Prólogo O assalto ao banco Às dez da manhã abafada de quarta-feira, 13 de junho de 1907, na fervilhante praça central de Tíflis, um vistoso e bigodudo capitão de cavalaria de culotes e botas, empunhando um grande sabre circassiano, realizava truques a cavalo, brincando com duas belas e bem vestidas garotas georgianas que giravam sombrinhas espalhafatosas - ao mesmo tempo que seguravam pistolas Mauser escondidas em suas vestes. Rapazes de aparência ordinária, vestidos com blusas claras de camponês e calças de estilo marinheiro, esperavam nas esquinas, acariciando revólveres e granadas escondidos. Na mal-afamada taberna Tiliputchúri, um bando de gângsteres fortemente armados ocupou o bar do porão e convidava alegremente os transeuntes a acompanhá-los na bebida. Todos eles aguardavam para executar a primeira proeza de Ióssif Djugachvíli, de 29 anos, mais tarde conhecido como Stálin, a chamar a atenção do mundo. Poucas pessoas de fora da gangue sabiam do plano daquele dia para um "número" criminoso-terrorista, mas Stálin trabalhara nele durante meses. Um homem que conhecia o plano em termos amplos era Vladímir Lênin, o líder do Partido Bolchevique, que estava escondido muito longe da Geórgia, numa casa de campo em Kuokola, Finlândia. Dias antes, tivesse acabado de proibir rigorosamente todas as "expropriações", o eufemismo para roubo de bancos. Mas as operações, assaltos e assassinatos de Stálin, sempre executados com atenção meticulosa aos detalhes e ao sigilo, haviam feito dele o "principal financiador do Centro Bolchevique". Os acontecimentos daquele dia fariam manchetes em todo o mundo, sacudiriam literalmente os alicerces de Tíflis e fragmentariam ainda mais os social-democratas em facções rivais: aquele dia iria ao mesmo tempo fazer a carreira de Stálin e quase arruiná-la - um divisor de águas em sua vida. Na praça Ierevan, os vinte salteadores que compunham o núcleo da gangue de Stálin conhecida como "Drujina" assumiram posições, enquanto seus vigias observavam a avenida Golovinski, a elegante rua principal de Tíflis, depois do esplendor branco italianado do palácio do vice-rei. Eles esperavam o tropel de uma diligência e seu esquadrão de cossacos a galope. O capitão do exército com o sabre circassiano rodopiou seu cavalo antes de desmontar para um desfile pelo bulevar da moda. Todas as esquinas estavam guardadas por um cossaco ou um policial: as autoridades estavam a postos. Esperava-se alguma coisa desde janeiro. Os informantes e agentes da polícia secreta do czar, a Okhrana, e sua polícia política uniformizada, os gendarmes, haviam feito copiosos relatórios sobre as traquinagens clandestinas das gangues de revolucionários e criminosos. No lusco-fusco enevoado desse submundo, os universos dos bandidos e dos terroristas se haviam fundido e era difícil diferenciar boatos da verdade. Mas haviam escutado um "papo" sobre um "extraordinário" - como os especialistas em inteligência de hoje diriam - durante meses. Naquela manhã quente e úmida, a cor oriental de Tíflis (agora Tbilíssi, capital da República da Geórgia) mal parecia pertencer ao mesmo mundo da capital do czar, São Petersburgo, distante 1.600 quilômetros. As ruas mais antigas, sem água encanada ou eletricidade, subiam as encostas da Mtatsminda, a Montanha Sagrada, até ficarem impossivelmente escarpadas, cheias de casas tortuosamente pitorescas, vergadas com sacadas, entrelaçadas por velhas videiras. Tíflis era uma grande aldeia onde todos se conheciam. Logo atrás do quartel-general militar, na elegante rua Freilinskaia, a um passo da praça, morava a esposa de Stálin, uma bela e jovem costureira georgiana chamada Kató Svanidze, e seu filho recém-nascido Iákov. Era um verdadeiro casamento de amor: apesar de seu temperamento sombrio, Stálin era devotado a Kató, que