De ambos os lados de um pequeno promontório, pontilhado de cafés e restaurantes, havia um mar brincalhão porém digno, bem diferente do verdadeiro oceano que rugia e roncava do outro lado da bocejante baía cercada de rochas que todos chamavam - até nos mapas tinha este nome - de Dentes de Baxter. Quem fora Baxter? Uma boa pergunta, repetida sempre, e cuja resposta, enquadrada numa folha de papel habilmente envelhecido, estava pregada na parede do restaurante que ficava no ponto mais alto do morro, o que tinha a melhor, a mais proeminente e a mais atraente posição. Baxter's, esse era o nome, e lá todos afirmavam que a saleta feita de tijolos finos e junco fora a casa que Bill Baxter construíra com as próprias mãos. Viajante incansável, ele tivera a chance, como marinheiro, de topar com aquele paraíso de baía cercada por uma pequena língua de rochas. Versões anteriores dessa mesma lenda sugeriam nativos pacíficos e acolhedores. Onde foi que os Dentes entraram na história? Baxter era um explorador inveterado de praias e ilhas próximas até que, numa noite enluarada, tendo-se enfiado num barco minúsculo, feito de sobras de madeira e experiência, acabou indo a pique entre aqueles sete rochedos negros, bem diante de sua casinha, onde uma lanterna tão confiável quanto um farol dava as boas-vindas aos barcos que eram pequenos o bastante para entrar na enseada depois de transpor o arrecife. Baxter's era agora muito bem plantada com grandes árvores que sombreavam mesas e cadeiras, e dos três lados abaixo havia o mar amigo. Um caminho que atravessava em ziguezague os arbustos ia dar nos Jardins de Baxter, e, uma tarde, seis pessoas subiam o suave aclive, quatro adultos e duas meninas bem pequenas, cujos gritos de prazer faziam eco ao barulho das gaivotas. Dois belos homens vinham na frente, não jovens, mas apenas o despeito poderia dizer que eram de meia idade. Um deles mancava. Em seguida duas mulheres tão bonitas quanto eles, de uns sessenta anos - mas ninguém nem sonharia em chamá-las de velhas. Numa mesa evidentemente conhecida deixaram sacolas, cangas e brinquedos, gente serena e radiante, como são os que sabem usar o sol. Arrumaram-se todos, as pernas morenas e sedosas das mulheres terminando em sandálias negligentes, mãos competentes temporariamente em descanso. Mulheres de um lado, homens do outro, as duas meninas impacientes - seis belas cabeças? Com certeza eram parentes? Aquelas tinham de ser as mães dos homens; e eles só podiam ser os filhos. As meninas, clamando pela praia, no fim de uma trilha de pedra, foram avisadas pelas avós, e depois pelos pais, que deveriam se comportar e brincar sem alvoroço. Elas sentaram e começaram a desenhar figuras na areia com a ajuda dos dedos e de gravetos. Meninas muito bonitas - e assim tinham de ser, com progenitores tão belos. De uma janela do Baxter's, uma moça chamou-os: "O de sempre? Querem que eu leve o de sempre?". Uma das mulheres acenou para ela, dizendo que sim. Logo apareceu uma bandeja, cujos sucos de fruta fresca e sanduíches integrais asseguravam que a família se importava com a saúde. Theresa, que acabara de fazer os exames finais do ensino médio, estava passando um ano fora da Inglaterra, para onde regressaria assim que começassem as aulas da universidade. Essa informação ela oferecera meses antes, e em troca mantinha-se a par dos avanços das duas meninas em sua primeira escola. Nesse momento, Theresa indagava como estavam indo e, primeiro uma, depois outra, informaram-lhe que a escola estava indo muito bem. A bela garçonete voltou para seu posto dentro do Baxter's lançando um sorriso para os dois homens, o que fez com que as mulheres sorrissem entre si e depois para os filhos, um dos quais, Tom, comentou: "Mas ela nunca vai conseguir voltar para a Inglaterra, todos os rapazes estão dando em cima dela para que ela fique". "Ela vai fazer papel de boba se casar e jogar fora essa chance", disse uma das mulheres, Roz - na verdade Rozeanne, a mãe de Tom. Porém a outra, Lil (ou Liliane), a mãe de Ian, argumentou: "Ah, não sei não", enquanto olhava para Tom. Essa permissão - ou saudação - ao que vinha a ser a reivindicação de ambos à vida fez com que meneassem a cabeça um para o outro, lábios comprimidos, de modo engraçado, como se estivessem escutando um diálogo muito ouvido, ou alguma coisa assim. "Bem", disse Roz, "eu não me importo, dezenove é jovem demais." "Mas quem sabe como pode acabar?", perguntou Lil, corando. Sentindo o rosto quente, fez uma pequena careta, que a deixou com uma expressão travessa, ou ousada, e isso estava tão distante do que ela era de fato que os outros trocaram olhares que não poderiam ser explicados tão facilmente. Todos suspiraram, escutaram os suspiros uns dos outros e riram, uma risada franca e cheia que parecia reconhecer coisas não ditas. Uma das meninas, Shirley, falou: "Do que vocês estão rindo?". E a outra, Alice: "Qual é a graça? Não vejo nada engraçado", e copiou o ar de travessura consciente da avó, que na verdade não fora intencional. Lil não estava à vontade e corou de novo. Shirley persistiu, querendo atenção: "Qual é a piada, papai?". Ao que os dois pais começaram a atiçar e a fustigar as filhas, atirando-as de um lado a outro, enquanto as meninas protestavam, desviavam o corpo e voltavam para mais, até o momento em que fugiram para os braços e o colo das avós, em busca de proteção. E lá ficaram, dedos na boca, olhos caídos, bocejando. Era uma tarde quente. Uma cena de sonolência e satisfação. Em mesas semelhantes, ao redor das grandes árvores, pessoas tão felizes quanto eles curtiam o calor. O mar a toda volta, poucos metros abaixo, sussurrava, zombava e rebentava, e as vozes eram baixas e preguiçosas. [...]