Em tradução (O Segredo)

14/12/2017

Os últimos dois meses, mais ou menos, foram agitados no front das “novas traduções” aqui em casa. É que a grande Alice Sant’Anna, poeta sólida e nova aquisição do editorial, me chamou pra uma empreitada do tipo que te deixa de joelho meio mole.

Que tal a gente montar uma nova antologia, grande, cheia de coisas inéditas, da poesia de T. S. Eliot?

Era mais ou menos esse o sentido geral do primeiro e-mail que ela me mandou. Depois de um adequado período de dúvida, consideração, auto-tortura, angústia e depois empolgação, eu falei: ara, vamo nessa. (O período em questão durou certa de 2.7 segundos.)

Eliot (se você não é da poesia) é entre os poetas de língua inglesa do século XX o que o nosso amigo Joyce seria entre os prosadores. E a ideia de poder lidar com os versinhos do camarada, ainda com carta branca pra sugerir a seleção dos poemas etc… era coisa boa demais pra cabeça. 

Prepare-se, então, cara leitora, depois de resolvidos aqueles últimos detalhes contratuais que impediam a divulgação da notícia (cf. coluna do mês passado) pra umas colunas sobre poesia por cá. Sobre tradução de poesia, dessa poesia mais do que sofisticada, tudo menos simples. Afinal de contas, tanto em termos do “sentido” quanto da “forma”, se tem uma coisa fina em Eliot é o quanto ele acha novos jeitos de ser complicado. 

Ele complica a complicação, sabe como? Chega até a parecer simples se você estiver distraído…

Mas deixa eu te falar com sinceridade (fico aqui com altas conversas de complexidade, e de forma e sentido… té parece… eu!). Tem UMA coisa que me pegou no Eliot, já lá nos anos 1990.

Barulho.

Ritmo, sonoridade, fluxo (flow, como dizem os rappers)… encanto…

Eu tenho cabeça de músico, e o jeito de um poeta me ganhar (seja ele Gerard Manley Hopkins, Emily Dickinson, Shakespeare, Cole Porter ou Eminem) é fazendo as coisas cantarem, é me dando um arrepio de surpresa com sonoridades encadeadas… E Eliot sabia do riscado, rapá. 

E foi essa a primeiríssima coisa que me passou pela cabeça com o convite da Alice. Tipo, eu vou poder (e vou TER que) fazer a poesia do Eliot cantar em português. Vou ter que (e vou PODER) criar aqueles versos que te cravam o crânio antes até de você tentar entender o que eles pretendem dizer. Aquelas frases que parecem melodia grudenta, reveladora…

E, santa cachucha, eu gosto de brincar disso, viu? Dentro aqui das minhas limitações, ora, quem nunca?

:)

Pois vamos lá, você e eu (como diz o primeiro verso do primeiro poema do primeiro livro de Eliot), encarar essa tarefa pelos próximos muitos meses. Por enquanto, depois de realmente ficar travado de pasmo e frisson (semanas a fio lendo Eliot, lendo sobre Eliot, sem traduzir uma linha), nos últimos dias consegui produzir uma primeira versão daquele primeiro poema: A canção de amor de J. Alfred Prufrock.

Ela me custou cerca de 15 horas. Para o quê, em termos de caracteres, daria menos de três laudas. Ou seja, 45 minutos, talvez uma hora de tradução de prosa literária (pra ter uma "primeira" versão). E ainda vai dar mais trabalho.

Mas, se você me permite, Alice…

E, se você me permite, leitora, leitor…

Isso arrisca ficar fino.

* * * * *

Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James JoyceDavid Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.
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Caetano Galindo

Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.

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