Ilustres recusados

07/04/2016

gertrude

Carta de Arthur C. Fifield para Gertrude Stein recusando o original de The making of Americans.

Em seu post anterior na coluna Livre-Editar, Luiz Schwarcz escreveu sobre a relação entre autor e editor, e a autoridade dele em aceitar ou não um original para publicação. Como exemplo, Schwarcz cita casos em que autores hoje consagrados foram recusados e passaram por várias rejeições até encontrarem um editor que acreditasse no sucesso de seus livros.

Como Jack Kerouac e On the road, em que Mr. Parks, editor da Knopf, justificou a recusa do principal livro da geração beat dizendo: “… isto é um talento bem mal-direcionado e… esse grande, confuso e inacabado romance provavelmente venderia pouco e receberia críticas irônicas e indignadas de toda parte”. E ainda concluiu: "Não consegui entender esse troço".

A seguir, leia as cartas de recusa de outras duas importantes obras do último século: The making of Americans, de Gertrude Stein, e A revolução dos bichos, de George Orwell (tradução de Carlos Alberto Bárbaro).

The making of Americans - Gertrude Stein

"Cara Madame,

Sou apenas um, apenas um, apenas um. Apenas um ser humano, um a um só tempo. Nem dois, nem três, apenas um. Com apenas uma vida para viver, com apenas sessenta minutos em uma hora. Com apenas um par de olhos. Com apenas um cérebro. Apenas um ser. Sendo apenas um, tendo apenas um par de olhos, tendo apenas um tempo, tendo apenas uma vida, eu não posso ler seu M.S. três ou quatro vezes. Nem mesmo uma vez. Apenas uma olhada, uma olhada basta. Dificilmente venderíamos uma cópia aqui. Dificilmente uma. Dificilmente uma.”

Sinceramente seu, A. C. Fifield

A revolução dos bichos – George Orwell

13 de julho de 1944

Caro Orwell,

Entendo que você queira uma decisão rápida sobre A revolução dos bichos, mas temos que ter no mínimo duas opiniões de nossos diretores, o que não pode ser feito em menos de uma semana. Certo, para acelerar as coisas eu devia ter solicitado também a análise do presidente. Mas o outro diretor concorda comigo em vários pontos sobre o livro. Concordamos que é um notável trabalho de escrita; que a fábula é muito bem trabalhada e que a narrativa mantém o interesse do leitor sob controle ? e isso é algo que muito poucos autores conseguiram atingir desde Gulliver.

Por outro lado, não estamos convencidos (e estou certo que nenhum dos outros diretores se convencerá) de que este seja o ponto de vista mais acertado para se criticar a situação política de nosso tempo. É por certo dever de qualquer editora que tenha interesses outros que não apenas o mero prosperar comercialmente que publique livros que remem contra a maré do momento; mas em cada ocasião isso exige que pelo menos um dos sócios da empresa seja convencido de que essa é a coisa que precise ser dita no momento. Não consigo enxergar qualquer motivação derivada de prudência ou temor para impedir quem quer que seja de publicar esse livro ? se esse alguém, claro, acredita naquilo que defende.

Agora, creio que meu próprio incômodo com esse apólogo é devido a seu efeito ser meramente de negação. Ele devia despertar alguma simpatia pelo que o autor quer, assim como simpatia pelas suas objeções a certas coisas: e o ponto de vista positivo, que considerei trotskista no geral, não convence. Penso que você dividiu seus votos, sem conseguir qualquer compensação derivada de alguma defesa apaixonada de nenhuma parte ? isto é, aqueles que criticam as tendências russas do ponto de vista de uma pureza comunista, e aqueles que, de um ponto de vista completamente diverso, estão preocupados com o futuro das pequenas nações.

E além disso, seus porcos são muito mais inteligentes que os outros animais, e portanto os mais qualificados para governar a fazenda ? na verdade, a Revolução dos bichos sequer teria existido sem eles: assim, o que seria preciso (alguém poderia argumentar) não era mais comunismo, mas mais porcos com espírito público.

Lamento muitíssimo, porque seja quem for que vá publicar esse livro terá naturalmente a chance de publicar seus outros livros futuros, e eu tenho sua obra em alta consideração, por se tratar da fusão de boa prosa e integridade fundamental.

A senhorita Sheldon irá devolver seu manuscrito em envelope separado.

Sinceramente seu,

T. S. Eliot

Luiz Schwarcz

Luiz Schwarcz é editor da Companhia das Letras e autor de Linguagem de sinais, O ar que me falta, entre outros.

Compartilhe:

Veja também

Voltar ao blog