Decibéis de desvantagem

09/01/2018

A pessoa que trabalha em casa tem suas vantagens e desvantagens. Vantagens: calças de moletom e shorts sumários, nenhum deslocamento para se chegar ao trabalho, uma cozinha inteira à disposição, solidão. Desvantagens: muitas atividades domésticas ao alcance, ruídos da vizinhança – que adora uma limpeza e uma reforminha –, solidão. Gostaria de falar hoje sobre quatro coisas que são particularmente irritantes devido ao número de decibéis envolvidos.

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O soprador de folhas. Em 1950, a empresa Echo Inc., que também fabricava aparadores de cerca viva, introduziu nos Estados Unidos um aparelho que servia para pulverizar pesticidas em lavouras e estufas. Alguns anos depois, as pessoas começaram a dispensar os químicos e interessar-se apenas pelo potencial soprador da máquina. Nasceu daí o soprador de folhas, que, além de produzir um barulho ensurdecedor, emitem em 30 minutos a mesma quantidade de gases que uma camionete emite em 6.255 quilômetros. Olhando para o aparelho em funcionamento, a coisa parece pior do que varrer a sujeira para baixo do tapete: depois de cortar a grama e aparar arbustos, o pessoal da empresa de paisagismo sopra os restinhos vegetais para a calçada do vizinho ou para o meio da rua, uma versão bem barulhenta do típico “isso aqui não é mais problema meu”. Nos Estados Unidos – onde faz mais sentido encenar a batalha entre a máquina e o ancinho, por causa de todas aquelas folhas do outono – várias cidades baniram o uso do aparelho.

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A lavadora de alta pressão. Tá bem, sua existência não é tão questionável quanto o do soprador de folhas, que é hors-concours nas listas das piores invenções da humanidade, mas digamos que, nos últimos anos, houve uma banalização brutal desse aparelho. Todo edifício precisa ter o seu. A lavadora de alta-pressão remove mofo, sujeira, chiclete. É preciso no entanto fazer essa limpeza pesada semanalmente? Embora modelos profissionais custem mais de R$ 1.500, os aparelhos domésticos podem ser comprados por menos de R$ 200. É aí que mora o problema. Gostaria, além disso, de poder dizer que cada coisinha amarela dessas – por que afinal são todas amarelas? – é um desastre ecológico em potencial, mas aparentemente seu consumo de água é baixo comparado a uma lavagem com mangueira (lavar calçada com mangueira: crime hediondo). Decibéis de um aspirador doméstico: 72. Decibéis de um liquidificador: 89. Decibéis de uma lavadora de alta pressão: 94.

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O caminhão com motor ligado. Diferente dos dois anteriores – barulhos intensos que de repente param só para serem religados na mesma pegada infernal –, o caminhão ou ônibus parado com o motor em funcionamento irrita porque não dá trégua, empesta o ar e, principalmente, prova que a humanidade tem uma tendência a acreditar em mitos muito ruinzinhos. O mito é: deixar o caminhão ou ônibus com o motor ligado gasta menos combustível do que desligá-lo para religá-lo mais tarde. Mentira. Fazendo uma pesquisa rápida, encontrei campanhas tão longínquas quanto 1998 sobre essa prática abominável chamada “deixar o veículo em ponto morto”. Segundo esse site, 757 milhões de litros de gasolina são desperdiçados – apenas nos Estados Unidos – por veículos deixados em ponto morto. E parece que dois minutos em ponto morto equivale a uma milha (1,6km) percorrida. Seria bom se essas informações e essa campanha tivessem chegado ao Brasil. Infelizmente, o que desembarcou por aqui foi o soprador de folhas. 

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Tiro. 150 decibéis. Disparado pelo vizinho para assustar ladrão. 

 

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Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008 e, no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Seu último livro, Todos nós adorávamos caubóis, foi lançado em outubro de 2013. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

 

Carol Bensimon

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