Esta terra selvagem

18/03/2016

Por Raphael Montes

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Na última quinta-feira, estive na sede da Companhia das Letras para conversar com meu editor e encontrei por lá, saindo do forno, Esta terra selvagem, romance de estreia de Isabel Moustakas. Já no táxi, mergulhei nas primeiras páginas do livro. Em casa, avancei por mais algumas antes de voltar ao trabalho. Naquela mesma noite, perturbado pelo “House of Cards brasileiro” exibido na GloboNews, fui para a cama e terminei a leitura.

Não se espante: o livro tem apenas cento e doze páginas (e muitos diálogos). Apesar de curto, é tenso e conta com cenas memoráveis. A premissa por si só merece atenção. Situado em uma São Paulo caótica e violenta, o romance acompanha a trajetória investigativa de João, repórter do Estado de S. Paulo, acerca de horripilantes crimes de ódio que vêm ocorrendo contra gays, judeus, prostitutas, negros, nordestinos, imigrantes e demais minorias nos pontos da cidade. Praticados por um grupo organizado, que veste a camisa do Brasil e cadarços verde e amarelo, os crimes são chocantes e ganham marcação gráfica nas páginas do exemplar: a autora optou por destacar certos parágrafos, que aparecem solitários no centro da página, como um capítulo de poucas linhas.

A linguagem é seca e visual, feita para impressionar, ao estilo de Patricia Melo e Rubem Fonseca. À exceção de um pecadilho no uso excessivo de reticências, os diálogos são fluidos e bem construídos, com ironia e profundidade no ponto certo. Como disse lá no início, há ainda cenas incríveis, como a de abertura e outra do “presépio”. Infelizmente, em um momento politicamente frágil como o nosso, de extremos perigosos e oposições tão ferrenhas, os relatos de selvageria que aparecem no livro não soam tão distópicos assim.

Tendo em mãos um tema tão complexo e pertinente como este, Isabel peca apenas ao não explorar melhor sua ideia ao longo das páginas: no terço final, parece haver certa “pressa” em terminar de escrever o livro. Sem dúvida, um romance de cento e doze páginas que mereceria ter lá suas trezentas. A sequência final de fatos se sucede de modo banal, quando mereceria maior densidade e força narrativa. De todo modo, sem dúvida, Esta terra selvagem oferece ao leitor um curto romance policial brasileiro de qualidade, o que já é muito.

Ao final do livro, mais um mistério: a orelha apresenta a autora Isabel Moustakas como nascida em Campinas, SP, em 1977, formada em direito, com marido e enteada. Não há foto e, como busquei, não há maiores informações na internet. Ao que tudo indica, Isabel Moustakas é mesmo um pseudônimo e, a julgar pela maturidade do texto, é o pseudônimo de um autor experiente. Tenho cá minhas teorias de quem pode ser Isabel Moustakas, mas, correndo o risco de acertar, prefiro não estragar a brincadeira. Por enquanto, fica apenas o desejo de que o(a) autor(a) escreva mais romances policiais interessantes como Esta terra selvagem.

 

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Raphael Montes nasceu em 1990, no Rio de Janeiro. Advogado e escritor, publicou contos em diversas antologias de mistério, inclusive na revista americana Ellery Queen Mystery MagazineSuicidas (ed. Saraiva), romance de estreia do autor, foi finalista do Prêmio Benvirá de Literatura 2010, do Prêmio Machado de Assis 2012 da Biblioteca Nacional e do Prêmio São Paulo de Literatura 2013. Em 2014 lançou seu novo romance pela Companhia das Letras, Dias perfeitos. Atualmente, o autor realiza trabalhos editoriais, ministra palestras sobre processo criativo e escreve o projeto de uma série policial para TV.

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