Cinco livros para cinco finais de ano

19/12/2017

Foto: John Antonio

Meu 2017 foi um saco. Foi ruim mesmo. Apesar de, sim, boas coisas terem acontecido. Eu, sim, terminei meu mestrado e o livro novo — mas foi um ano complicado. Em especial, quem gosta ou lida com cultura viu um ano em que ela foi consistentemente posta de lado e dada menor importância (da pequena que já tinha).

Mas é sempre importante lembrar que o tom em que termina é o que fica mais marcado na memória. Já que o ano não acabou ainda, há tempo pra moldá-lo a algum formato que interesse. E aí entram os livros. Os livros para pensar num ano que passou e no ano que vem.

Por isso, conforme o tipo de ano novo, de 2017 e 2018, que você quiser, vou sugerir um tipo de leitura de acordo. Pra ajudar a moldar. Se você estiver lendo esse post em 2018, talvez faça sentido pra moldar “cinco tipos de férias”. Mas vamos ajudar a achar um tom melhor para 2017 que não seja “ano saco”.

5. Para um final de ano não focado neste ano…

2017 foi um ano ruim. Mas foi um grão de areia na praia que é a história de nosso planeta. Somos minúsculos, assim como este ano. No grande esquema niilista das coisas, nada é realmente relevante na escala completa de dimensões do universo. No grande esquema interessante das coisas é onde Cosmos, de Carl Sagan, entra. O livro olha a evolução do conhecimento, da vida dentro da Terra, desde o surgimento do nosso planetinha. É uma forma de se desconectar das pequenezas do dia-a-dia, mas ao mesmo tempo se conectar com o que nos faz humanos. Acima de tudo, o livro não olha as vergonhas que fizemos em 2017, tanto como indivíduos quanto como sociedade. Ele olha para algo maior.

4. Para um final de ano político…

Se pensar nas questões grandes — mas grandes mesmo — do universo não é sua praia, talvez esta próxima leitura seja. Estou falando de Não vai acontecer aqui, de Sinclair Lewis. É uma daquelas sátiras tão absurdas que vira realidade. Vou apenas copiar a sinopse: “Um homem vaidoso, falastrão, anti-imigrantes e demagogo concorre à presidência dos Estados Unidos — e ganha. Buzz Windrip promete aos eleitores americanos que fará o país próspero e grande novamente, mas acaba trilhando um caminho sombrio. Ele declara o Congresso obsoleto, reescreve a Constituição e desencadeia uma onda fascista no país.” E é um livro de 1935.

Só que temos um problema: eu ainda não li esse livro. Desculpa. É um dos que já tenho aqui em casa, mas está na pilha. Penso nele semanalmente. Então não me sinto confortável em apenas recomendá-lo baseada em como acho que ele é. Essa categoria terá dois livros então. A recomendação que posso assinar embaixo com toda a certeza é a de O Marechal de costas, de José Luiz Passos. Mais um dos livros que lida com nossa realidade e com certo realismo mágico que é nossa história, em que o nascimento da república colide com os protestos em meados de 2013.

3. Para um final de ano familiar…

Final de ano, as festividades, Natal, o que seja, são períodos de ver a família — feliz ou infelizmente. São épocas em que essas relações são revistas de cabo a rabo, tudo regado a nostalgia, espumante e especiais de televisão. O resultado nem sempre é positivo, envolvendo drama e choro. Se você quer descer por este buraco nesta época do ano, não recomendo. Mas se você quer ao menos fazer isso através dos livros, recomendo o quadrinho Você é minha mãe?, de Alison Bechdel.

Eu já era fã de Bechdel por outros quadrinhos, mas esta reflexão sobre gênero, orientação sexual, morte e família, em especial sua mãe, me ganhou demais. Como diz o clichê em inglês, o livro “leaves no stone unturned”, ou seja, não deixa pedra alguma desvirada. Ele revira todas as pedras possíveis, não só pelas pedras, mas pelos buracos do impacto que ficam embaixo.        

2. Para chorar no final de ano…

Se seu 2017 foi ótimo, ora, parabéns. Se por algum acaso você tiver traços masoquistas e quiser levar um soco na amígdala cerebelosa, recomendo Por lugares incríveis, de Jennifer Niven. Se não tiver chorado com esse, tente um outro tipo de soco com A estrada, de Cormac McCarthy. Se nada disso funcionar, Lucia Berlin, em Manual da faxineira, vai funcionar. Esses livros fazem sentir de verdade. Chorei com Por lugares incríveis. A estrada até hoje me faz prender a respiração ao pensar nele. Manual da faxineira é um soco atrás do outro, os nocautes de que Cortázar falava. Se nenhum desses três fizer você sentir qualquer coisa, eu consideraria buscar ajuda médica: existe uma possibilidade grande de você já estar morto por congelamento cardíaco.

1. Para um final de ano inspirado.

Mas é complicado fazer um post no ano novo e acabar num tom triste. Todo mundo gosta de esperança no final do ano. A gente precisa de esperança. Precisa saber que vai pra frente. As coisas vão melhorar. E vêm melhorando, por mais que eu brinque que não. Pra dar uma noção de como, sim, as coisas têm melhorado, recomendo Extraordinárias: Mulheres que revolucionaram o Brasil, de Aryane Cararo e Duda Porto de Souza. Não só por ser um livro lindo, de lindas ilustrações. Mas para lembrar que pessoas extraordinárias fazem coisas extraordinárias o tempo inteiro. E que pequenas mudanças causam uma grande mudança. Como escolher o próximo livro a ser lido.

Feliz ano novo.

Luisa Geisler

Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados, Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.

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