1. ORIGEM E INFÂNCIA Como a de tantas famílias aristocráticas da Europa, a origem dos Nassau confunde-se com a lenda, pois mesmo as mais ilustres dentre elas não logravam remontar suas origens além do século VIII, e assim mesmo de formas míticas, e não positivamente genealógicas. Segundo uma versão, os Nassau, oriundos do que é hoje a Suíça, teriam se estabelecido na região do médio Reno, entre os vales do Meno, do Lahn e do Sieg, ao tempo de Carlos Magno, na segunda metade do século. Pretendeu-se também que o ancestral fundador teria sido um aristocrata romano que acompanhara Júlio César na campanha das Gálias, ficando encarregado da defesa daquela região. Ao que parece, a família preferia esta explicação; e no fim da vida, o próprio Nassau julgará haver encontrado a prova irretorquível numa copa de cerâmica com a inscrição NASSO, que fez colocar entre as antigüidades do seu mausoléu de Kleef. Que ele apreciasse cercar-se de bustos de imperadores já foi interpretado como outra indicação de que se julgava descendente de família da Roma clássica. Outra versão para as origens da dinastia aponta um príncipe suevo, chamado Nasua, citado nos comentários de César. E historiadores do século XIX sustentarão que os Nassau se aparentavam com a linhagem dos Hatton, poderosa no Império de Carlos Magno. Mas a tendência atualmente dominante favoriza a tradição que identifica os ancestrais da estirpe nos irmãos Drutwin e Dudo, que viveram em finais do século XI. De Dudo descendiam os condes de Lauemburgo, que senhoreavam seu castelo da ribeira do Lahn, nas vizinhanças de Limburgo. No século XII, eles construíram outra cidadela, Nassau, à margem esquerda do rio, comprando assim uma briga interminável com o bispo de Worms, que também reivindicava o território. A disputa foi finalmente resolvida mediante acordo que transferiu os Lauemburgo da jurisdição do prelado para a do arcebispo de Trier, que lhes conferiu a posse do novo castelo. Desde então, os chefes da família passaram a viver em Nassau e, por conseguinte, a ser conhecidos como condes de Nassau. No período subseqüente, os Nassau saíram em definitivo do que se costumava chamar as trevas da Idade Média, mas que eram apenas as trevas do conhecimento histórico. Com o aumento do seu patrimônio fundiário, veio a promoção nobiliárquica: membros da família ingressaram no círculo de Frederico I Barba-roxa, a quem apoiaram nas lutas para impor a soberania imperial no norte da Itália contra as cidades italianas e também contra o papa, que igualmente reivindicava a região. No início do século XIII, Henrique de Nassau, o Rico, arredondou seu feudo, que passou a abranger toda a área da margem direita do Reno entre os rios Meno e Sieg. A ele se deve a edificação do castelo de Sonnenburg, próximo a Wiesbaden, e que Nassau terá ocasião de reconstruir na qualidade de grão-mestre da Ordem de Malta. A Henrique deve-se sobretudo o castelo de Dillenburg, localizado à beira do Dill, afluente do Lahn, no atual estado do Hessen. Dillenburg tornou-se a sede da dinastia. Ali nasceu não só o mais eminente dos Nassau, Guilherme, o Silencioso, fundador dos Países Baixos, como também o Nassau brasileiro. Com o desaparecimento de Henrique, seus descendentes bifurcaram-se no ramo otoniano, que herdou a área a norte do Lahn, inclusive Siegen e Dillenburg, e no ramo walmariano, que recebeu as terras ao sul do Lahn. Destes descendia Adolfo de Nassau, eleito no século XIII imperador do Sacro Império Romano Germânico, derrotando um candidato Habsburgo. A rivalidade decorrente do episódio ainda era invocada trezentos anos depois para justificar a rebelião do Silencioso contra outro Habsburgo, o rei Filipe II, da Espanha. A Renânia e os Países Baixos sempre estiveram estreitamente vinculados mercê das intensas comunicações fluviais e comerciais. Mas foi somente nos primeiros anos do século XV que o primeiro Nassau, Engelbert, estabeleceu-se nos Países Baixos, que ainda eram parte da Alemanha, pois só em meados do século XVI Carlos V separará os Países Baixos do Sacro Império Romano Germânico. Unido pelo casamento a uma antiga família local, Engelbert adquiriu o senhorio de vários domínios, inclusive Breda, que se transformou na sede dinástica dos Nassau neerlandeses. Uma vez falecido, seu patrimônio dividiu-se entre os herdeiros alemães e batavos, o que fez destes últimos os mais ricos e poderosos