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Eu estou neste momento envolvido com um projeto maravilhoso, uma das coisas mais improváveis em que eu já me meti (nunca imaginaria).
A convite do grande Felipe Hirsch, estou trabalhando com ele e o seu coletivo Ultralíricos num espetáculo sobre a língua do Brasil. A coisa parte da canção Língua Brasileira, de Tom Zé, que partipa também da elaboração do espetáculo, inclusive com música inédita. Nem preciso dizer que estou empolgadíssimo com a ideia. E a conversa tem sido agitada, densa, e pra lá de interessante. Sem nem contar que os resultados preliminares a que eu tive acesso são absurdamente bons.
Uma das coisas que a gente está sondando são os substratos mais distantes da formação do português na Europa. Desde bem antes do latim. E, numa espécie de trailer, de teaser da peça, hoje eu queria falar aqui de palavras que resistem no tempo,
Porque se uma palavra como “resiliência” surgiu tresontonte no Brasil (a partir de uma palavra que no inglês é do século XVIII, formada ela mesma de um radical latino etc….), algumas das palavras que você emprega todo dia dão demonstrações impressionantes de… “resiliência”.
As minhas preferidas são as palavras possivelmente proto-ibéricas. Ou seja, aquelas que estavam já presentes na Península ainda antes da chegada da migração indo-europeia (celta), cerca de três mil anos atrás.
Os celtas vieram e mudaram todo o panoramo étnico e linguístico da Península. Mas aparentemente algumas palavras da língua anterior resistiram.
Aí vieram os romanos.
Meio milênio, e mais, de presença do latim na região.
Com a queda do império, chegaram povos germânicos: suevos, alanos, visigodos, que começaram a formar o que viriam a ser as casas nobres que sobreviveram.
Mas no começo do século VIII chega o Islã. Povos Berberes do norte da África, gente da Península Arábica, muita cultura da Índia trazida de arrasto, muitos ares persas (foi quando a palavra azul, por exemplo, chegou ao que seria portugal).
E aquelas palavras antigas continuvam lá.
E permaneceram quando os proto-estados nacionais se estabeleceram. E quando a Península ganha mais ou menos a cara geopolítica que tem ainda hoje, no fim do século XVI, elas seguiam por ali. Em uso. Como marcas que separam o português e o espanhol das outras línguas românicas (italiano, francês, romeno, provençal….).
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A etimologia é muitas vezes uma ciência onde menos se sabe quanto mais é interessante a pergunta. Quanto mais longe se vai no tempo…
É difícil saber se essas palavras pertencem mesmo a uma língua “Ibérica” que não deixou registro escrito. Mas o fato de que algumas delas sobrevivem também no basco, a misteriosa língua que sobrevive encravada entre a França e a Espanha, sem qualquer relação aparente com os outros idiomas da Europa… isso fornece certas suspeitas de que elas venham desse chão ibérico comum.
E… não sei você, mas a cada vez que eu digo esquerdo, eu penso que posso estar usando uma palavra-guerreira, que resistiu a ondas e ondas de invasores e veio parar do outro lado do oceano. A cada vez que digo sapo, a cada vez que digo barro.
Milhares de anos de história te contemplam do barro de todo dia.
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Caetano W. Galindo é professor de Linguística Histórica na Universidade Federal do Paraná e doutor em Linguística pela USP. Já traduziu livros de James Joyce, David Foster Wallace e Thomas Pynchon, entre outros. Ele colabora para o Blog da Companhia com uma coluna mensal sobre tradução.