Leia um trecho do livro "O Negócio do Jair", de Juliana Dal Piva

24/08/2022

A mais completa investigação sobre as origens do patrimônio político e financeiro de Jair Bolsonaro e sua família já está em pré-venda. Resultado de mais de três anos de apuração, “O Negócio do Jair: A história proibida do clã Bolsonaro” desvenda o passado secreto da família que hoje comanda o Brasil. A jornalista Juliana Dal Piva parte do escândalo das rachadinhas exposto pelo caso Queiroz, a partir de dezembro de 2018, para contar uma história que remonta à entrada de Jair Bolsonaro na política na década de 1990.

 

No centro do passado que o clã tenta abafar, está um esquema de corrupção conhecido entre os participantes como o "Negócio do Jair". O arranjo ocorria nos gabinetes funcionais ocupados pela família de Bolsonaro em seus mandatos políticos, seja de vereador, deputado estadual ou federal, e envolvia seus três filhos mais velhos, as duas ex-esposas e a atual, amigos, familiares – muitos deles atuando como funcionários fantasmas –, além de advogados e milicianos.

 

Com base em depoimentos exclusivos, cópias sigilosas dos autos judiciais, mais de cinquenta entrevistas, mil páginas em documentos, vídeos e gravações de áudio, a autora demonstra como, à sombra dos grandes esquemas partidários, o clã acumulou milhões de reais e construiu o projeto político autoritário e regressivo que conduziria o chefe da família ao posto mais alto da República. Abaixo, leia um trecho exclusivo da obra.

 

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Bolsonaro não aceitava ser questionado. Nem achava que devia satisfação sobre o uso que fazia de verbas públicas ou de como administrava seu gabinete na Câmara dos Deputados. A Folha de S.Paulo fez uma série de reportagens mostrando que ele e os três filhos mais velhos construíram um patrimônio, até 2018, de 15 milhões de reais com a política. A reportagem, publicada em 7 de janeiro daquele ano, também revelava que ele havia recebido, mensalmente, por anos, verba para alugar um imóvel em Brasília, apesar de dispor de um apartamento na capital. Ele ainda mantinha entre seus assessores Walderice Santos da Conceição, a “Wal do Açaí”, uma mulher que morava em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e cuidava, junto com o marido Edenílson Nogueira, da casa de praia e dos cachorros do então deputado. Demorou quase quatro anos, mas o MPF propôs, em 2022, uma ação de improbidade administrativa contra Bolsonaro devido à situação da caseira. Esses eram alguns dos elementos que, já em 2018, colocavam em xeque a imagem de político honesto que ele gostava de alardear.

 

Há quatro anos, eu já estava atenta a esses detalhes havia algum tempo — um exame mais acurado da lista completa de assessores do candidato indicava que Wal não era a única em situação, no mínimo, irregular, e que os filhos dele reproduziam o modus operandi do pai. Bolsonaro costumava dizer que eles agiam juntos, que eram uma coisa só, na prática nem havia separação entre os assessores dos gabinetes. Os filhos inclusive empregavam parentes da segunda mulher do pai, a advogada Ana Cristina Siqueira Valle, mãe de Jair Renan, o “04”, conforme é chamado pelo capitão, que se refere aos filhos segundo a tradição militar de enumerar os soldados. Personagem essencial e complexa em toda essa história, a dimensão da importância de Cristina só viria à tona mais tarde. Passei quatro anos pesquisando sobre ela e sinto que ainda não a decifrei por completo.

 

Em 2018, início dessa apuração, transitei por esses episódios e personagens com bastante dificuldade. Na tentativa de decifrar Bolsonaro, passei meses à procura de quem me falasse dele. As raras entrevistas que consegui ocorreram com militares que de algum modo estavam ajudando na campanha do candidato. As demais pessoas que sondei diziam ter medo, e muitas batiam a porta ou o telefone ao ouvir a palavra “jornalista”. Enviei dezenas de mensagens com pedidos de conversa e comecei a pesquisar documentos a respeito do capitão e do restante do clã.

 

Boa parte das tentativas ao longo daquele ano foram frustradas. As coisas só começaram a fazer sentido a partir de dezembro de 2018, após a eclosão do que ficou conhecido como o “caso Queiroz”, a investigação sobre peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. Pouco depois da eleição, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem de Fabio Serapião revelando a existência de um relatório que mostrava uma movimentação bancária atípica de 1,2 milhão de reais na conta de Fabrício Queiroz. Além de receber, mensalmente, repasses de outros assessores de Flávio, o policial tinha feito depósitos de cheques para a primeira-dama Michelle Bolsonaro ao longo de anos.

 

Após a matéria, me dediquei a investigar a trajetória de Queiroz e, à medida que fui avançando, algumas mensagens e contatos que eu havia feito meses antes começaram a ser respondidos. Ao longo desses quase quatro anos realizei mais de cinquenta entrevistas, algumas mais de uma vez, e reuni mais de mil páginas em documentos, além de vídeos e gravações de áudio. Este livro traz tudo o que há de relevante nesse material, além de perfis, bastidores da apuração e os caminhos para acessar as pessoas e obter os dados.

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