representantes da estirpe. Contudo, a herança neerlandesa estava fadada a ir parar por duas vezes nas mãos dos "primos pobres" alemães. Como Engelbert II não tivesse descendentes, seus bens passaram para seus sobrinhos de Dillenburg (1504), Henrique iii, que recebeu o quinhão dos Países Baixos, e Guilherme, que ficou com o quinhão germânico. Guilherme, igualmente apelidado "o Rico", converteu-se ao luteranismo e introduziu a religião reformada nas igrejas do condado. Ao contrário de tantos senhores alemães do tempo, sua motivação não parece ter sido econômica (o clero católico possuía poucos bens nas suas terras), mas sinceramente espiritual, por influência de seu segundo matrimônio, com Juliana, condessa Von Stolberg. Contudo, as estreitas relações entre o ramo alemão e o ramo neerlandês não foram afetadas pela conversão dos parentes de Dillenburg à nova crença. Com a morte de Henrique III, o patrimônio neerlandês coube a seu filho único, René de Châlon, que se tornou o maior proprietário territorial dos Países Baixos ao herdar de um tio materno principados (inclusive o de Orange, no sul da França), ducados, condados, baronias e senhorios, equivalentes ao que se chamou "uma nova Lotaríngia", pois, como a original, a de Lotário, filho de Carlos Magno, ia da foz do Mosa à do Ródano. Mortalmente ferido no sítio de Saint Dizier (1544), no decurso da guerra entre Carlos V e Francisco I, da França, René não deixou descendentes, motivo pelo qual os bens do ramo neerlandês voltaram aos primos alemães. Como protestante, Guilherme, o Rico, chefe dos Nassau-Dillenburg, seria inaceitável nos Países Baixos, mas nem por isso ele estava disposto a ver a herança neerlandesa ir parar em mãos estranhas. Aos quinze anos, seu primogênito, o futuro Guilherme, o Silencioso, converteu-se decorosamente ao catolicismo e entrou na fortuna do tio, a qual, muito antes de Paris, valia bem uma missa. Morto Guilherme, o Rico, a casa de Nassau-Dillenburg coube ao segundo filho, João VI, dito o Velho, para distinguir do filho e do neto homônimos, João VII, do Meio, e João VIII, o Moço. João, o Velho, avô paterno de Nassau, foi um colaborador político e militar do irmão, embora estivesse longe de partilhar o ecletismo religioso de que o Silencioso dará repetidas provas quando, na esteira da revolta contra Filipe II, retornar à fé protestante em que fora criado. João, o Velho, originalmente luterano, fizera-se calvinista nos anos 70 do século XVI, introduzindo a doutrina de Genebra no seu condado, a exemplo do que ocorria no vizinho Palatinado. Era a época em que se havia engajado em apoiar Guilherme na revolução contra a Espanha. Com o fracasso inicial do movimento, o Silencioso viu-se forçado a abandonar suas terras, refugiando-se em Dillenburg, que se tornou a base alemã para a invasão dos Países Baixos, com a ajuda dos príncipes protestantes, pois, segundo a sua divisa, "não se precisa esperar para empreender nem ter êxito para perseverar". Dillenburg também se transformou em abrigo dos refugiados neerlandeses da repressão católica desencadeada pelo duque de Alba, o general de Filipe II. Quando os rebeldes conseguiram consolidar sua posição na Holanda e na Zelândia, as duas principais províncias marítimas dos Países Baixos, passando a dispor da base indispensável para o sucesso do movimento, João, o Velho, foi feito stathouder (governador) da Guéldria, província neerlandesa vizinha da Alemanha. Nesse cargo, ele desempenhou papel de primeiro plano na política dos Países Baixos, inclusive quando da negociação da União de Utrecht, que estabeleceu o laço confederativo entre as sete províncias do norte (Holanda, Zelândia, Utrecht, Frísia, Overijsel, Guéldria e Groningen), reduzindo o domínio da Espanha às dez províncias, os Países Baixos espanhóis, também chamados "Províncias Obedientes", que, grossíssimo modo, correspondem à Bélgica atual e que permanecerão espanholas até a paz de Utrecht (1713), ocasião em que passaram ao domínio da Áustria. Os irmãos de João, o Velho, e do Silencioso ingressaram no Exército neerlandês, combatendo pela causa protestante. Em 1580, com o falecimento da mãe, João, o Velho, teve de regressar a Dillenburg para cuidar do patrimônio da família. Foi também como parte desse plano de união política e de atividade militar que João, o Velho, fundou em Herborn, nas proximidades do seu castelo, a Academia Nassauensis, visando