Noel,
Vamos lá. Eu me lembro de quando eu tinha uns seis anos de idade e sabia que eram meus pais quem liam as cartas. Eu pedia livros porque sabia que tinha negociado meu presente de natal adiantado com meu pai durante a Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro. Mas 2016 foi tão insano que acho que terminar o ano acreditando em Papai Noel é uma das coisas mais plausíveis de tudo que houve.
Antes de tudo, peço que, quando surgir a tecnologia de máquinas de viagem no tempo, envie a máquina para o começo de 2015. Se quiser enviar uma versão para 1930, para 1500, quando quiser, à vontade. Mas se todas as alterações no tecido do espaço-tempo resultarem num 2016 como esse, manda pra 2015 também. Se organizar direitinho, todo mundo previne os problemas do mundo (causando novos).
Se puder, manda democracia, respeito aos direitos humanos, uns presidentes melhorzinhos, para o mundo inteiro, de preferência tudo na mesma embalagem. Tenho certeza que os elfos — assalariados, com direitos trabalhistas, férias e décimo-terceiro — conseguem fazer uma daquelas cestas bonitas com um laço grande em cima. Pode decorar também, colocar uns pacotinhos de nozes do lado, uns bombons.
Te peço um 2017 sem ídolos mortos. Poxa, levar David Bowie e Ferreira Gullar no mesmo ano é pesado demais. Sei que você não trabalha no setor de ouvidoria, Noel, mas poxa. Poxa, sabe? O Alan Rickman, poxa. Juro que se Ian McKellen, se Fernanda Montenegro, se Lygia Fagundes Telles, se encostar no Caetano, se, se, se. Não vou nem falar mais nada, pra caso isso vá parar no ouvido errado.
Sei que muitas dessas coisas vão além do poder que um velhinho no Polo Norte tem. Sei que a carta provavelmente deveria ser dirigida pra Deus. Mas se Deus existe, alguém precisa acordar o homem, porque ele parece ter ficado só no botão “soneca” o ano inteiro.
Se puder acordar Deus, agradecemos.
A Palavraria, Noel, manda uma Palavraria pra Porto Alegre. Pode ser a mesma. Já tá lá, prontinha. Só manda uns dinheiros. Aliás, se é pra mandar livraria de calçada, pode mandar umas… duzentas? Pro Brasil todo? Não sei quantas livrarias de calçada seriam suficientes. Talvez eu esteja pedindo demais nessa daqui. Se não der, dá prioridade pra Palavraria em Porto Alegre.
Se não der pra presentear nada disso, porque “é tudo muito subjetivo, Luana” ou qualquer bobagem assim, peço que mande um livro junto com os trenzinhos de presente; junto com os sabonetes que vão durar o ano inteiro; junto com o modelo novo de celular que todo mundo quer; junto com aquele gorrinho gracinha demais da Accessorize que eu ando de olho. E não precisa ser um desses livros que só podem ler pessoas com óculos de aro grosso. Qualquer livro. Pra quem quer ler uma saga adolescente de vampiros, taca saga adolescentes de vampiros. Pra quem quer ler soft porn maquiada de literatura, taca soft porn. Pra quem quer ler a biografia de uma celebridade de 17 anos, taca biografia. Que em 2017 a gente possa perceber que livro é que nem David Bowie: não precisa gostar, não te faz uma pessoa superior por gostar, mas se procurar bem, tem um gênero pra todo mundo.
Ah, mas se puder apressar máquina do tempo também...
Feliz Natal de puro trabalho estressante.
Cheers,
Luisa
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Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira (finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, foi publicado pela Alfaguara em 2014. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.