Recentemente, fui jurada em um concurso de poesia aqui em Porto Alegre. Já tinha sido jurada em concursos municipais, em situações mais discretas, mas nunca no formato do Falem Versos, organizado na Semana de Letras da PUC-RS. Nele, os candidatos enviavam poemas; estes poemas eram pré-selecionados anonimamente por um comitê; os jurados oficiais recebiam os poemas anônimos antes do dia do evento; no dia do evento, os poetas recitavam seus textos e os jurados faziam comentários, ao vivo, olhando para a cara do poeta; ao final, escolhiam-se vencedores de primeiro, segundo e terceiro lugar para duas categorias distintas.
Quase normal, exceto a penúltima parte.
Eu nunca tinha olhado para um desconhecido e dito para ele o que achava de algo que ele escreveu. Até mesmo em oficina, a gente faz conversinha antes, fala do clima, oferece umas balinhas, um café. Eu — como ansiosa e introvertida — não sou jurada do The Voice. Não só isso: minha avaliação também está sujeita a escrutínio, do público e dos meus colegas jurados. Em especial ao lado de duas pessoas do mundo das letras que admiro demais, que são Pedro Gonzaga e Leonardo Antunes.
Mas todo mundo que está num curso de letras em tempos como hoje merece todo o prestígio do mundo. Além disso, minha terapeuta diz que tenho que me desafiar socialmente. Então fui.
Acontece que como jurada, eu dava opinião sobre aquele poema lido. Não tinha como falar da situação de ser jurada em público. Havia também uma limitação de tempo, uma necessidade de imediatismo, eu não podia fazer grandes comentários existenciais. Ao final, tivemos que fazer uma escolha, que quis fazer um texto justificando.
Não vou justificar minhas escolhas particulares. Mas este texto serve como um complemento para minhas decisões daquele dia. Mas, também, acho que algo que pode interessar a todos os aspirantes a escritores que mandam textos para concursos.
4. Concursos literários são arbitrários
Alguns jurados gostam de rimas. Outros jurados se irritam com rimas. Durante o próprio concurso Falem Versos, eu elogiei uma quebra de linha que não funcionou tanto para outro jurado.
A vida inteira na verdade é arbitrária, vencer ou perder é arbitrário, nada nunca é muito justo. Parece um monte de obviedades, mas o quanto antes você aceitar isso, o quanto antes você vai parar de cobrar isso do mundo. Inclusive, aceite que às vezes as arbitrariedades funcionam a seu favor. Imagine seu poema rimado e uma mesa de jurados que gostam de rimas. Aceite que existe um critério além da qualidade. É libertador.
(Nota: não falo aqui de discriminação, como racismo ou machismo. Isso nunca deve ser permitido, inclusive temos que espernear bastante. Estou falando de aspectos de sorte.)
3. Jurados são pessoas
Quem não lembra da história do jurado C do Jabuti? Ele deu notas baixíssimas para livro de que não gostou e altíssimas para livros de que gostou. Assim, manipulou a média final das notas e, por consequência, acabou por escolher sozinho o vencedor.
Jurados são pessoas. Existe quase um jogo social em escolher os vencedores. Talvez, se eu tivesse gritado mais, talvez um poema de que gostei tivesse entrado na pilha de vencedores. Mas, cá entre nós, eu não achava que era um poema que valeria um escarcéu. Desculpa, poema.
Um dos poemas tinha temática bastante importante para mim e eu poderia ter feito chantagem até que o escolhessem como vencedor eterno da vida toda. E se eu fosse mais dramática? E o poema inclusive era bastante bom, mas aí caímos no outro problema.
2. Não se pode premiar o “quase”
É difícil escolher o quarto lugar. Escolher o texto que não será de fato premiado. Porque ele foi quase premiado: se apenas tivesse uma ou duas frases a mais. Se um clichê estivesse cortado. Quando fui dar tchau para uma das meninas que quase venceu, quis me desculpar. E mesmo com prêmios de participação ou “menções honrosas”: sempre alguém vai ficar de fora.
Os jurados elogiaram todos os poemas. Gostamos de todos. Mas gostamos mais de um que de outro. Chamamos um dos vencedores de “irretocável”. Agora imagine um poema de que gostamos muito versus um poema irretocável.
No caso do Falem Versos, tivemos sorte da pré-seleção anterior à nossa. Tenho certeza que tinha muita porcaria filtrada. Mas mesmo assim, para cada pessoa que enviou seu texto, preciso pedir que continuem escrevendo.
1. Continue escrevendo
É isso o mais importante. E na verdade, este texto poderia se resumir a: continuem escrevendo. Todos os poemas mostravam autores com potencial, uma voz autoral, um modo único de ver o mundo. E eu peço que sempre que você perder um prêmio literário, elogie sua coragem, mexa no que achar que precisa e vá de novo. Se achar que tem espaço para melhora, busque oficinas, leituras críticas.
Sempre brinco que ganhei o Prêmio SESC de Literatura por uma realidade estatística. Façamos de conta que você ganha 0,01% de todos os prêmios literários a que envia material. Eu tenho certeza que mandei coisas para mais de 100 prêmios literários: gastei com correios, com impressões, até hoje ainda mando de vez em quando. Mas eu não precisava de 99 nãos: eu precisava de um sim.
Então sigam escrevendo. Parabéns aos vencedores — mas mais ainda, aos perdedores.
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Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira(finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, De espaços abandonados foi publicado pela Alfaguara em 2018. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.