Três ou mais causos da escritora fangirl

20/07/2016

Por Luisa Geisler

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O bom escritor vem de um bom leitor. Sempre? Sempre. As oficinas de criação literária que fiz ao longo de minha curta (e meio sem graça) vida não me ensinaram a escrever. Nem sei se poderiam. Mas me ensinaram a ler. Não ensinaram a ler apenas o que me era informado, mas como.

Antes das oficinas, eu já era uma leitora. Ávida, esquisitinha, obcecada de leve por autores ou temas. Lia o que entendia, lia o que não entendia até entender, lia e achava um significado que decidia que estava bom.

Sigo assim, mas a questão toda é que eu já era assim.

Nisso, comecei a escrever, blablablá. E segui ávida, esquisitinha, a coisa toda, mais leitora do que escritora, mais interessada em ouvir do que de fato achando que tinha algo a dizer.

Algo que nunca dizem aos ratos de biblioteca é como é difícil interagir com autores, com o meio literário. O já clichê esprit de l'escalier nos consome. Talvez tudo isso seja muito normal para as pessoas normais. E talvez só nunca digam isso para socialmente inaptos ou fóbicos sociais com ansiedade e ataques de pânico. Minha convivência com meus companheiros de profissão é em geral vergonhosa (para mim).

Esse post não é uma grande tentativa de falácia de autoridade ou de name-dropping, a técnica em que se mencionam pessoas ou instituições relevantes numa tentativa de impressionar os outros. Até porque seria o segundo name-dropping mais errado da história [O primeiro name-dropping mais errado da história sempre foi e sempre será o de Aaron Burr (sir!). Aaron Burr, depois de matar Alexander Hamilton em um duelo em 1804, se referia a ele como “my friend Hamilton, whom I shot” (meu amigo Hamilton, em quem atirei). E acho que isso é mais errado que esse post, que nem objetiva o name-dropping. Perdão pela digressão, mas precisava acrescentar um fato histórico para me sentir validada].

Na verdade, esse post é uma grande tentativa de rir disso tudo.

O contato mais bem-sucedido que já tive com um escritor foi também um dos primeiros: com Marina Colasanti, que tinha sido jurada de meu livro de contos Contos de mentira para o Prêmio SESC de Literatura. Assim, resolvi ir conhecê-la na Feira do Livro de Canoas, antes do lançamento do dito livro, que recém chegara às mãos da equipe editorial. Eu me contive de não fazer um interrogatório sobre a sua bibliografia de livros infantis. Mas no caso, me apresentei, expliquei quem eu era, agradeci a participação dela como jurada do livro e por ter escrito uma bela resenha. Marina me olhou e disse: “Menina! Eu achei que você era um homem gay roteirista de quarenta anos!“

Isso foi bem-sucedido. Explico: uma vez, após uma entrevista, Carol Bensimon me deu carona até a estação de trem. Na empolgação juvenil, eu me esqueci de avisar onde ela poderia parar. Eu poderia ter conversado sobre Porto Alegre, Canoas, relações metrópole e cidade-satélite, cidades cinzas e feitas para automóveis? Poderia. Mas no lugar disso, fiz ela dar toda a volta na BR. Num carro.

Alguns diálogos são — se tornam — tranquilos, em especial se pela internet. Hoje, não paro e respiro num saquinho se Elvira Vigna me menciona num tuíte (tweet?). Até já mandei uma mensagem inbox no Facebook para Paulo Scott. Mas não responderia por mim se visse a Zadie Smith na recepção de um hotel.

A mais recente interação malsucedida foi minha presença em uma feira literária para assistir aos gloriosos Benjamin Moser e Arthur Japin. Por sorte, já tinha lido o novo livro de ensaios de Benjamin, Autoimperialismo. No momento de perguntas da plateia, eu poderia ter perguntado a respeito da relação bairrismo x autoimperialismo, a respeito da qual eu criava uma pequena teoria? Poderia. Eu poderia ter perguntado em particular a ele referências de ficções que tratassem dessa coisa esquisita que é o conceito de glocalização ou até mesmo não-lugar (lembram da obsessão por autores ou temas?)? Só caso alguma coisa ocorresse a ele? Poderia. Mas eu disse que meu nome era Luisa. Ele perguntou se era com S ou Z. Eu disse que era com S e sem acento. Então agradeci.

Esse, inclusive, é um resumo de 90% de todos os contatos interpessoais que tenho com escritores. Pessoas cujo trabalho admiro. Pessoas que às vezes me fazem pensar “se um dia eu chegar à metade da qualidade do fulano(a)…”. Pessoas que escrevem coisas tão bem-feitas e bem pensadas que me tiram a vontade de escrever, de pura insegurança ou raiva. Pessoas cujas ideias ecoam na minha cabeça por anos. Mas ainda assim, pessoas. E talvez eu seja só uma pessoa também, com direito aos meus momentos fangirl.

 

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Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira(finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, foi publicado pela Alfaguara em 2014. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.

Luisa Geisler

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados, Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

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