Por Abraham Verghese
Meus pais se mudaram para Palo Alto em 2009, quando estavam com seus oitenta anos; o apartamento em que moravam não ficava muito longe, e meu irmão mais novo e eu os visitávamos com frequência. Eu aparecia por lá duas ou três vezes por semana e ligava todos os dias. Uma vez, quando eu estava terminando uma ligação com mamãe, minha companheira, Cari, me deu uma leve cotovelada e cochichou: “diga ‘eu te amo, mãe’”.
Eu não disse. Depois de desligar, expliquei para Cari que evitávamos essas demonstrações explícitas de carinho em nossa cultura indiana. Acho que nunca ouvi meus pais dizerem aquelas palavras. Claro, mamãe me abraçava e me ninava quando eu era criança, mas “eu te amo” não fazia parte do nosso vocabulário. Meus pais expressaram seu amor ao longo dos anos cuidando de nós e de nossas necessidades, oferecendo-nos experiências valiosas e diversificadas e nos servindo de exemplo.
Mamãe era a figura extrovertida, sempre falante, com muitas histórias para contar, um contraponto ao meu pai, uma figura, na maior parte das vezes, silenciosa. Mas ela era também quem impunha a disciplina na casa. Quando a irritávamos, era bom prestar atenção. Acho que uma das minhas orelhas é mais longa do que a outra de tanto ela torcê-la — uma forma tipicamente indiana de castigo que é mais humilhante do que dolorosa. E dava para compreender minha mãe: eu testava seus limites subindo em coisas que eu não devia; ainda hoje tenho uma longa cicatriz na parte interna da coxa direita de quando, imitando o Zorro, deslizei por um cano de metal do lado de fora do nosso prédio de dois andares.
Minha mãe cresceu em Kerala, no sul da Índia. Dentro da cultura indiana, que já costuma ser conservadora, a comunidade dos Cristãos de São Tomé era ainda mais reservada e castiça, as mulheres vestindo blusa folgada e mundu, esse último com uma cauda em leque plissada à mão que ocultava o bumbum ou qualquer sinal dele. Além disso, teve uma vida repleta de desafios. Minha mãe completou um mestrado em física, feito raro para uma mulher na década de 1940. Mudou-se primeiro para o Sri Lanka, onde deu aulas por alguns anos, e depois viajou 4 mil quilômetros e um continente inteiro rumo à Etiópia, onde lecionou física quando mal tinha 28 anos de idade. Aos cinquenta e poucos, migrou para os Estados Unidos, onde foi professora numa escola em Nova Jersey. Esses desafios a tornaram confiante, forte e resiliente, mas as marcas de sua criação a impediram de demonstrar vulnerabilidade ou de compartilhar confidências com seus filhos, o que é mais comum nos Estados Unidos.
Quando se mudou para Palo Alto, ela já havia se tornado uma senhorinha doce, uma avó amorosa. Quando Cari e eu a visitávamos, ela nos cumprimentava como se não nos visse há muitos anos, em vez de dois dias. Ocupávamos seu sofá, assistindo Jeopardy!, e, nessas horas, mamãe segurava discretamente nossas mãos. Sua mão envolta pela minha parecia minúscula, como um passarinho ossudo e frágil ou um amontoado de gravetinhos. Sempre ficava triste quando íamos embora. Nunca duvidei de que ela me amasse; ela não sentia a menor necessidade de dizê-lo.
Em outro telefonema com minha mãe, Cari me deu outra leve cotovelada e cochichou: “diga eu te amo!”. Dessa vez, eu disse. “Eu amo você, mãe.” Seguiu-se uma pausa constrangedora, depois uma risadinha. E então minha mãe disse: “obrigado, malakay.” (Malakay é um termo carinhoso para criança em malaiala, o idioma de Kerala). Dava para ver que ela ficou contente. A partir de então, passei a dizer que a amava ao fim de toda ligação e, em troca, sempre ganhava uma risadinha e um “obrigado, malakay.” Até que um dia ela me surpreendeu, pois sua resposta, tão baixinha que julguei não ter entendido direito, foi: “eu também, malakay”. Quase lá! Fiquei emocionado.
Nessa época, eu tinha começado a escrever O pacto da água, que se passava em Kerala. Mamãe se mostrava muito contente em ajudar, contando histórias e respondendo perguntas. Às vezes, ela me telefonava e repetia uma anedota, esquecendo que havia contado exatamente aquilo no dia anterior! Mas minha mãe agora adotara um novo ritual quando encerrávamos uma ligação. Ela dizia: “você não disse as palavras mágicas!” Quando eu as repetia, minha mãe respondia, numa voz açucarada: “eu também, malakay!”.
Espantava-me como nossa relação havia virado de ponta-cabeça; de seus três filhos, eu havia sido o mais rebelde, que lhe causara muita ansiedade. Mas agora era eu quem se preocupava com ela, e por boas razões: aos noventa anos, ela estava bastante frágil. Toda despedida era difícil. Várias vezes ficava arrasado depois de visitá-la. Ela estava bem, mas eu sabia que um dia aquilo iria mudar. E assim foi.
Minha mãe morreu em 2016. Meu pai agora vive com meu irmão mais velho e sua esposa em Boston. Eu sempre passo pelo apartamento na Alma Street, onde eles moravam, e olho para a janela no terceiro andar onde mamãe costumava se sentar, observando o mundo. E digo aquelas palavras mágicas que a encantavam: eu amo você, mamãe. E posso ouvi-la em resposta: eu também, malakay.
Conheça o livro:
Texto originalmente publicado em Oprah Daily.
Tradução de Odorico Leal.