Por Luisa Geisler
Crédito: simpleinsomnia
Querido(a) autor(a) (ainda) não-publicado(a),
Sei que você já está rindo do meu tom condescendente. Sei sim. Eu tenho só vinte e cinco anos e não devia vir encher o saco. Mas sempre brinco que era universitária antes de começar a publicar. Portanto, não tinha currículo algum (pra publicar por ser famosa ou bem sucedida em outras áreas), sem pessoas influentes (pra convencer de publicar o livro da amiguinha) e, óbvio, sem dinheiro no bolso (pra pagar por publicação). E até agora, cada avanço me parece um passo na Lua. Queria compartilhar algumas coisas que aprendi nesse processo. Talvez seja uma espécie de FAQ, mas talvez não tão irônico.
Vamos começar de novo?
Querido(a) autor(a) (ainda) não-publicado(a),
É foda. É horrível de foda. Existe um mundo de pessoas com livros na gaveta, que escrevem, que não são publicadas, que ninguém quer ler. Existe um mundo de pessoas publicadas que ninguém quer ler. Existe um mundo de pessoas que têm zero interesse na literatura, que são publicadas, e um mundo de pessoas que quer ler sim. E você aí com seu livro.
É preciso abrir com a informação de que cada jornada é diferente. Alguns autores fundam editoras, alguns publicam com editais, alguns ganham dinheiro de editais e publicam, alguns ganham prêmios de manuscritos, alguns mantêm blogs e são bem-sucedidos, alguns misturam tudo isso e dá certo. Soa como um livro de autoajuda? Soa. Mas é isso.
Pessoalmente, publiquei graças ao Prêmio SESC de Literatura, que é um prêmio que apoio e divulgo. No entanto, ninguém viu as inúmeras tabelas do Excel que eu preenchia com prêmios, datas de inscrição, gênero, premiação. Até poesia — gênero que hoje tenho o bom senso de apenas ler — escrevi. Qualquer coisa pra ser escritora mesmo.
Sempre que vemos alguém que “deu certo” (muitas aspas), vemos como tudo é linear e faz sentido. Mas a manchete “Luisa Geisler tem um livro que enviou pra trocentos prêmios e depois percebeu que era uma desgraça e o engavetou para sempre” não é tão interessante quanto “jovem de 20 anos ganha o Prêmio SESC de Literatura”.
E, aliás, sim, esse livro engavetado existe. E, não, você não pode ler. Marcelo, tô vendo a sua cara. Não, não pode ler, eu disse. Não.
Esse livro engavetado inclusive não pode existir publicamente. A versão melhorada dele é o Quiçá, meu primeiro romance. Há intersecções, a estrutura e modus operandi com semelhanças por todo o lado. Mas é um romance diferente, sem dúvida, é outra história com outros personagens. Mas os erros e disfunções neste primeiro geraram os acertos do segundo. E antes que você diga que estou mudando de assunto — a-há! —, não estou.
É importante saber abandonar. Nossa, como é importante. Não digo apenas tirar adjetivos, aparar frases, rever a utilidade de parágrafos. Às vezes textos inteiros podem ser geniais pra você e só pra você. Inclusive, achar algo genial é em geral pista pro fato de que não é genial. Seu livro não é genial. Você pode achá-lo genial, mas ele não é. Tampouco meus livros são geniais, deixo claro.
Em especial quando é a primeira coisa que se escreveu, é fácil se apegar. É fácil mandar o mesmo texto pra vinte concursos, postar em trinta mídias diferentes marcando noventa pessoas na postagem (nunca faça isso). O stand-up comedian Louis C.K. disse que se impressionava como George Carlin, um deus em forma de stand-up comedian, tinha um especial pra HBO todos os anos. Ao perguntar a George a respeito disso, George disse que conseguia produzir porque ao final de cada ano, ele colocava todo o material produzido fora. E começava do zero.
Não que eu faça isso, deus me livre e guarde.
Claro que reciclar uma ideia não é trabalhar nela. Claro que livros em geral são trabalhos de anos de aprimoramento. Mas o nível de apego que pessoas que trabalham com ideias têm em relação a elas é imenso. E às vezes reciclar uma ideia até ela servir em algo só serve a você mesmo, não a quem lê.
E essa é a última e mais importante coisa.
Existe um leitor.
Por que ele tem que ler o que você escreveu?
Por que ele tem que ler seu livro e não um Saramago? Ou uma Alice Munro? Ou até um Stephen King, que seja?
Não que eu tenha respostas pra isso. O que realmente sei é que começar é foda. E permanecer também. O resto é pura especulação mesmo. Usem filtro solar?v
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Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira (finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, foi publicado pela Alfaguara em 2014. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.