue segurar sozinho, quando consegue repetir sons. Mas se a gente pensa na importância do vínculo afetivo e emocional, se eu leio com o bebê desde que ele nasceu, eu estou promovendo esse contato face a face. Estou trazendo mais humanidade pela leitura. Não é nem pelo conteúdo do livro, mas pela presença, pelo vínculo, pela conexão”, defende Bittens.

A curadora de livros Seleste Michels concorda que os bebês já aproveitam muito a leitura compartilhada desde o nascimento. “Os bebês já demonstram apreço pela leitura desde que nascem. Particularmente, eu gosto muito dos bebês leitores de 3 ou 4 meses, quando sorriem e sacodem as pernas de satisfação com a leitura, é lindo de acompanhar”, afirma. Segundo ela, os bebês experimentam várias sensações através de boas histórias. Um bom livro literário para bebês, cresce junto com eles e a cada etapa vai trazendo novas interpretações. Conforme vão crescendo, os enredos mais complexos vão desenhando as jornadas desses herois infantis que enfrentam o medo, o crescimento e o desconhecido. Seleste também destaca que desde cedo os pequenos também começam a notar os cenários, as culturas, as rotinas, os biótipos dos protagonistas, por isso é importante apresentar desde cedo bastante diversidade.

Assim que os bebês começam a falar, a leitura passa a ser um momento de trocas onde não só as histórias dos livros são contadas, mas também entram na conversa as histórias e os valores da família. “Os momentos de diálogo estão muito limitados nas nossas rotinas, às vezes os pais só falam com os filhos no imperativo: vá para o banho, hora de comer. E a leitura pode ser o momento de dizer "eu te amo", de serenar a voz e estreitar o vínculo, por isso é importante que faça parte da nossa rotina desde sempre”, aconselha. 

“Quanto mais palavras o bebê conhece desde sempre, melhor ele vai saber se expressar. Melhor ele reconhece a si mesmo e ao outro. Ele se torna mais humano no sentido mais amplo, de se reconhecer no outro, de ter alteridade e é essa a função da literatura. A função da literatura é humanizadora. E a literatura se faz com palavras, com oralidade, com gesto facial. Então, pensando na literatura como uma pequena parte do mundo e para a ampliação do mundo, a gente lê para o bebê desde sempre”, conclui Cassia. 

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