Quando tomo conhecimento de feminicídios, brigas entre torcidas, assassinatos à queima roupa e preconceitos vociferados com despudor, parece que meu livro Seis balas num buraco só continua sendo escrito à minha revelia. Se o masculino tóxico é capaz de tudo a partir de sua obsessão fálica, ainda se pode ver o impensável. Eis que, num 7 de setembro em comemoração aos 200 anos da nossa independência política, o presidente do Brasil puxa o refrão autolaudatório: “sou imbrochável”, reverberado pela multidão como um elogio imperial. Bem, cada país tem o Nero que merece. Mas eu não consigo refrear a sensação de ver meu livro sendo ilustrado aí, em grande estilo e ao vivo. Mais uma vez, a crise do masculino se manifesta didaticamente nas atitudes do presidente, que dia sim, dia não, expressa seu ódio às mulheres e alardeia sua condição de machão autoritário. A pergunta é: por que esse homem que ocupa o mais alto cargo da nação vive tão preocupado com sua vida sexual a ponto de invocá-la como o grande tema de uma data memorável? Antes de tudo, ele está confessando o medo obsessivo de perder seu falo, ou seja, o pânico à castração que embasa o masculino tóxico, incapaz de admitir seu fracasso. Isso me remete a um ditado emblemático: “Dize-me o que alardeias e eu te direi o que te falta.” A louvação fálica do presidente soa como um pedido de socorro de alguém desesperado ante algo que perdeu ou nunca teve. E o que ele perdeu? Em sentido amplo: a consciência do seu papel na política, a compreensão do que é uma nação, a vocação para o diálogo, a possibilidade de admitir sua impressionante mediocridade. Ao invés do surrado “independência ou morte”, aquele refrão gritado em 7 de setembro de 2022 proclama a toxidade “imbrochável” do regime falocrático. A confissão pública de Jair Bolsonaro demonstra como é grave a crise do masculino no Brasil atual.