o admirava e compartilhava seu fervor revolucionário. Enquanto tomava sol com o bebê na sacada, seu marido estava prestes a dar a ela e à própria Tíflis um choque medonho. Essa cidade familiar era a capital do Cáucaso, o vice-reinado montanhoso e selvagem do czar, entre os mares Negro e Cáspio, um caldeirão de povos orgulhosos e arrebatados. A avenida Golovinski era quase parisiense em sua elegância. Teatros neoclássicos brancos, um teatro lírico em estilo mourisco, hotéis grandiosos e os palácios dos príncipes georgianos e barões do petróleo armênios enfileiravam-se na rua, mas, assim que se passava o quartel-general militar, a praça Ierevan se abria para um pot-pourri asiático. Ambulantes em trajes exóticos e barracas ofereciam o condimentado feijão lobio georgiano e tortas de queijo katchapúri quentes. Transportadores de água, vendedores ambulantes, batedores de carteira e carregadores faziam entregas, ou roubavam os bazares armênios e persas, cujos corredores se pareciam mais com uma feira levantina do que com uma cidade européia. Caravanas de camelos e burros, carregadas de sedas e especiarias da Pérsia e do Turquestão, frutas e odres de vinho do luxuriante interior georgiano, entravam pelos portões do caravançará. Jovens garçons e mensageiros serviam sua clientela de hóspedes e comensais, trazendo para dentro os sacos, desatrelando os camelos - e observando a praça. Com a abertura dos arquivos da Geórgia, sabemos agora que Stálin usava os meninos do caravançará para o serviço revolucionário de espionagem de rua e entrega de mensagens. Enquanto isso, em um dos recintos cavernosos do fundo do caravançará, os chefes da gangue levantavam o moral de seus homens, repassando o plano uma última vez. Stálin estava pessoalmente presente naquela manhã. As duas adolescentes de sombrinhas rodopiantes e revólveres carregados, Pátsia Goldava e Anneta Sulakvelidze, "de cabelos castanhos, esbeltas, com olhos negros que expressavam juventude", atravessaram afetadamente a praça para ficar diante do quartel-general militar, onde flertaram com oficiais russos, gendarmes de vistosos uniformes azuis, e cossacos de pernas arqueadas. Tíflis era - e ainda é - uma cidade lânguida de pessoas que perambulam e param com freqüência para tomar uma taça de vinho nas muitas tabernas ao ar livre: se os exibidos e excitáveis georgianos se parecem com algum povo europeu, é com os italianos. Os homens georgianos e de outras regiões do Cáucaso, vestidos com sua tchokha tradicional - casacos longos e rodados com cartucheiras enfileiradas no peito -, pavoneavam-se pelas ruas, cantando em voz alta. As mulheres georgianas, com lenços pretos na cabeça, e as esposas dos oficiais russos, em trajes europeus, passeavam pelos jardins Púchkin, comprando gelados e sorvetes junto de persas e armênios, tchetchenos, abkhazes e judeus da montanha com roupas e chapéus de festa. Gangues de pivetes - kintos - observavam a multidão em busca de vítimas. Seminaristas adolescentes, com longas sobrepelizes brancas, eram escoltados por seus professores-padres barbudos ao sair do seminário do outro lado da rua, onde Stálin quase se tornara padre nove anos antes. Esse caleidoscópio do Ocidente e do Oriente, não eslavo, não russo e ferozmente caucasiano, foi o mundo em que Stálin se criou. Depois de verificar a hora, Anneta e Pátsia assumiram novas posições em ambos os lados da praça. Na rua Palácio, a clientela suspeita da taberna Tiliputchúri - príncipes, cafetões, informantes e batedores de carteira - já bebia vinho da Geórgia e aguardente da Armênia, não longe da grandiosidade plutocrática do palácio do príncipe Sumbátov. Naquele exato momento, David Saguirachvíli, outro revolucionário que conhecia Stálin e alguns dos gângsteres, visitava um amigo que era dono de uma loja