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This will be en English. Essa coluna vai ser em inglês. Mas com tradução, claro. Quiser pular direto pro português, corre pro fim.
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I’ve recently been to the United States as part of a Fulbright Program. We’ve spent six weeks there, between Seattle (Seattle University was “housing” the program), Los Angeles, San Francisco and Washington.
The group was composed of 17 scholars from different countries. Brazil, Mexico, Portugal, France, Finland, Tunisia, Algeria, Togo, Lebanon, Turkey, India, Nepal, Mongolia, China, Usbekistan, Tajikistan, Belarus. We were constantly guided, oriented and generally pampered by five Americans: two professors, two “assistants” and one staff member of the university.
Except for those five “natives”, of course, and for individual, let’s call them atypical situations (the Lebanese girl for instance was raised in an English speaking environment in Saudi Arabia), every one there spent those weeks thinking, reading (quite a lot), discussing and interacting in a foreign language. And of course each one of us had a different level of proficiency in that language, as some of you readers might already have noticed by my not-so-perfect command of written English.
We all spent those days living “in translation”.
And it’s tough. It’s hard work. It takes a toll on your brain. You have to think longer before you say anything (which might be good, Caetano…?). You sometimes give up on entering some lengthy discussions simply because you’re too tired to think in English.
I am NOT bilingual.
Although I can READ English with the very best (try me!), I’ve never really studied the language formally, and those six weeks have been the longest immersion period I’ve ever had. I can tell you that I was not able to fully be myself during all those days (which, again, might be good…).
There is, because of this, a temptation to call it “second best” living. Precisely as we could call reading translations “second best reading”… As in “if, and only if, you are unable to access the original…”
We’ve all thought like this.
We do it all the time, trying to read originals whenever we can.
But the problem is that we sometimes can’t.
And the point is that the “mediated” experience has its pluses.
The problem, though, is that those six weeks in translation have thought me everything about interpersonal interactions. Those 21 guys have shown me goodness, kindness, pure and unalloyed love.
Of course that came from their being amazing persons, one and all. But of course it also came from the fact that we WERE isolated, we HAD to bond in a certain way… we were all missing home, husbands, wives, kids, relatives… but we had each other.
And the interactions that came not only EXCLUSIVELY in translation (the only possible way) but exclusively because we HAD to live in translation (they were actually born out of this constraint, and not bound by it) were some of the sweetest and deepest I’ve had in my life.
I’m writing this is in my bad English so that you can all read it, “in translation”. Luis Alberto, Simão, Claude, Tytti, Yasmina, Aïcha, Isidore, Maha, Esra, Vijeta, Sushil, Sainbayar, Xuemei, Mutriba, Zilola, Inesa… The invincible Drs. Charles Tung and Ken Allan, and the amazing Elizabeth Boyle, Dan Bentson and Andrew Asplund…
Thank you all for existing in translation with me for some weeks.
Thank you, translation, for allowing me to access them. For being the best way to the largest number of human hearts.
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Tradução bem livre de mim mesmo, reescrevendo no caminho.
Eu acabo de voltar dos Estados Unidos, onde participei de um programa Fulbright. Nós passamos seis semanas lá, entre Seattle (a universidade “sede” do programa), Los Angeles, São Francisco e Washington.
O grupo tinha 17 acadêmicos de países diferentes. Brasil, México, Portugal, França, Finlândia, Tunísia, Argélia, Togo, Líbano, Turquia, Índia, Nepal, Mongólia, China, Usbequistão, Tadjiquistão, Belarus. Nós fomos constantemente guiados, orientados e de maneira geral mimados por cinco americanos: dois professores, dois “assistentes” e um funcionário da universidade.
Fora esses “nativos”, claro, e fora umas situações individuais e, digamos, “atípicas” (a libanesa, por exemplo, cresceu num ambiente inglês dentro da Arábia Saudita), todo mundo ali passou essas semanas pensando, lendo (pacas!), discutindo e interagindo numa língua estrangeira. E é claro que cada um de nós tinha um nível diferente de proficiência nessa língua, como alguns leitores hão de ter percebido pelo meu domínio pra-lá-de-imperfeito do inglês escrito.
Nós todos passamos aqueles dias vivendo “em tradução”.
E é duro. Dá trabalho. Gasta os miolos. Você tem que pensar mais antes de abrir a boca (o que pode ser bom, Caetano…?). Às vezes você desiste de entrar numa discussão mais longa simplesmente porque está cansado demais pra pensar em inglês.
Eu NÃO SOU bilíngue.
Embora eu possa LER inglês bem direitinho (pode me testar!), eu nunca estudei de verdade o idioma, e essas seis semanas foram o meu maior período de imersão até hoje. E eu posso te dizer que em função disso não consegui ser plenamente eu mesmo durante esses dias (o que, de novo, pode ser bom…).
Por causa disso, há uma tentação de se pensar nessa situação como uma vida “de segunda ordem”. Exatamente como a gente pode às vezes pensar na leitura de traduções como uma leitura “de segunda ordem”. Tipo, “só, e somente só, se você não puder encarar o original…”
Todo mundo já pensou assim.
A gente age assim o tempo todo, tentando ler originais sempre que der.
Só que o problema é que nem sempre dá.
E o problema, é que a experiência “mediada” tem seu potencial singular. Positivo.
Essas seis semanas me ensinaram de tudo sobre relações interpessoais. Aquelas 21 figuras me mostraram bondade, gentileza: pura e simplesmente amor. Claro que isso vem de elas serem pessoas incríveis, todas. Mas claro que vem também do fato de que a gente ESTAVA em isolamento, de que a gente TINHA que se conectar de alguma maneira… estava todo mundo ali com saudade de casa, de maridos, esposas, filhos, parentes… mas a gente tinha os outros ali. E as interações que surgiram não apenas EXCLUSIVAMENTE em tradução (única maneira possível), mas exclusivamente porque nós TÍNHAMOS que viver em tradução (elas na verdade nasceram dessa necessidade em vez de serem limitadas por ela), foram algumas das mais bonitas e mais tocantes que eu vivi.
Eu escrevi isso primeiro em inglês pra todos eles poderem ler, em tradução. Luis Alberto, Simão, Claude, Tytti, Yasmina, Aïcha, Isidore, Maha, Esra, Vijeta, Sushil, Sainbayar, Xuemei, Mutriba, Zilola, Inesa… Os invencíveis Drs. Charles Tung e Ken Allan, e os incríveis Elizabeth Boyle, Dan Bentson e Andrew Asplund…
Obrigado por existirem em tradução comigo por seis semanas.
Obrigado a você, tradução, por me permitir o acesso a eles.
Obrigado por ser o melhor atalho para o maior número de corações.
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Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.