Como contar a própria vida? Italo Calvino ensaiou um projeto de autobiografia nos moldes tradicionais, à maneira de um romance realista, mas foi com estes fragmentos, reunidos postumamente, que o autor de As cidades invisíveis deixou a imagem mais acabada de seu percurso intelectual e existencial.
Como contar a própria vida? Italo Calvino ensaiou um projeto de autobiografia nos moldes tradicionais, à maneira de um romance realista, mas foi com estes fragmentos, reunidos postumamente, que o autor de As cidades invisíveis deixou a imagem mais acabada de seu percurso intelectual e existencial.
Pode parecer paradoxal que a melhor síntese de toda uma vida seja franqueada precisamente por relatos descontínuos, variados, em que a mudança prevalece sobre a constância. No entanto, aí está a chave: Calvino foi um dos mais inventivos e inquietos escritores da segunda metade do século XX, um mestre da forma breve, sismólogo brilhante de tempos de ruptura e dispersão. Coerente com o mundo em que viveu, preferiu evitar um relato totalizador, no qual cada um de seus leitores pudesse finalmente reconhecer uma moldura que enquadrasse, num conjunto único e definitivo, a trajetória do menino nascido por acaso em Cuba, do jovem militante da Resistência e do Partido Comunista Italiano, do homem maduro que se fixou em Paris para sentir-se estrangeiro ou eremita, como sugere o título do livro.
Aqui está presente, também, parte substanciosa da vida intelectual, cultural e política que vai dos anos 1930 ao início dos anos 80: os embates ideológicos vividos durante a Guerra Fria, a situação do escritor na sociedade contemporânea, a necessidade de criar sempre novas formas ficcionais. Em entrevistas, ensaios, reportagens, diários de viagem, Calvino vai traçando um mapa minucioso e impalpável das experiências que o constituíram e deram uma cara ao seu tempo. Como ele mesmo disse a respeito de Cesare Pavese, e como o atesta este volume, hoje já é possível falar de uma "época Calvino".