Queridas pessoas leitoras,
De adiantado, peço perdão por não falar do tema onipresente.
Como estou contribuindo com o blog nos Diários do Isolamento (março e abril de 2020), este texto acabou ficando para o final do mês. Eu o começo dia 28 de março, mas deve ser publicado em abril. Mas queria falar de março ainda. Daquela época que parece que faz cinco anos atrás, daquele mundo que era seis semanas atrás, dois meses atrás. Quero falar do começo do mês de março. O tópico que eu tinha em mente era falar do mês da mulher. 8 de março é Dia Internacional da Luta pelos Direitos das Mulheres. E por ser março, queria convidar todos vocês a um exercício.
Queria convidar ao amigo leitor a fechar os olhos, andar até sua estante e pegar dez livros. Pode ir de olhos abertos e fechar os olhos só na hora da escolha, tentando ao máximo fingir que não sabe quais são os livros — algumas capas têm texturas e alguns livros conhecemos pelo cheiro. O ideal é pegar os primeiros que alcançar.
Pegou os livros?
Dez?
Coloque-os na mesa.
Quantos livros desses foram escritos por mulheres?
Quantos livros desses foram escritos por mulheres negras? E indígenas? Trans?
Somos cinquenta por cento da população. Por que não somos cinquenta por cento da sua estante?
É uma pergunta é complexa e cheia de camadas. Respostas prontas não cabem. Uma resposta que funciona pra certos perfis de mulheres autoras não funciona para as outras. E, é claro, é muito mais fácil para mim — uma mulher branca em uma situação privilegiada —, mesmo que ainda seja difícil.
Este texto não é uma tentativa de explicar isso. Existem livros e livros a respeito, artigos e tratados. Este texto é um pedido que se faça algo. Que você leia um livro escrito por uma mulher este mês. Sei que muitas pessoas que acompanham o blog participam de iniciativas, sei que muitas têm esse cuidado. Mas só por via das dúvidas, é uma ideia que tiro março para martelar. Sem flor, sem textão.
Sei que muitas pessoas dirão “não vou ler um livro que não me interessa só porque é escrito por uma mulher”. Ora. Mas a ideia é que seja um convite gostoso, amável. Que tipo de livro te interessa? Sci-fi? Ursula K. Le Guin. Seu negócio é terror, thrillers? Shirley Jackson. Seu negócio é fatos reais, histórias envolventes, biografias? A da Fernanda Montenegro. Seu negócio não é nem ficção, você gosta de textos teóricos e nem sabe bem por que está lendo esta crônica? Lilia Schwarcz, que aliás se encaixa em duas categorias com a biografia de Lima Barreto.
Ainda sem nenhum convencimento?
Vamos a mais um exercício.
Diga o nome de um escritor. Diga o nome de um escritor vivo. Diga o nome de um escritor brasileiro. Diga o nome de um escritor vivo brasileiro.
Bom, este é um pouco mais difícil, não? De cabeça, assim, um autor brasileiro vivo?
Mas quer ver entrar no nível hard?
Diga o nome de uma escritora. Diga o nome de uma escritora viva. Diga o nome de uma escritora brasileira. Diga o nome de uma escritora brasileira viva.
Não sinta uma acusação. Não é isso. Quero realmente convidar à pergunta, a deixar no ar, e a pensar qual o é o seu papel nisso tudo. Por qualquer que seja o motivo de não ter lido mulheres, ou ter lido menos mulheres, o que você pode fazer a respeito disso agora?
Como estamos na intimidade desta carta, querido leitor, peço que pense numa resposta criativa. Uma resposta verdadeira. Não me venha com “eu nunca me interessei por algo escrito por mulher”. Da onde vêm seus gostos e opiniões? Como você descobre um filme novo?
É esse o convite. E não é um convite para março, é para o mês que isso for postado, o mês que for lido. Leiam mulheres. Lygia Fagundes Telles, Djamila Ribeiro, Silvina Ocampo, Jennifer Niven, Lucia Berlin, Cidinha da Silva, Virginia Woolf, Angélica Freitas, Ali Smith, Natalia Borges Polesso, Conceição Evaristo, Iris Figueiredo. Cada uma dessas autoras é uma centena de motivos para ler mulheres. Porque este texto era pra ser só isso. Um convite a um olhar. Poderia ser apenas “leia mulheres” até fechar o número de caracteres. Se você já lê, explore mais. Porque a literatura é explorar, é desafiar o novo — no mês da mulher e sempre.
Espero ouvir de você e seu experimento.
Fique bem no meio dessa loucura toda, seja qualquer loucura em que você se encontra.
Abraços,
Luisa
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Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados (2018) e Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado a ser lançado em breve. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.