Introdução: a ciência da física Até o século XVII, muitos tipos de conhecimento eram tratados como aspectos da filosofia. Usavam-se princípios gerais de raciocínio para explicar a natureza, a sociedade e a religião. Galileu e outros estudiosos desenvolveram, então, novos métodos para examinar o mundo natural.Acrescentando a experimentação, a medição e o cálculo ao raciocínio, tiraram da filosofia o estudo da natureza e a transformaram em ciência. Hoje a ciência está até dividida em ramos, como biologia, química e física. Cada qual tem seu objeto de estudo: a biologia, os seres vivos; a química, os elementos; a física, as ações e forças.Apesar de serem especialidades distintas, essas ciências compartilham muitas técnicas. O trabalho de Galileu contribuiu imensamente para dar mais destaque às medições experimentais e aos cálculos matemáticos na física e em todas as ciências. Inspirando-se nos astrônomos, Galileu começou a estudar a natureza na Terra com métodos de medição e cálculo usados até hoje. Aplicou-os principalmente em seu estudo dos movimentos: queda de pedras, oscilação de pêndulos, entre outros. Também fez importantes descobertas em astronomia com a ajuda de um telescópio, que ele aperfeiçoou significativamente logo depois da invenção do instrumento em 1608. A palavra física deriva do grego physiké, que significa natureza. Há 2300 anos, o filósofo ateniense Aristóteles escreveu um livro sobre filosofia natural e o intitulou Física. As concepções aristotélicas sobre a natureza dominaram o pensamento europeu por quase dois milênios. Os filósofos naturais ensinavam um conjunto de preceitos sobre as causas de todas as ações no planeta e sobre a natureza de todo o universo. Não faziam medições nem experimentos, e seus cálculos eram poucos. Galileu não achou convincentes as explicações que esses filósofos deram para o movimento. Sua maior insatisfação devia-se ao fato de Aristóteles concentrar-se em por que os objetos se moviam. Galileu queria saber como. Com Galileu, a lógica aristotélica da natureza deu lugar à física matemática, experimental. Ainda assim, por mais de cem anos os falantes do inglês continuaram a chamá-la de filosofia natural. Na França, antes de fins do século XVII, o estudo experimental-matemático da natureza denominava-se la physique. Os estudiosos dessa área eram chamados physiciens (físicos). O termo inglês physicist só foi cunhado em 1840. Embora Galileu não fosse chamado de físico em sua época, sua obra forneceu procedimentos e resultados que estão no cerne do que hoje conhecemos como física. 1. Jovem matemático O rapaz aguardava, impaciente.Afinal, era seu futuro que estavam decidindo. O resto de sua vida. Nervoso, andava de um lado para o outro enquanto seu pai e o matemático do grão-duque conversavam a portas fechadas. Precisavam permitir que ele estudasse matemática, ele pensava. A crise chegara ao auge na primavera de 1584. Galileu Galilei, então com vinte anos, estudava filosofia e medicina na Universidade de Pisa e preparava-se para ser médico. Pelo menos, era o que deveria estar fazendo. Mas pouco tempo antes, seu pai,Vincenzo Galilei, ficara sabendo que o filho estava deixando de lado as disciplinas obrigatórias. Em vez disso, concentrava todas as suas energias na matemática. Ostillio Ricci emprestara-lhe textos matemáticos de Euclides e Arquimedes, mestres gregos que haviam vivido 2 mil anos antes dele. O jovem achava-os muito mais interessantes do que as maçantes obras de outros dois gregos, Aristóteles, na filosofia, e Galeno, na medicina. Vincenzo viajara quase cem quilômetros de Florença a Pisa exclusivamente para interpelar o filho. Por isso, compreensivelmente, foi um alívio para Galileu quando Ricci se ofereceu para servir de mediador entre ele e seu furioso pai. Vincenzo estava convencido de que os destinos da família dependiam da renda que Galileu receberia como médico. Os matemáticos, em comparação, tinham de contentar-se com uma ninharia. Ricci finalmente persuadiu Vincenzo de que Galileu era dotado de grande talento matemático. Além disso, argumentou que, como o rapaz não tinha nenhuma inspiração para a medicina, provavelmente não ganharia muito como médico. Mandaram Galileu entrar.Vincenzo, a contragosto, concordou em pagar as