Em noite emocionante, Lilia Moritz Schwarcz se torna imortal da ABL; leia o discurso da posse na íntegra

24/06/2024

No último dia 14 de junho, sexta-feira, a antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz se tornou a mais nova integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL). Pesquisadora essencial das ciências sociais no Brasil, ela ocupa agora a cadeira de número nove, que antes pertencia a Alberto da Costa e Silva – diplomata, escritor, historiador e grande e saudoso amigo de Lilia.

Professora sênior do departamento de antropologia da Universidade Estadual de São Paulo (USP), Lilia M. Schwarcz é apenas a 11ª mulher a ser eleita para a ABL, e a quinta integrante feminina da atual gestão. Além dela, também são imortais do quadro vigente as escritoras Ana Maria Machado (cadeira nº 1), Rosiska Darcy de Oliveira (cadeira nº 10) e Heloisa Teixeira (cadeira nº 30), além da atriz e dramaturga Fernanda Montenegro (cadeira nº 17).

A primeira eleição de uma escritora mulher na Academia Brasileira de Letras, instituição cultural fundada em 1897, levou 80 anos para ser realizada. Foi Rachel de Queiroz, escolhida em 1977 para a cadeira nº 5, quem abriu as portas às mulheres na ABL, e o recente ingresso de Lilia Schwarcz é continuação deste legado.

Em seu discurso de posse, repleto de referências artísticas e sociais, a mais nova imortal da ABL levantou pautas de diversidade – de gênero e raça – dentro da Academia. Também prestou homenagens à Alberto da Costa e Silva – antigo ocupante da cadeira nº 9, a quem chamou de “pai ancestral” – e à Lima Barreto, personagem singular da literatura brasileira, de quem é biógrafa.

Lilia Schwarcz é autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças, As barbas do imperador, Brasil: uma biografia (com Heloisa Murgel Starling), Lima Barreto: Triste visionário e Sobre o autoritarismo brasileiro. Em agosto, seu novo livro chega às livrarias: Imagens da branquitude está em pré-venda e traz uma análise do fenômeno social e cultural da branquitude a partir de suas manifestações simbólicas e iconográficas.

Nova imortal da Academia Brasileira de Letras, Lilia M. Schwarcz veste o fardão da ABL (foto: Michael Felix, via coluna do Anselmo Gois/O Globo)

A seguir, você confere o discurso de Lilia M. Schwarcz na íntegra:

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Boa noite. Gostaria de começar agradecendo. 

Agradeço ao excelentíssimo senhor Merval Pereira, presidente desta Casa, e aos acadêmicos e acadêmicas, seus cônjuges, companheiros e companheiras, funcionárias e funcionários da ABL, que me receberam com tanto afeto. 

Agradeço às autoridades que me honram com sua presença: a ministra Cármen Lúcia; o ministro Silvio Almeida; o ministro Alexandre Padilha; Aloizio Mercadante; o senador Randolfe Rodrigues; o secretário do Ministério da Cultura, Márcio Tavares, a secretária da Cultura do Pará, Ursula Vidal (minha mana). 

Ao agradecer à professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, amiga e vice-reitora da minha universidade, a USP; a Emmanuel Tourinho, reitor da Universidade Federal do Pará, e a Elide Rugai Bastos, lembro meus colegas aqui presentes. Saúdo minha eterna orientadora, Manuela Carneiro da Cunha, amiga e modelo de intelectual que nunca separou produção acadêmica de qualidade do ativismo cidadão. Fui formada na escola e na universidade públicas, e sei como essas são as políticas mais eficazes no sentido de mitigar a desigualdade renitente deste país — um dos grandes óbices da nossa democracia.

Lembro também o professor Arcadio Díaz-Quiñones, meu mestre irreverente, e Pedro Meira Monteiro, e a partir deles evoco meus colegas da Universidade de Princeton. 

Não sou nada sem a minha família, e me permitam mencionar o Luiz —companheiro de vida inteira e completa, de quem sinto tanto orgulho —; as minhas duas mães, Elena e Mirta, matriarcas no sentido mais justo da palavra; meus filhos, Júlia e Pedro, inspiração e combustível diários; meus irmãos Noni e Beto, meus portos seguros e minhas referências; minhas netas, Alice e Zizi, que sempre me dão tantas lições; toda a minha querida família e os aqui presentes Luiz Henrique, Ju, Sé, Ginho, Ciu, Rafa, Julia, Luiza, Mauro, Laís. Agradeço também a meus amigos e amigas que são meus irmãos e a meus alunos e ex-alunos, todos amigos fundamentais. O que seria de mim sem vocês?