no andar superior da taberna e foi convidado a entrar pelo alegre bandoleiro Batchúa Kupriachvíli, que estava à porta e "imediatamente me ofereceu uma cadeira e um copo de vinho tinto, conforme o costume georgiano". David bebeu o vinho e estava para sair quando o capanga armado sugeriu "com refinada delicadeza" que ele ficasse dentro da taberna e "experimentasse mais petiscos e vinho". David se deu conta de que "eles estavam deixando as pessoas entrarem no restaurante, mas não as deixavam sair. Indivíduos armados guardavam a porta". Ao divisar o comboio que vinha a galope pelo bulevar, Pátsia Goldava, a morena esguia que estava à espreita, virou rapidamente a esquina para o jardim Púchkin, onde sacudiu seu jornal para Stepko Intskirvéli, que esperava junto ao portão. "Vamos nessa!", murmurou ele. Stepko fez um sinal com a cabeça para Anneta Sulakvelidze, que estava do outro lado da rua, junto à taberna, e ela fez um sinal chamando os outros do bar. Os capangas armados que estavam à porta acenaram para dentro. "A um sinal dado", Saguirachvíli viu os bandidos que estavam na taberna largarem suas bebidas, engatilharem suas pistolas e saírem, espalhando-se pela praça - jovens magros, definhados, de calças largas, que mal haviam comido durante semanas. Alguns eram gângsteres, outros eram criminosos, e outros, ainda, príncipes empobrecidos típicos da Geórgia, vindos de castelos sem telhado e sem muros das províncias. Embora suas façanhas fossem criminosas, eles não davam nenhuma importância ao dinheiro: eram devotados a Lênin, ao Partido e a seu chefe títere em Tíflis, Stálin. "As funções de cada um de nós foram planejadas com antecedência", relembrou uma terceira garota da gangue, Alexandra Darakhvelidze, de apenas dezenove anos, amiga de Anneta e já veterana de uma farra de assaltos e tiroteios. Os gângsteres cobriram os policiais da praça - os gorodovói, conhecidos nas ruas como faraós. Dois homens ficaram de olho nos cossacos que estavam do lado de fora da Prefeitura; o resto seguiu para a esquina da rua Veliamínov e o bazar armênio, não longe do Banco do Estado. Alexandra Durakhvelidze, em suas memórias inéditas, relembrou que ficou guardando uma das esquinas com dois homens armados. Então Batchúa Kupriachvíli, fingindo ler despreocupadamente um jornal, divisou a distância a nuvem de poeira levantada pelos cascos dos cavalos. Eles estavam vindo! Batchúa enrolou seu jornal, preparado... O capitão da cavalaria com o sabre reluzente que estava passeando pela praça começou a advertir os transeuntes para que se afastassem, mas, como ninguém lhe dava atenção, saltou de volta para seu belo cavalo. Não se tratava de nenhum oficial, mas do ideal do beau sabreur e proscrito georgiano, meio cavaleiro, meio bandido. Era Kamó, de 25 anos, chefe da Drujina e, como Stálin disse, "um mestre do disfarce", capaz de se passar por um rico príncipe ou uma lavadeira camponesa. Movia-se rigidamente e seu olho esquerdo meio cego envesgava e se revirava: uma das bombas fabricadas por ele mesmo explodira em seu rosto algumas semanas antes. Ainda estava em recuperação. Kamó "estava completamente fascinado" por Stálin, que o convertera ao marxismo. Eles haviam crescido juntos na violenta cidade de Góri, distante setenta quilômetros de Tíflis. Era um assaltante de bancos de audácia engenhosa, um Houdini das fugas de prisão, um simplório crédulo - e um praticante meio insano de violência psicopática. Intensa e sinistramente tranqüilo, com um esquisito "rosto sem brilho" e um olhar vazio, servia com entusiasmo ao seu senhor, implorando com freqüência a Stálin: "Deixe-me matá-lo para você!". Nenhuma proeza de horror macabro ou coragem bombástica estava fora do seu alcance: tempos depois enfiou a mão no peito aberto de um homem e arrancou seu coração. Durante