à educação dos filhos da aristocracia. A tônica do currículo incidia nos aspectos práticos da formação, atraindo até poloneses, boêmios e húngaros, que, nos seus países, enfrentavam a Contra-Reforma patrocinada pela Áustria na Europa Central. Herborn ficou conhecido pela alta qualidade do ensino, da sua biblioteca e da sua oficina tipográfica. O calvinismo ortodoxo não chegava ali ao ponto de sufocar a atividade intelectual, mesmo quando, a partir de 1600, começou a escalada da confrontação religiosa na Alemanha. De seus três matrimônios, João, o Velho, teve vinte filhos. Dele procediam os ramos da família que ficaram conhecidos como Nassau-Dietz e Nassau-Siegen. Em 1606, após o falecimento do patriarca, Dillenburg passou ao seu primogênito, Guilherme Luís, o qual, militando nos Países Baixos, tornara-se stathouder da Frísia e de Groningen, e dele descende a casa real dos Países Baixos. A João do Meio, pai de Nassau, tocarão a cidade e o distrito de Siegen, uma pequena área cuja população não ia além dos 9 mil habitantes e cujos rendimentos eram modestos. João do Meio, cuja mãe fora uma condessa de Leuchtenberg, estudara, como os irmãos, em Heidelberg, onde, primeiro sinal de interesse pela doutrina militar incutida pelo pai, escreveu em latim um ensaio sobre Epaminondas, o célebre general espartano. Após dois anos de universidade, viajou pela França e pela Itália, dando particular atenção ao ensino e ao treinamento militares, partindo em seguida para fazer carreira nos Países Baixos. Ali, João do Meio coadjuvou o primo, o stathouder Maurício de Nassau (que substituíra o pai, o Silencioso, assassinado em 1584 por um extremista católico), na tarefa de introduzir no Exército neerlandês as reformas pelas quais Maurício se celebrizaria na história militar. Inspirando-se na arte da guerra da Antigüidade clássica, elas criaram o Exército permanente e aprimoraram a profissionalização, a disciplina e o treinamento, oferecendo na academia de Breda cursos de fortificação e de estratégia. Maurício também se inspirou no ideal neo-estóico do seu antigo professor, Justus Lipsius, que, relendo Sêneca e Tácito a partir de uma perspectiva cristã e monárquica, escreveu o Da constância, produto da experiência traumática das lutas políticas e religiosas nos Países Baixos. Mais do que uma doutrina política, o neo-estoicismo era uma atitude vital, que, no seu ceticismo, constituía também uma técnica de manipulação do poder, mas que predispunha igualmente à tolerância e à aceitação da diversidade de crenças religiosas. Tendo enviuvado, João do Meio serviu de 1600 a 1602 na Polônia sob Carlos IX, da Suécia, regressando então definitivamente à Alemanha. Casou-se em segundas núpcias com Margaretha van Holstein, filha do duque de Schleswig-Holstein e de uma princesa do Brunswick. Em termos patrimoniais, Margaretha achava-se em posição apenas mais favorável que a do marido. Deles, foi primogênito João Maurício de Nassau-Siegen, nascido em Dillenburg em 17 de junho de 1604, tendo por padrinhos o avô materno e o stathouder Maurício, que o pai quisera homenagear no nome do filho. Nassau só viveu em Dillenburg os dois primeiros anos; e do castelo, só restam as ruínas. A construção, datando do século XIII, fora reformada em começos do XVI. No topo da escarpa, que o rio Dill cingia por três lados, desfrutavam-se situação estratégica invejável e esplêndida vista. Em seus vários edifícios podiam-se acolher, em caso de necessidade, mais de quatrocentas pessoas, graças a uma rede de canais que captava a água da chuva e das alturas. Tratava-se de uma residência confortável e de bom gosto, com setenta aposentos, galerias, biblioteca de livros em latim e em alemão, tanto de história quanto de arte militar e de religião, muitos dos quais comprados segundo indicação de Lutero, salas e salões decorados de tapeçarias versando sobre temas da história sagrada, da Antigüidade clássica e do Renascimento. A preocupação estética também se manifestava no pátio fronteiro, com sua fonte de sete jatos d'água; no jardim de baixo, à maneira de bosque, olhando o rio; e no jardim do alto, localizado no vasto terraço, com suas alamedas de tílias. Em 1606, com o falecimento do pai e o subseqüente arranjo patrimonial, João do Meio transferiu-se com a família para Siegen, que lhe coubera como herança; e onde lhe nasceram os outros filhos do segundo matrimônio. Em