Obrigada, querida família da Companhia das Letras. Obrigada, Ricardo Ohtake e Sonia Gomes, que representam tão bem todos os meus colegas do mundo das artes. Olá, pessoas queridas que me deram a alegria de me acompanhar nesse momento tão especial de minha vida. Se pudesse, nomearia uma a uma, mas o tempo e a conta interminável do meu afeto não permitem. 

Foi tomada pela emoção mais profunda e comovedora que ouvi as palavras tão generosas da amiga e acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira, minha madrinha. Feminista de coração e alma, ela inspira muitas gerações de mulheres a seguir em frente e a favor da real democracia neste país, que pede pela equidade de gênero. 

É com muito orgulho e não menos timidez que ocupo esta tribuna. Desde que tive conhecimento da minha eleição para esta ilustre Casa, ando invadida por pensamentos, memórias fortes e fantasmas teimosos daqueles e daquelas que me antecederam nesta vida e nesta instituição. Lembro-me de meus dois avôs Vitório e Armand, judeus e integrados nas sociedades italiana e francesa, que fugiram de uma Europa em guerra para encontrar um novo destino no Brasil — eles mesmos historiadores amadores de quem herdei os livros —; da minha avó Margot, que cuidava dos vivos e dos mortos; da tia Hella, a pessoa mais bem informada e gentil que já conheci; do vovô André, com sua bondade infinda; de meu pai, Ernest, cheio de histórias para contar, mas cuja vida foi tão breve. Fico imaginando o que ele teria nos ensinado se fosse premiado com mais tempo. 

Evoco, neste momento, meu segundo pai — afetivo e intelectual —, o acadêmico Alberto da Costa e Silva. Lembrando-me dele, recordo sua esposa, Vera, e seus filhos, Antonio Francisco, Pedro Miguel e a irmã que ganhei crescida, Elza Maria. Foi Alberto da Costa e Silva quem me levou pela mão para muitos lugares e, de certa maneira, para esta Cadeira — ele que era, para mim, uma espécie de pai ancestral.

Alberto (como gostava de ser chamado, ameaçando me intitular de “majestade” caso insistisse no tratamento mais cerimonioso) talvez não apreciasse esse tipo de definição, e me acusaria de estar dando “tratos à imaginação”. Confesso que sempre lhe dei “trabalho” com esta minha imaginação fértil, a ponto de ele dizer, em determinada reunião, que de mim só acolheria “duas ideias novas a cada meia hora”; depois aceitou três. Isso aconteceu quando compusemos a Comissão D. JoãoVI (eu a convite de Alberto); uma equipe de trabalho formada por duas pessoas — para não haver muita discussão, me dizia ele, usando de seus dotes invejáveis para a diplomacia. Não ouso, pois, divergir dele. Nada foi previsto nessa minha segunda paternidade. Mas foram quase trinta anos preenchidos com uma intensa troca de cartas, reuniões, almoços, projetos, viagens e telefonemas semanais. Tudo que alimenta uma amizade, regada para durar. 

Empresto um trecho de seu discurso de posse, quando explicou: “só quis cumprir esse vaticínio, ser o que meu pai sonhou”. Pretendo, assim, cumprir com esta que é também uma obrigação ritual: honrar meus antecessores. Escreveu o antropólogo Clifford Geertz que rituais não são feitos para evitar chorar, servem mesmo é para aprender a chorar em conjunto. E não é fácil, vamos combinar, entrar nesta Casa de Machado, e evocando a memória de Alberto da Costa e Silva.

Sei que adentro esta instituição como historiadora, antropóloga, escritora e discípula daqueles que aqui estavam (como o saudoso José Murilo de Carvalho, mestre na análise das instituições do Estado e da República) e do querido Alberto — presença fundamental na minha vida, na minha formação e na história desta ABL.

História não é ciência do passado, pois o presente dos historiadores toma parte da construção do seu objeto. É da memória, e do direito à subjetividade que ela traz consigo, que se faz a montagem desta que é uma história humana, não uma contagem sem alma do tempo. É a memória que decanta o tempo de sua tentativa — impossível — de prender o passado no passado. Pois é o presente que convoca o passado. É, portanto, dessa história/memória — saudade — que trato aqui. Desse tempo que não volta, mas também não quer ir embora. Pois somos pessoas de histórias e da matéria viva da memória, que seleciona, enfatiza, mas também esquece.

