O MACACO, A ONÇA E O BOI Esta é uma história do tempo em que os bichos falavam. A onça tinha uma lavoura, mas pouco cuidava dela. Daí que cresceu todo tipo de mato. O que mais cresceu foi urtigão. Cada urtigão tenebroso. Um dia a onça resolveu capinar aquele mato todo. Mas em cinco minutos não parava de se coçar. Era o urtigão. - Assim não dá - a onça pensou. - Preciso pagar alguém pra capinar pra mim. Não, pagar não. Vou é enganar alguém. Então a onça chamou o papagaio e disse: - Anuncie pra todo mundo: quem capinar minha lavoura, ganha um boi. Só tem uma condição: não pode se coçar enquanto capina. No mesmo dia apareceram uns candidatos. O tamanduá capinou um pouco, mas se coçou. Teve de desistir. A capivara capinou um pouco, mas se coçou. Teve de desistir. O tatu capinou um pouco, mas se coçou. Teve de desistir. A onça estava cada vez mais alegre. Mais uns trinta candidatos, e a lavoura seria capinada sem que ninguém ganhasse o boi. Bastava a onça fazer o finzinho do serviço. Então se apresentou o macaco. - Veio capinar, compadre macaco? - Não. Vim avisar que o capataz da sua fazenda lá do sul quer falar com a senhora, comadre. - Já vou lá, compadre macaco. - Mas o que eu ganho, comadre onça, se eu capinar sua lavoura? - Ganha um boi. Mas tem uma condição: não pode se coçar. - Eu topo, comadre. - Combinado. Enquanto eu estiver com o capataz, meu filho fica vigiando você. Assim foi feito. O macaco, assobiando, pegou a enxada e se pôs a capinar os urtigões. Em seguida estava louco para se coçar. Mas o filhote da onça não tirava os olhos dele. Daí o macaco puxou conversa: - Como é esse boi que a comadre onça vai me dar? É malhado? - É malhado - o filhote disse. - Ele tem uma mancha aqui? - o macaco perguntou se coçando na barriga. - Não. - E aqui? - o macaco perguntou se coçando numa perna. - Tem. O macaco continuou com seu jogo. Capinava um pouco e aí perguntava para o filhote: o boi tem mancha aqui? E coçava o sovaco. Tem aqui? E coçava as costas. Tem mancha aqui? E coçava a cabeça. E coçava as bochechas. E coçava o joelho. E coçava a barriga. Lá pelas tantas, o filhote disse: - A barriga, você já perguntou. - Já? Tinha esquecido. E aqui, o boi tem mancha? - o macaco perguntou coçando a bunda. - Tem. - E é uma mancha grande ou pequenininha? - Grande. - Grande como? Grande assim? - o macaco disse coçando os dois lados. - Ou grande só deste lado? Ou deste outro? Quando a onça voltou, o macaco tinha capinado toda a lavoura. A onça, muito desconfiada, disse: - Olha, compadre, o capataz disse que não tinha mandado recado nenhum por você. - Não?! - o macaco fingiu uma surpresa do tamanho da boca da onça. - Será que eu me enganei, comadre? Então era o capataz do lobo-guará. A senhora me desculpe, mas ando muito esquecido, muito, muito esquecido. De qualquer forma, terminei o serviço e quero meu boi. A onça se virou para o filho: - O macaco se coçou? - Não. - Tem certeza? - Tenho. A onça teve de entregar o boi para o macaco. Mas antes, disse: - Olha, compadre, você só pode matar o boi onde não cantar nem galo nem galinha e onde não houver nem mosca nem mosquito. Senão eu quero o boi de volta. O macaco se foi. Queria logo carnear o boi, mas sempre tinha um galo ou uma galinha cantando. Andou, andou, andou, mas sempre tinha um galo ou uma galinha. Teve de ir muito longe pra não ouvir nem galo nem galinha. Depois, teve de ir mais longe ainda para se livrar das moscas e dos mosquitos. Mas, quando finalmente carneou o boi, a onça apareceu. - Olá, compadre macaco. Tenho andado muito, estou morta de fome. Pode me ceder um pedaço do boi? O macaco deu. A onça comeu tudo em duas bocadas. - Ainda estou morta de fome. Pode me ceder outro pedaço? O macaco olhou para o sol e disse: - Que horas são? - Sei lá, compadre. Umas quatro da tarde. O macaco começou a cortar um monte de cipós numa pressa danada. Depois amarrou o resto do boi numa árvore e disse: - Me faz um favor, comadre? Me amarre bem forte nesta árvore aqui. - O quê, compadre? Ficou maluco? - Ligeiro, que está na hora. Me disseram que vem uma tremenda ventania, comadre. Uma ventania tão forte que vai levar tudo voando. - Epa! - a onça disse. - O senhor é quem vai me amarrar. - Mas e se o vento me pega? - Pega nada, compadre. Você é rápido. Vamos de uma vez. Um ventinho de nada mexeu as folhas das árvores, e a onça deu um berro: - Ligeiro! Ali, compadre, naquela árvore bem grossa. O macaco obedeceu. - Agora sim estou segura - a onça suspirou. - É, comadre. Agora eu também estou seguro. Calmamente o macaco voltou para seu boi. - Desgraçado, você me enganou - a onça urrou. - Vamos, me solte! - Não solto. Ia passando uma paca. A onça disse para ela: - Me solte. Mas a paca não soltou. Ia passando um veado. A onça disse para ele: - Me solte. Mas ele não soltou. Passaram muitos bichos. Mas nenhum se atreveu a soltar a onça. A onça continuou amarrada até os cipós apodrecerem. Mas então o macaco já andava muito longe dali.