Semana dos Tradutores: Denise Bottmann

26/09/2018

No dia 30 de setembro, comemora-se o Dia Internacional da Tradução. A Companhia das Letras realiza este ano uma homenagem ao ofício: convidamos cinco tradutores de diferentes estilos literários para escrever depoimentos sobre suas trajetórias profissionais. O primeiro deles é de Denise Bottmann, tradutora de nomes como Hannah Arendt, Misha Glenny e Peter Gay. 

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Um depoimento, por Denise Bottmann

Este ano faz 35 anos que comecei a traduzir. Digo, traduzir “para fora”. Antes já traduzia um pouco, poemas, ensaios, coisas de que gostava, que guardava na gaveta ou às vezes publicava aqui e ali, em alguma revista. Mas traduzir por encomenda, a pedido, por contratação, a primeira vez foi 35 anos atrás, com Luiz Schwarcz, ainda na Brasiliense. Ocorreu meio por acaso, e nem vem muito – para rimar – ao caso. Tirando um intervalo de dez anos em que parei de traduzir, continuo na C/companhia de Luiz, com alguns passeios paralelos.

Traduzir é algo maravilhoso, por todos os lados que se olhe. Começa, em primeiro lugar, por ser a única – não, única talvez não, mas a principal – coisa capaz de estabelecer contato entre povos e culturas de qualquer tempo e de qualquer espaço, transpondo milhares de anos e muitos milhares de quilômetros. Então é uma coisa significativa, importante. Imaginem todo mundo ilhado na sua língua. Bem ou mal, não haveria propriamente uma humanidade. Não estaríamos aqui conversando.

Outro lado de traduzir é que a gente se sente, de certa forma, contribuindo não só para conservar, mas também para criar uma memória das coisas – e, de mais a mais, uma memória compartilhada, trazida de outro canto do mundo. Digo isso porque considero memória algo muito importante. Sou historiadora, por formação, por carreira acadêmica e, na última década, por estudos historiográficos que venho fazendo sobre... ora, vejam só, a tradução no Brasil.

Além disso, o ofício é muito generoso, ensina sem cessar; a gente está sempre aprendendo, vendo coisas novas, sabendo coisas que não sabia antes, e de maneira muito agradável: lendo, escrevendo, com paz e tranquilidade, tendo nosso fiel amigo, o leão cuja pata ferida ajudamos a curar, sempre a nosso lado.

 

Assim, nesses 35 anos, é como se se formasse um círculo perfeito para quem adotou a tradução por gosto e convicção: é uma das mais importantes atividades que vieram a constituir um tempo-espaço humano coletivo; é o eixo de formação de um patrimônio imaterial comum; como se não bastasse, é um ofício prazeroso e enriquecedor no plano pessoal.

Quase tudo passa. Mas algumas coisas ficam. Ficam vozes de estadistas firmando a paz, súplicas de reis ansiando por herdeiros, cantos de amor e aventura de poetas, devoções ardentes, cosmogonias e épicos grandiosos, conselhos e receituários médicos multimilenares, de povos há muito desaparecidos.

Fica a escrita – e a escrita nunca cessa de se multiplicar: sobre ela, prosseguem os infindáveis pentimentos que a mão de todos os jerônimos e todas as jerônimas traça incansavelmente ao longo do tempo. E é assim que dialogamos.

 


Jerônimo, padroeiro dos tradutores, com o leal leãozinho.
São Jerônimo no estúdio, Jan van Eyck, 1442

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Denise Bottmann nasceu em Curitiba em 1954. Graduou-se em história pela Universidade Federal do Paraná; é mestre em teoria da história. Foi docente de filosofia da Unicamp. É autora de Padrões explicativos na historiografia brasileira e vários artigos de crítica e teoria historiográfica em revistas especializadas. Atua como tradutora de inglês, francês e italiano desde 1983, nas áreas de literatura, ciências humanas, história da arte, teoria e história literária. Atualmente desenvolve pesquisas sobre a história da tradução no Brasil.

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