Passo assim a desfiar memórias e histórias, pois o “acaso fez uma surpresa” quando fui pesquisar a Cadeira 9. Ela é feita de embaixadores, literatos, poetas e médicos, sonhadores: o patrono, que sonhou o Romantismo; o fundador, que sonhou um mundo sem fronteiras; seu sucessor, que sonhou com samba e malandragem; outro, que sonhou com a saúde do Brasil, e Alberto, que sonhou com as tantas Áfricas que fazem este país. Na sua famosa expressão: com esse “rio chamado Atlântico”.

O patrono da Cadeira 9, Domingos José Gonçalves Magalhães, foi um diplomata/ poeta que atuou durante o Império brasileiro sucessivamente como ministro na Áustria, nos Estados Unidos, na Argentina, na Rússia, na Espanha e na Santa Sé. Conheci a obra dele quando estudava o Romantismo na corte de Pedro II, contexto em que o jovem monarca passa a formar sua corte: elege historiadores para cuidar da memória, pintores para enaltecer a pátria e literatos para criar símbolos da nacionalidade. É, aliás, em 1836 que um grupo de brasileiros residentes em Paris publica os dois únicos números da revista Niterói. O nome, retirado da obra do viajante Thevet, pretendia indicar aos brasileiros a fonte de inspiração da nova literatura: a cultura indígena. Sabia-se muito pouco sobre os nativos (e fazia-se também muito pouco no sentido de protegê-los), mas eles ferviam nos romances épicos. 

Era, pois, uma história de verniz que não dialogava com a realidade silenciada dessas populações. O fato, porém, é que devemos a Magalhães a iniciativa de ter introduzido aqui o Romantismo com o “Ensaio sobre a história da literatura do Brasil”, publicado na Niterói, e com o livro Suspiros poéticos e saudades, em que declama: “Quem ao menos uma vez […] verteu lágrimas amargas pela injustiça, e misérias dos homens”. O patrono inspiraria, por sua vez, outros integrantes desta Cadeira, ocupada por pessoas que viajam. Mesmo sem se locomover, deslocam-se no sentido de pensar o Brasil no concerto das nações.

Carlos Magalhães de Azeredo, o fundador da Cadeira, foi um dos intelectuais chamados para integrar a ABL em 1897. Formou-se em direito, mas seguiu a carreira diplomática, servindo em Cuba, na América Central, na Grécia e como ministro da Santa Sé. Machado de Assis e Magalhães de Azeredo tinham em comum a literatura e... a epilepsia. Nas cartas depositadas no Arquivo da ABL encontra-se uma troca de confidências a respeito do estado de saúde de ambos: “E já não me resta dúvida alguma sobre a natureza do meu mal. Um dos sintomas é precisamente essa inaptidão para o trabalho, e contra o qual, em momentos de crise, é nulo todo o esforço de vontade”, desabafa Azeredo. Silêncio, sofrimento e preconceito cercavam essa doença “lenta” — na definição de Machado, tão bem estudado por Silviano Santiago.

Marques Rebelo é o pseudônimo de Eddy Dias da Cruz, conhecido contista e romancista que sucedeu a Carlos Magalhães. Rebelo nunca escondeu suas preferências literárias, que se concentravam em três escritores: Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Cito duas obras dele, Marafá e A estrela sobe, que trazem os mundos do samba, do rádio, do boxe, o universo dos funcionários públicos e da malandragem. Bom de humor, quando questionado sobre o motivo de adotar o pseudônimo de Marques Rebelo, explicou: “Nome de família muitas vezes atrapalha”.

Também Carlos Chagas Filho afirmou candidatar-se à Academia porque as circunstâncias fizeram com que seu pai não pudesse nela ingressar. Do pai legou o nome e a defesa da ciência e da saúde, neste país cujas marcas da desigualdade se inscrevem também nessa área, como comprovam Drauzio Varella e Margareth Dalcolmo. Diferentemente de seu pai, Chagas Filho se dedicou aos laboratórios, ganhando renome internacional com pesquisas sobre a eletrogênese no órgão elétrico do poraquê e os mecanismos de fixação do curare — esse veneno vegetal cuja patente intelectual pertence, aliás, aos grupos indígenas. Foi presidente da Pontifícia Academia de Ciências, tendo participado de iniciativas que honram esse grupo de visionários, como a “Declaração sobre a prevenção contra a guerra nuclear”. A exemplo de seu pai, é símbolo de como é feliz o país que conta com cientistas e diz não ao negacionismo populista.

Mas é chegada a hora de narrar a vida e a obra de outro poeta em tempo integral, que fazia também crônica, diplomacia e história: Alberto Vasconcellos da Costa e Silva, que viveu esta Cadeira como missão, dando a ela novos sentidos. Já alerto, porém, que minha tarefa é fadada à incompletude, dado o tamanho da contribuição desse meu querido antecessor. No meu caso, trata-se de dívida e de dádiva. 

