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Companhia das Letras n’A Feira do Livro 2024: guia para os leitores
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Por Lilia Moritz Schwarcz
Bárbara Pereira de Alencar
Como todo dia é dia das mulheres, me permito desrespeitar as efemérides, para comemorar um “feliz desaniversário”, na bela tradição de Lewis Carroll em seu livro Alice no País das Maravilhas. Num momento crucial da obra, a heroína Alice participa de um divertido chá da tarde, com o chapeleiro maluco, para celebrar a festa do seu “desaniversário”. A ideia de Lewis Carroll é, portanto, que todo dia é um desaniversário, sendo possível festejar não apenas uma data em especial, mas todas elas.
Seguindo-se, então, a mesma lógica de Alice, bastaria decretar que hoje é dia de “desaniversário das mulheres”. Mas gostaria de aproveitar essa celebração de forma crítica e não só alvissareira. Nada como pensar em tão significativa data partindo de uma questão, e não com uma só resposta.
Como sou antropóloga e historiadora, gostaria de perguntar por que é que na história oficial do Brasil as mulheres, com raríssimas e célebres exceções, aparecem sempre com tão pouco protagonismo? E mais: por que será que, quando surgem, estão em posições subalternas ou identificadas — tal qual efeito de causa e consequência — a seus maridos, familiares, colegas ou companheiros masculinos?
Começo com um caso famoso. Nossa imperatriz Maria Leopoldina tinha muito mais luz própria do que a história que contamos permite supor ou notar. Não era apenas a esposa de d. Pedro I, ou a filha da poderosa família dos Habsburgo. Era também, mas ainda mais. Quando soube que ia se casar com o príncipe de Portugal, e que viajaria para um distante Reino Unido tropical, Leopoldina resolveu estudar as especificidades desse território e aqui desembarcou com um grupo de naturalistas que teria importância fundamental nos estudos coevos e futuros desse país. Não contente com isso, interferiu como pôde para que a independência do Brasil se realizasse. Mesmo assim, quando mencionada nos livros didáticos, Leopoldina surge sempre como a mulher de Pedro I; aliás, sem que se lembrem dos maus-tratos que recebeu por parte do marido.
Para não pensarmos que essa é armadilha fácil “do tempo passado”, o mesmo pode ser dito de Pagu, sempre identificada ao lado de Oswald de Andrade. Se eles formaram, mesmo, um belo casal que agitou a cena modernista brasileira; já ela não foi, apenas, a cara metade do autor do Manifesto Antropófago. Destacou-se, igualmente, como poeta, feminista, jornalista e ativista política de grande visão.
E o que dizer de Maria Felipa de Oliveira, de quem nem ao menos sabemos a data de nascimento e de morte? Negra, Maria Felipa ergueu os punhos em 1824 na Ilha de Itaparica, na Bahia, a favor da independência do Brasil. Liderou um grupo que se opunha à invasão dos portugueses à ilha, e que pretendiam evitar a consolidação de nossa emancipação política de 1822. Valente, ela tomou de assalto o acampamento do exército lusitano, atacou os guardas e ateou fogo às embarcações.
Vale a pena mencionar, ainda, outra ilustre desconhecida; Zeferina, que participou, em 1826, de uma revolta no Quilombo do Urubu, nas cercanias de Salvador. Nessa ocasião, tomou a dianteira e animou um grupo de escravos refugiados para que se amotinasse contra as tropas do governo imperial.
Enfim, com certeza os exemplos poderiam se multiplicar. Mas minha intenção é apenas prestar uma pequena homenagem à data de “desaniversário das mulheres”. Deixo também uma pequena lista de mulheres que se destacaram em nossa história pregressa, até os idos da Primeira República — muitas delas anônimas; outras pouco conhecidas. Esses poucos, mas significativos, casos servem para iluminar o passado brasileiro a partir de outro ângulo, outra abertura. Por essa fresta podemos observar como várias mulheres atuaram na vanguarda política, social e cultural, não apenas como coadjuvantes, mas na dianteira da nossa narrativa nacional, que vai se fazendo com grandes atos e outros, mais cotidianos, mas igualmente éticos, paladinos a seu modo, cidadão no dia a dia.
Toda narrativa histórica é feita de muitas lembranças e de numerosos esquecimentos. Se a nossa foi escrita até agora, majoritariamente por homens, cabe a nós arregaçarmos as mangas e tirar esses nomes tão importantes da poeira dos arquivos.
“Feliz desaniversário” para todas e todos nós, e vamos lá fazer essa lista crescer como se fosse fermento de bolo. Começo com o período colonial, na próxima semana entramos no Império, para depois invadir a República. Conto com a participação de vocês.
PERÍODO COLONIAL
P.S.: Como escrevi antes, essa é apenas uma pequena lista; quase um lembrete. Agradeço à Heloísa Starling e ao pessoal do Projeto República, da UFMG, por ter elaborado comigo essa primeira relação. Na próxima semana, Lilia Moritz Schwarcz apresenta mais mulheres que fizeram história no Brasil.
Lilia Moritz Schwarcz é professora titular no Departamento de Antropologia da USP, além de autora de O espetáculo das raças, As barbas do imperador (vencedor do prêmio Jabuti na categoria ensaio), D. João carioca (em coautoria com Spacca) e O sol do Brasil (vencedor do prêmio Jabuti na categoria biografia), entre outros. Em abril, lançou com Heloisa Starling Brasil: Uma biografia.
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