toda a sua vida, o magnetismo desprendido de Stálin atrairia e conquistaria a devoção de psicopatas amorais e desenfreados. Seu assecla de infância Kamó e esses gângsteres foram os primeiros de uma longa lista. "Aqueles jovens seguiam Stálin de forma desinteressada [...] A admiração que tinham por ele lhe possibilitava impor-lhes uma disciplina férrea." Kamó visitava com freqüência a casa de Stálin, onde tomara emprestado o sabre do pai de Kató, explicando que ia "brincar de oficial dos cossacos". Até mesmo Lênin, aquele advogado fastidioso, criado como um fidalgo, ficou fascinado com o temerário Kamó, a quem chamava de seu "bandoleiro caucasiano". Na velhice, Stálin refletiu: "Kamó era uma pessoa realmente espantosa". O "capitão" Kamó virou seu cavalo na direção do bulevar e cruzou audaciosamente pelo comboio que vinha na direção oposta. Depois que o tiroteio começasse, vangloriou-se, a coisa toda "estaria terminada em três minutos". Os cossacos entraram a galope na praça Ierevan, dois à frente, dois atrás e um ao lado das duas diligências. Através da poeira, os gângsteres puderam perceber que o veículo transportava dois homens de sobrecasaca - o caixa do Banco do Estado Kurchúmov e o contador Golovnia - e dois soldados com rifles engatilhados, enquanto um segundo faeton estava cheio de policiais e soldados. No trovão dos cascos, demorou apenas segundos para que os carros e os cavaleiros atravessassem a praça, prontos para entrar na rua Sololaki, onde ficava o novo Banco do Estado: as estátuas de leões e deuses acima de sua porta representavam a prosperidade crescente do capitalismo russo. Batchúa deu o sinal abaixando o jornal, depois o jogou fora e sacou suas armas. Os gângsteres pegaram o que apelidavam de "maçãs" - poderosas granadas que haviam sido contrabandeadas para dentro de Tíflis por Anneta e Alexandra dentro de um grande sofá. Os homens armados e as garotas avançaram, puxaram os detonadores e jogaram quatro granadas que explodiram sob as diligências com um barulho ensurdecedor e uma força infernal que estripou os cavalos e espedaçou os soldados, espalhando vísceras e sangue pelas pedras do pavimento. Os bandoleiros sacaram suas pistolas Mauser e Browning e abriram fogo sobre os cossacos e os policiais da praça, que, pegos totalmente de surpresa, caíram feridos ou fugiram para se proteger. Mais de dez bombas explodiram. Testemunhas acharam que vinham de todas as direções, até mesmo dos telhados: mais tarde, foi dito que Stálin jogara a primeira bomba do teto da mansão do príncipe Sumbátov. As diligências do banco pararam. Os transeuntes procuraram abrigo aos gritos. Alguns acharam que se tratava de um terremoto: a Montanha Sagrada estaria caindo sobre a cidade? "Ninguém sabia se o terrível tiroteio vinha de canhões ou da explosão de bombas", registrou o jornal georgiano Isari (Flecha). "O som causou pânico geral [...] quase em toda a cidade, as pessoas começaram a correr. Carruagens e carroças se afastaram a galope." Chaminés caíram dos edifícios; todas as vidraças foram estilhaçadas, até as do palácio do vice-rei. Kató Svanidze estava na sacada de sua casa cuidando do bebê de Stálin com a família "quando de repente ouvimos o som de bombas", relembrou sua irmã Sachikó. "Aterrorizadas, corremos para dentro da casa." Lá fora, em meio à fumaça amarela e ao caos, entre os corpos dos cavalos e os membros mutilados dos homens, alguma coisa dera errado. Um cavalo atrelado à diligência da frente contorceu-se e, aos solavancos, voltou à vida. No momento em que os gângsteres correram para pegar os sacos de dinheiro que estavam na traseira da diligência, o cavalo se ergueu e disparou morro abaixo em direção ao bazar dos soldados, desaparecendo com o dinheiro que Stálin prometera a Lênin para a Revolução. [...]