Siegen, João do Meio edificou o castelo e dedicou-se à gestão da herança e à sua grande paixão, a doutrina militar, redigindo um manual e organizando uma antologia de textos gregos e romanos num manuscrito ilustrado que legaria a Nassau. Além de reorganizar as milícias do Palatinado, ele reformou as do seu condado, que o pai criara em 1580, de vez que os Nassau não dispunham de recursos para pagar uma tropa de mercenários. João do Meio assumiu igualmente suas responsabilidades no Grafenverein, a liga da nobreza protestante. Sua militância calvinista foi de feitio moderado. João do Meio foi também um leitor entusiástico da obra de Antonio de Guevara, O relógio dos príncipes,/em>, do qual resumiu vários trechos para orientação dos filhos. No gênero, de que abundou o Renascimento, o livro, publicado em 1529, foi o mais popular, a ponto de tornar-se, após a Bíblia, o texto mais lido na Europa. Malgrado o título, esse tipo de literatura não se destinava somente a reis e príncipes, mas a todos os que servissem ao Estado na corte, na guerra e na burocracia. A educação era o instrumento, segundo Guevara, para incutir os princípios que garantiam a aplicação de leis equitativas por governantes justos, sendo essencial evitar que pequenos erros de formação pudessem viciar o caráter do futuro chefe. Guevara não poupava conselhos e advertências acerca da criação dos filhos, inclusive sobre sua alimentação, no tocante à qual encarecia o valor da amamentação. A descrição da infância de Nassau na pequena vila de Siegen só comporta sugestões vagas, como a de um dos seus biógrafos, P. J. Bouman, para quem "a paisagem romântica das colinas cobertas de bosques desenvolveu precocemente seu amor pela natureza". Ou pode-se fazer um exercício de história conceitual, como a de M. E. H. N. Mout, com base no modelo vigente de educação de um aristocrata alemão do começo do século XVII. Tal tipo de abordagem não nos garante, porém, que, ao fim e ao cabo, se terá apreendido o essencial de uma experiência que é sempre parte individualíssima de qualquer formação. Nassau terá sido instruído inicialmente pelo pai pedagogo, freqüentando depois a escola latina de Siegen, onde preceptores de bom nível haviam ensinado seus irmãos. No caso de Nassau, eles foram Wolfgang Stover e Heinrich Hatzfeld, que nada tinham de notáveis, mas que haviam pertencido à Academia de Herborn e exerciam funções burocráticas na pequena corte de Siegen. Posteriormente, Nassau prestou exames na escola condal, e em breve encetou, de acordo com o modelo aristocrático, o Kavalierstour, o estágio em alguma universidade estrangeira destinado a desasnar os rapazes, ampliando seu conhecimento do mundo e dos homens e aprendendo idiomas. Aos dez anos, ele foi enviado à universidade de Basiléia, famosa desde os tempos de Erasmo, escolha que reflete também a moderação religiosa de João do Meio, pois ali ainda se vivia sob a influência de Castellion, um dos principais opositores de Calvino, inclusive no relativo à pedra de toque do verdadeiro reformado, o dogma da predestinação. A caminho de Basiléia, Nassau conheceu a corte de seu cunhado Moritz von Hesse-Kassel, marido de sua meia-irmã Juliana, onde se reuniu a dois sobrinhos que também seguiam para a Suíça, sob o olhar vigilante de tutores e preceptores. Ali eles permaneceram de junho de 1614 a junho de 1615, partindo para Genebra, onde o rigor da época de Calvino fora atenuado pela influência de Théodore de Bèze, outro grande teólogo protestante. Ao cabo de seis meses, regressam todos a Kassel, onde Nassau permanecerá de começos de 1616 até o verão de 1619, período que terá sido mais estimulante na sua formação do que o suíço, devido não só à duração da estadia, mas ao ambiente da corte. Como já ocorrera a dois de seus meios-irmãos, Nassau ingressou no Collegium Mauritianum, que o cunhado criara para os rebentos da nobreza protestante. Além de idiomas, inclusive o francês, em que ele sempre se exprimirá à vontade, e o italiano e o espanhol, que lhe será util para compreender o português no Brasil, o currículo incluía o estudo de retórica, história, filosofia, teologia e astrologia, para não falar de matemática, essencial à arte militar. Na tentativa de conciliar o humanismo com a velha cultura nobiliárquica, o colégio dotava também seus pupilos com as prendas convencionais de um oficial: montar, tocar, dançar e esgrimir. [...]