Foto por Tadeu Vilani
Antes de começar a ler, querido leitor: se não leu, por favor comece este post lendo a primeira parte.
Estamos na sede da Alfaguara no Rio de Janeiro, eu ainda pesada pós-almoço, digerindo. Eu vendo se conseguia roubar uns lançamentos novos da editora (não roubar de verdade, mas pedir). Marcelo me contando de “um livro de zumbi” sobre o qual falamos por e-mail. Segundo ele, nunca conseguiria escrever um livro de zumbi, mas uma novela? Uma novela ele conseguiria. Umas cinquenta páginas.
Ele me conta que pensou em alguns autores que edita, mas nenhum tinha disponibilidade ou perfil. Digo que vou pensar em nomes, tenho ideias. O nome de Samir [Machado de Machado] me ocorre na hora — porque na minha cabeça, Samir faria algo brilhante e social disso tudo que na mão de outra pessoa seria superficialmente fantasioso e pop. Antes de sair, Marcelo reitera que o projeto ainda está em off e incipiente.
Saio da editora com três livros. Começo a ler Oeste, de Carys Davies no metrô. Comigo, também Desenhados um para o outro, de Aline Kominsky-Crumb e Robert Crumb e O filho mais velho de Deus e/ou livro IV, de Lourenço Mutarelli.
Ao chegar na casa da minha agente, uma das autoras com quem trabalha está lá. A autora é Natalia Borges Polesso. Eu nunca tinha conversado com Natalia antes. Sentamos na sacada. A agente abre um vinho porque ela é a melhor agente do mundo.
Uma taça de vinho depois, já estou contando da visita à editora e do tal projeto “em off e incipiente”. Comento a ideia. No dia seguinte, em retrospectiva da ressaca, imagino que Natalia só achou a ideia muito legal porque Marianna havia aberto uma segunda garrafa de vinho.
Em julho de 2018, mando um e-mail com nomes. Alguns sugeridos por mim foram, além de Samir e Natalia, Débora Ferraz, Reginaldo Pujol Filho e Olavo Amaral. Trocamos ideias e impressões. Encontro Samir para tomar café, não por conta do projeto, mas pelo bolo e café. Comento do livro. Ele gosta. Incluo Samir na tripa de e-mails.
Neste meio tempo, Natalia retoma o assunto do livro no WhatsApp, perguntando se o projeto tinha morrido. Eu seguia achando que A Gloriosa Natalia Borges Polesso tinha topado só por educação bêbada. Incluímos Natalia. Mais e-mails. Festa.
Nós nos conectamos por Google Hangouts. Há uma certa organicidade nos movimentos que se seguem, em quem decide seu personagem, seu ponto de vista. As decisões acabam se equilibrando. Não precisamos discutir para acabar com dois pontos de vista em terceira pessoas, duas personagens femininas e duas masculinas.
Trocamos referências. Havíamos falado em e-mails de Eu sou a lenda, um livro pós-apocalíptico eternizado no cinema como zumbis. Mas, no livro de Richard Matheson, são tecnicamente zumbis.
Tomamos decisões práticas como prazos, modo de publicação, parâmetros de texto, decisões narrativas importantes, como qual tempo verbal usar, quando a história se passaria (ao longo de quinze dias depois de seis meses do paciente 0), qual seria a causa da “corpo secagem”, como matar os seres, qual seria a linha do tempo (até quando teríamos eletricidade, internet, cancelamento de escolas). Organizamos aspectos complexos: quem se encontraria quando, parentescos, linhas narrativas aproximadas, finais de personagens, quem morria e quem vivia. Trocamos ideias de incertezas, sugestões de rotas. Samir, que nunca estivera em Paraty, pergunta coisas. Ele já tem uma vaga ideia de passar pelo apocalipse zumbi na FLIP.
Samir traz a ideia de corpos secos, uma criatura da mitologia brasileira, que poderíamos adaptar. Decidimos não falar de zumbis justo para não amontoar com a quantidade de referências que já existem deste tipo de criaturas.
Não há grandes discussões, sinto informar. Acabamos concordando com uma diversidade de vozes, combinamos as relações entre personagens. Alguns já estão escrevendo, sentindo linguagem ou os personagens. Definimos aspectos importantes: quatro capítulos. Total de quarenta páginas, o ideal seria de oito a doze páginas por capítulo. Estabelecemos prazos de entrega dos trechos, de leitura dos trechos dos colegas. Próxima reunião em alguns meses.
Para o post seguinte, falo do resto do processo de escrita, a troca, além da edição e finalização. Para terminar o post, eis uma piada que encontrei na tripa de e-mails:
Gente, o que um zumbi fofoqueiro disse pro outro?
— Tenho um podre pra te contar.
***
Luisa Geisler nasceu em 1991 em Canoas, RS. Escritora e tradutora, é também mestre em processo criativo pela National University of Ireland. Pela Alfaguara, publicou Luzes de emergência se acenderão automaticamente (2014), De espaços abandonados (2018) e Enfim, capivaras (2019), além de Corpos secos, romance distópico de terror escrito a oito mãos com Natalia Borges Polesso, Marcelo Ferroni e Samir Machado de Machado a ser lançado em breve. Foi vencedora do Prêmio Sesc de Literatura por duas vezes, além de finalista do Prêmio Machado de Assis, semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura e duas vezes finalista do Jabuti.