O animal está cansado

14/06/2022

O animal está ficando velho. Não é de se espantar; eu sabia que isso aconteceria em algum momento, mas não me preparei para lidar com esse incidente. De alguma forma, a realidade chegou, sorrateira. E, agora, é necessário lidar com ela, dia após dia.

É inquieto durante a noite, resmunga de dor, incapaz de achar uma posição confortável para dormir. Me acorda cedo demais, os músculos rígidos e relutantes em se mexer, mas incapaz de voltar a dormir. E, se eu o deixar quietinho, ele cai no sono em plena luz do dia. Encontrar comidas que não perturbem seu sistema digestivo virou uma tarefa, já que rejeita cada vez mais alimentos, mas se queixa da dieta monótona que leva. E, apesar de restringir a alimentação, continua ganhando uns quilinhos, e vai engrossando no meio enquanto a criatura perde força, perde flexibilidade.

Quando era jovem, eu usava e abusava. Alimentava-o com o que estivesse por perto, ou nem sequer o alimentava. Dormia só quando eu não precisava mais de seus serviços ao fim de um longo dia. Dia após dia de trabalho constante, o sono noturno sacrificado em prol de mais trabalho — não parecia se importar. Conseguia correr, conseguia escalar, conseguia carregar peso. Nunca foi o mais adorável de sua espécie, mas era resiliente e mais forte que outros. Ainda é, mas o preço é mais alto quando eu demando mais do que deveria esperar dele. Nunca teve reflexos rápidos, e agora é ainda mais lento para reagir.

 O animal se lembra de todas as vezes que o maltratei. Mantive-o por muito tempo no frio, os membros inferiores congelando, e agora qualquer chão gelado já o recorda do que fiz. Acabei com suas articulações para não atrasar meus compromissos. Agora, vai ficando frágil. Coloquei sua visão em risco ao encarar uma tela incessantemente, e agora as cores estão se esvaindo de seus dias.

Enquanto nosso tempo juntos vai caminhando lento para um desfecho, eu queria ter cuidado melhor dele. Melhor alimentação, mais exercícios, mais descanso… mas também me pergunto se teria feito diferença. Digo a mim mesma que ainda tem alguns anos pela frente, mesmo que não possa fazer algumas das coisas que antes fazia com tanta facilidade. Encabulada, reflito e percebo que é o único animal que já tratei dessa maneira. Eu daria estimulantes para um cãozinho querido para que continuasse trabalhando quando precisava dormir? Nunca. Eu daria uma dose de álcool para um gato ficar mais relaxado entre desconhecidos? Claro que não.

Mas eu não tive misericórdia desse animal. E agora me arrependo disso.

E assim chegamos a setenta anos juntos. Eu e o animal em que vivo.

Seja gentil com os animais. Nunca é tarde para começar.

 

Postado em 8 de maio de 2021 em: http://www.robinhobb.com/blog/archives/2021-05

Robin Hobb

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