despesas do filho por mais um ano. Depois disso, o moço teria de cuidar de si. Galileu exultou. Não precisaria mais fingir que estudava medicina em vez de matemática. Logo estaria contribuindo para ampliar o conhecimento matemático. Já então se julgava capaz de aperfeiçoar o princípio da alavanca formulado pelo respeitado matemático grego Arquimedes no século III a.C. Provaria a seu pai. Talvez um matemático realmente bom pudesse tornar-se tão famoso quanto qualquer médico da região. Ou mais famoso, quem sabe? No século em que nasceu Galileu aconteceram muitas mudanças na Europa. Em 1500, os europeus estavam começando a expansão para o Ocidente, com Colombo nas Américas, e para o Oriente, com Vasco da Gama na Ásia das riquezas fabulosas.Munidos de canhões e naus, pilharam os tesouros das Índias. Em 1522, os navios de Fernão de Magalhães retornaram da primeira volta ao mundo. A expansão do comércio enriqueceu os monarcas da Europa Ocidental e aumentou-lhes o poder. Ávidos por ainda mais influência, eles procuraram diminuir o controle do papa e da Igreja católica. Os reis da Espanha e da França ganharam o direito de nomear seus bispos. Quando a Igreja não lhe permitiu divorciar-se, Henrique VIII, da Inglaterra, fez disso o pretexto para confiscar os mosteiros e afastar a Igreja da Inglaterra do controle do papa em Roma. A Europa Central era, na época, uma vaga confederação de Estados germânicos subordinados ao imperador do Sacro Império Romano em Praga. O imperador era da mesma dinastia do rei da Espanha. Para aumentar seu poder local, os príncipes dos Estados germânicos setentrionais adotaram a Reforma protestante de Martinho Lutero. De início, Lutero quisera apenas eliminar os abusos religiosos possibilitados pela supremacia da autoridade papal. Mas acabou concluindo que o contato das pessoas com Deus deveria ser direto, dispensando a intermediação de padres. Na década de 1520, Lutero desligou-se da Igreja católica romana e fundou sua própria Igreja.Acreditava que a essência da fé religiosa estava na Bíblia, e não nos concílios e autoridades da Igreja. Lutero também promoveu o nacionalismo com a tradução do Novo Testamento para o alemão. A Igreja católica reagiu implementando suas próprias reformas. O Concílio de Trento (1543-65) reafirmou suas doutrinas básicas, embora corrigisse numerosas falhas no governo da Igreja. Em 1540 a Igreja católica fundou uma nova comunidade religiosa, a Companhia de Jesus. Os jesuítas de batina negra expandiram-se rapidamente e, antes de 1660, já haviam fundado mais de cem novos colégios por toda a Europa. Ensinavam visões modernas da geografia e da história, em vez dos tradicionais clássicos em latim, e pregavam a rigorosa observância das crenças católicas. Alguns protestantes acabaram por ter em alta conta o ensino jesuíta, a ponto de matricularem seus filhos em escolas da ordem. A educação, na época, restringia-se sobretudo às áreas urbanas. Em algumas cidades italianas, até 40% das meninas e meninos recebiam educação elementar. Mas até 1800 a população européia urbana não passava de aproximadamente 15% da população total. A educação e o nacionalismo foram muito favorecidos pelo advento da prensa mecânica. Entre 1450 e 1500, as máquinas tipográficas disseminaram-se por mais de duzentas cidades européias. A indústria tipográfica dobrou de tamanho nos cem anos seguintes. Os livros impressos custavam cerca de um quinto dos livros manuscritos. A imprensa teve um impacto na sociedade tão grande quanto os computadores em nossa época. Os impressores logo esgotaram suas fontes de literatura tradicional, os tratados religiosos e clássicos latinos.Demandavam novas obras.Homens como Lutero e os jesuítas ficaram satisfeitos em abastecê-los. Logo apareceram relatos impressos de todas as novas descobertas geográficas. Mesmo antes de 1500, outra novidade difundira-se pela Europa.Começando na Itália, artistas e escultores criaram imagens mais naturais que as de seus predecessores. Na época, a Renascença foi vista como um retorno à pureza dos ideais da Grécia antiga. As obras escritas assumiram um estilo mais elegante e acrescentaram muitos temas sociais aos tradicionais assuntos religiosos. Os textos desses autores sobreviveram graças às novas prensas