Recados aos que temem o sexo, por João Silvério Trevisan

06/09/2019

 

Diante da censura feita por Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro, ao quadrinho Vingadores: A Cruzada das Crianças e da fiscalização para identificar livros considerados “impróprios” na Bienal do Livro Rio, a Companhia das Letras manifesta seu repúdio a todo e qualquer ato de censura e se posiciona, mais uma vez, a favor da liberdade de expressão. Luiz Schwarcz, CEO e fundador da editora, comentou o caso em nota postada em nossas redes da Companhia, leia aqui.

 

Convidamos João Silvério Trevisano, autor de Devassos no Paraíso e Pai, pai, a comentar o caso. Leia "Recados aos que temem o sexo":

 

Há uma obviedade indiscutível nas atitudes antissexuais de quem teme aquilo que não está previsto no seu manual religioso. Já lá se vão mais de vinte séculos que nós suportamos o fardo dos problemas sexuais dos hierarcas de religiões cristãs. Os custos foram altíssimos: gente deprimida, gente louca, gente suicida, gente torturada, gente queimada em fogueiras. As proibições de teor sexual denunciam, antes de tudo, o temor desses poderosos ao prazer legítimo que não conseguem controlar. As atuais denúncias de pedofilia no clero católico são apenas a ponta do iceberg. Isso se chama “retorno do reprimido”, ou seja, quanto mais se reprime, maior a necessidade de praticar irracionalmente. O que se diz nos sermões não serve para quem faz o sermão. Ou, citando um ditado espanhol: “Dize-me o que alardeias e te direi o que te falta”. Exemplo desse processo: vir a público e confessar uma fantasia reprimida a ferro e fogo na intimidade, ao mencionar fezes e pênis, quase semanalmente, a propósito de qualquer coisa. No jogo do vale-tudo político, atitudes como a do bispo licenciado Marcelo Crivella, atual prefeito do Rio de Janeiro, escancaram seus projetos já antigos de imposição teocrática, que pretende passar por cima da Constituição e da organização democrática do Brasil. Seus dogmas, no entanto, têm um objetivo político imediato: reforçar sua liderança abalada, mandando recado aos seus eleitores e lhes oferecendo combustível para alimentar a sanha contra tudo que discorde de suas prescrições religiosas e moralistas. Já se disse e se repetiu que a pauta de direitos LGBT são um ponto de referência para unir os diferentes grupos de direita. As acusações conspiratórias batem no mesmo clichê que rende dividendos políticos fáceis: LGBTs estão querendo corromper nossas crianças. Ora, uma coisa é não concordar, outra é impor a ferro e fogo suas convicções pessoais a toda a sociedade. Se o bispo Crivella se acha no direito de recolher uma graphic novel publicada anos atrás, por considerar seu conteúdo impróprio para crianças, temos muitas respostas a dar para gente como ele. A mais imediata já ocorreu: a edição do livro se esgotou, visto que o prefeito é um excelente publicitário a contragosto. A outra, com perdão da implicação pessoal, será mostrar nosso destemor ante essa ameaça e sair da Bienal com um livro de temática LGBT. Que tal? Mas também pode-se confeccionar cartazes. “Crivella, eu não tenho medo de sexo”. Ou: “Na minha vida sexual ninguém manda”. Ou: “Vai cuidar do teu prazer, eu sei onde está o meu”. E fica uma recomendação ao bispo: cuidado ao ler a Bíblia. Ela contém um imenso repositório de paixões humanas.

 

Neste sábado, 07/09, às 17h, Trevisan participará da mesa "Diversidade, substantivo plural" ao lado de Tobias Carvalho e Jaqueline Gomes de Jesus. Confira nossa programação completa.

 

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