Homenagem a Gilberto Velho e lançamento de "Um antropólogo na cidade"

16/05/2013

Cultivado durante décadas por Gilberto Velho, o costume de reunir os amigos no dia de seu aniversário foi preservado mesmo em sua ausência.

Com depoimentos emocionantes de Cristina Zahar, Hermano Vianna, Karina Kuschnir e Dora Rocha, o grande antropólogo foi homenageado na noite de ontem, na Livraria da Travessa (Rio de Janeiro). Idealizador da coleção Antropologia Social, Gilberto foi um inestimável colaborador para a Zahar, assim como para o estudo da antropologia urbana no Brasil e no exterior.

O encontro rendeu lembranças saudosas, como a piada de atender o telefone com um bem-humorado

"Academia de esgrima, bom dia!" e o "cantinho de Narciso" que mantinha em casa, reproduzido na vitrine da livraria. Com fotos de acervo pessoal, certificados e recortes, a memorabilia está exposta na loja do Shopping Leblon. Leia mais sobre a divertida personalidade do autor em matéria do jornal O Globo.

O evento marcou também o lançamento de Um antropólogo na cidade, coletânea com os textos mais importantes de Gilberto, organizada por Hermano Vianna, Karina Kuschnir e Celso Castro. "Através desta coletânea reafirma-se a importância de Gilberto Velho para a antropologia contemporânea e para a antropologia nas cidades no Brasil e em outros países como em Portugal, onde ele construiu elos fortes de amizade e de pesquisa", escreveu Myriam Moraes Lins de Barros para o Prosa.

Leia abaixo o discurso de Dora Rocha para a homenagem:

"Fiquei amiga do Gilberto no Colégio de Aplicação da então Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil quando nos tornamos colegas de turma no 1º ano do curso clássico. Eu tinha 15 anos e ele 16, portanto, como ele diria, isso foi nos idos de 1918. Já nos conhecíamos do próprio colégio, onde ele pertencia a uma turma diferente da minha, e mesmo antes disso, da escola primária que ambos freqüentamos sempre em turmas diferentes, a Escola Dr. Cócio Barcelos, na rua Barão de Ipanema, em Copacabana. Fazíamos o trajeto para a escola a pé, posto que ele morava na Av. N.S. de Copacabana, quase esquina com Bolívar, e eu na Xavier da Silveira, uma quadra adiante. Aquele era um tempo em que as escolas públicas eram muito boas, mas atendiam a poucos. Hoje elas atendem a um número maior de alunos, sem dúvida, mas é preciso garantir que continuem ou voltem a ser, todas, muito boas.

Na escola primária, Gilberto era um menino magrelo de óculos que costumava ser chamado para içar a bandeira enquanto cantávamos o Hino Nacional. No CAp, mantinha a mesma postura: óculos, sério, comportadíssimo, sempre lendo, sem ter a menor idéia de como se jogava vôlei ou futebol. Nosso encontro no clássico se deu num clima em que o estudo era uma festa. Ótimos professores, leituras interessantíssimas, trabalhos de grupo animadíssimos. Colegas e professores nos encantamos com a inteligência brilhante daquele rapaz que olhava em volta, seja para a história, seja para o país, seja para as pessoas que o cercavam, e sempre dizia alguma coisa que acendia uma luz. Além do mais era um bom amigo, atento e solidário, sempre presente. Gostava também de dar ordens, mas isso, na época, se resolvia como se tivéssemos 7 anos de idade, com um 'Não chateia, você não manda em mim!'. Foi tal o grude que se criou naquela época que, passados 50 anos, muitos de nós, salvo as perdas pelo caminho – e a dele foi uma das grandes –, somos amigos até hoje.

Terminado o tempo do colégio, cada um de nós foi fazer a sua faculdade. Em 1966, portanto quando estava no segundo ano do curso Ciências Sociais, Gilberto tornou-se o organizador de uma série de livrinhos chamados 'cadernos de Sociologia da Arte', pertencentes à coleção Textos Básicos de Ciências Sociais, da Zahar, dirigida por Antônio Roberto Bertelli, Moacir Palmeira e seu irmão Otávio Velho. Eu, aluna do Curso de Letras, traduzi alguns dos textos publicados e lembro que passamos tardes revendo as traduções e discutindo com entusiasmo textos de Arnold Hauser, Walter Benjamin, Herbert Read e outros. Era apenas o início de uma longa parceria com a Zahar, editora na qual Gilberto viria a publicar alguns anos depois seus próprios textos, dirigir e inspirar coleções. Revendo agora a prateleira da minha estante com os livros dele, ou dados por ele, recupero histórias curiosas: Gilberto trazendo uma reedição de Utopia urbana, e meu filho Daniel, então com 10 anos, perguntando: 'Por que o Gilberto sempre escreve livro com o mesmo nome?'; Gilberto trazendo a 5ª edição de Desvio e divergência com a dedicatória 'Para Dora, o 5º livro que produzo com o mesmo título'; Gilberto me dando um volume da coleção Perspectivas Antropológicas da Mulher com a dedicatória 'Para Dora, feminista, mas de nível adequado'...

Enfim, foi também no Curso de Ciências Sociais que Gilberto teve a sorte de encontrar Yvonne. Ela mesma descreveu esse encontro, que deixou os dois muito felizes, num lindo texto que publicou em seu blog um ano atrás. Casaram-se numa cerimônia em que fui madrinha – cheguei à igreja um pouquinho atrasada, ele já estava no altar, e lembro bem do olhar furioso com que fui saudada. Já no meu casamento, celebrado por um juiz em minha casa, Gilberto chegou meia hora antes e foi recebido por minha mãe, que disse: 'Meu filho, está todo mundo se vestindo, está uma confusão danada, vai dar uma passeio até a praia e volta daqui a pouco'...

Gilberto viu meus filhos nascerem e se tornou amigo deles. Teve muitos alunos e se tornou amigo deles. Conservou também, conforme outra dedicatória, suas 'amizades paleolíticas'. É o que faz com que até hoje, eu, Yvonne, Christina Autran, Vera Barrouin, Susana Taunay, Patrícia Lins e Silva e tantas e tantos amigos tenhamos conservado ao longo deste último ano, diante de assuntos de interesse comum, o reflexo de dizer: 'Vou ligar para o Gilberto'...

Gilberto gostava de festa de aniversário. As primeiras a que fui foram na casa de seus pais. Depois vieram as festas no apartamento da rua Piratininga, na Nascimento Silva, na Visconde de Pirajá, na casa da Verinha, da Patrícia, os almoços no Antiquarius, Bar Lagoa, Satyricon.

Hoje, em vez de vir soprar velinhas, ele nos deu o bolo. Não faz mal, continuamos amigos".

(Dora Rocha, 15 de maio de 2013)

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