mecânicas. Muitos dos novos autores escreviam em suas línguas nativas e não no latim tradicional. Isso permitiu que a educação se expandisse, pois as crianças podiam aprender a ler mais depressa no idioma pátrio do que em latim, uma língua estrangeira. Mas ler em sua própria língua levou as pessoas a prestar mais atenção às questões nacionais. Se, por um lado, a imprensa ampliou os horizontes, por outro os estreitou. Por fim, embora a Europa estivesse caminhando para a modernização, isso ocorria lentamente.O transporte ainda era limitado pela velocidade de locomoção das pessoas ou dos cavalos ou pela velocidade de navegação das embarcações. E embora a maioria das roupas ainda fosse feita em casa de agricultores, a produção de têxteis em fábricas estava aumentando em várias cidades. Fiandeiros e tecelões trabalhavam em primitivas máquinas de madeira. Os nobres que eram donos de tecelagens amealharam riqueza fabulosa. A família Medici, de Florença, usou sua riqueza para entrar no ramo bancário e emprestar dinheiro aos monarcas.Um braço da família passou a governar Florença. Como também governavam a região circundante, Toscana, eram chamados de grão-duques da Toscana. Na época de Galileu, várias autoridades governavam partes distintas da península Itálica. A Toscana situava-se a noroeste e incluía Florença, Siena e Pisa, próxima ao litoral. A leste e sul da Toscana, em Roma, o papa governava os Estados Papais, incluindo Roma e Bolonha. Ao sul dos Estados Papais, o reino de Nápoles era governado pela Espanha. A norte e oeste da Toscana, o duque de Milão governava um território que se estendia até os Alpes. A leste de Milão, a República de Veneza dominava o extremo norte do mar Adriático. Três quartos dos habitantes da Europa eram agricultores. Poucas cidades tinham população numerosa, na faixa de 100 mil pessoas, sendo que mais de um terço tinha até catorze anos de idade. A mortalidade infantil não raro chegava a 20% e a expectativa de vida média para quem sobrevivesse ao primeiro ano de vida era de 45 anos; apenas cerca de 5% das pessoas alcançavam ou superavam os 65 anos. Além das causas usuais de morte, todos (especialmente nas cidades) viviam com medo da recorrente peste bubônica, a peste negra. Em 1630-31, Veneza perdeu um terço de seus habitantes, vitimados pela peste, e Milão perdeu a metade. Esse era o mundo que Galileu conhecia. Vincenzo Galilei vinha de uma família outrora proeminente em Florença.Vivia modestamente dando lições de música e tocando alaúde para fregueses ricos.Em 1562, quando morava em Pisa, casou-se com Giulia Ammannati. Tinha 42 anos, e ela, 24. Seu primeiro filho, Galileu, nasceu em 15 de fevereiro de 1564. Batizaramno com o nome de um ancestral ilustre que dera seu nome à família. De cinco ou seis filhos nascidos depois, apenas três sobreviveram à primeira infância. Quando Galileu tinha oito anos, seus pais voltaram para Florença e o deixaram em Pisa, aos cuidados de seus tios. Dois anos depois, o menino juntou-se aos pais.Após receber educação básica em Florença, Galileu estudou os clássicos latinos em um mosteiro em Vallombrosa, nas montanhas, a 32 quilômetros da cidade. E se tornou exímio desenhista e alaudista. Atraído pela vida pacífica do mosteiro, Galileu começou a estudar para ser padre.Mas seu pai tinha outros planos para ele.Vincenzo ganhava pouco e queria que o filho se tornasse médico para poder sustentar a família. Tirou Galileu, então com quinze anos, do mosteiro e dois anos depois o matriculou na Universidade de Pisa, no curso de humanidades e medicina. Galileu retornou a Pisa em setembro de 1581 e foi morar com seus tios. Na época, as universidades preparavam homens (mulheres não eram aceitas) para as profissões de teologia, direito e medicina. Além da instrução profissional, porém, todos os alunos tinham de estudar filosofia. Os estudos de filosofia concentravam-se sobretudo nas obras de Aristóteles. Esse grego do século III a.C. produzira várias obras que abrangiam todo o conhecimento de seu tempo. Por volta de 1300, estudiosos como Tomás de Aquino reformularam partes dos textos de Aristóteles de modo a adequá-las aos ensinamentos cristãos. Esses textos modificados tornaram-se a base dos estudos universitários por mais de trezentos anos. [...]