Encontrei Alberto pela primeira vez em março de 1996, num almoço que o então presidente, o acadêmico Fernando Henrique Cardoso, ofereceu em Brasília como homenagem ao escritor José Saramago, que ganhara o prêmio Camões. Jovem e um tanto tímida, fiquei um pouco contrariada quando notei que não me sentaria ao lado de Luiz, tampouco de José ou de Pilar del Rio — outra irmã de vida. Me dirigi, então, ao lugar indicado, não sem deixar de ler o nome da pessoa com quem compartilharia a refeição. Era nada mais nada menos que Alberto da Costa e Silva, o qual, cuidando do cerimonial, premeditara o encontro. 

Demos início, então, a uma amizade consolidada com a ação do tempo; primeiro mantida por uma animada troca epistolar — ele em Brasília ou no mundo, eu em São Paulo com meus filhos ainda menores. Na primeira carta que me mandou, com papel timbrado, ele já brincava comigo. “Entre 1986 e 90 eu vivi de novo em Portugal, como Embaixador. E não se passava uma só semana sem que eu tivesse em minha sala um brasileiro que tinha vindo visitar a terrinha de seus antepassados. Todos eles chegavam em busca de um morgadio, de um solar, ou de um visconde. E eu, que adoro uma provocação, não deixava de perguntar-lhes se não iam procurar também as pegadas dos ancestrais que tinham ido para o Brasil de tamancos, na parte de trás do convés dos navios.” E finalizava: “Eu também tenho o meu nobre, que foi a serviço de El Rei para o Maranhão, no primeiro ano do século XVIII. Mas todos os meus outros maiores portugueses eram cristãos-novos ou pobrezinhos, que se refugiaram, no Brasil, do clero, da polícia ou da fome”.

Essa vontade de não aceitar o que Lima Barreto definiu como “bovarismos” — a mania de querer ser o que não somos — ficou latente a partir dos vários projetos que desenvolvemos (como a Revista de História da Biblioteca Nacional, em que tomavam parte o mestre Evaldo Cabral de Mello e outros) e dos inúmeros conselhos que dele recebi. Passaria a noite se tentasse socializá-los por aqui. Como não tenho esse tempo, começo com um deles, o qual, de certa maneira, define traço indelével de meu antecessor.

“Não queira ter razão, minha filha!”, disse-me ele, de supetão, me segurando pelo braço e impedindo que, por um minuto, eu adentrasse a sala onde seria realizada uma reunião cujo resultado não nos parecia (e não nos foi) favorável. Pois bem: mais que um conselho isolado, essa era uma atitude existencial de Alberto, que nunca pretendia “ter razão”, a despeito de saber que, muitas vezes, tinha muita razão.

A postura marcava uma abertura para o outro; esse seu desapego com a vaidade fácil ou a intenção de emitir uma opinião fechada. Era a máxima de Machado: “Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa; antes um argueiro; antes uma trave no olho”. Essa escuta profunda sinalizava uma genuína vontade de entender o argumento alheio como se também fosse seu. Não que Alberto concordasse sempre. Mas discordava como quem concorda; e não tinha medo de, quando necessário, mudar de ideia.

Alberto nasceu no dia 12 de maio de 1931, em São Paulo, “por mero acaso” (conforme gostava de ironizar). Era filho de Creusa Fontenelle, mulher forte como todas na família, e de Antônio Francisco da Costa e Silva, presença marcante e paradoxal na vida do filho. Nascido em Amarante, no Piauí, Da Costa e Silva era poeta e foi autor da letra do Hino do Piauí. A despeito de pertencer à Academia Piauiense de Letras, ele não conseguiu seguir carreira diplomática. Contava Alberto que a falta de sucesso do pai fora motivada por uma interdição. Nos tempos do Barão de Rio Branco não havia concurso público para ingresso na carreira. Era o próprio José Maria da Silva Paranhos Jr. quem conversava com os candidatos. No caso do pai de Alberto, fechou questão: “olha, o senhor é um homem inteligente, admiro-o como poeta, contudo não vou nomeá-lo porque o senhor é muito feio e não quero gente feia no Itamaraty”.

Candidatura vetada, Da Costa e Silva atuou junto à Presidência da República durante os anos de Getúlio Vargas, e a família passou a viver no Rio. O filho contava que o pai poeta era capaz de “pôr em palavras uma lagartixa ou um caramujo”. No entanto, vítima de uma “enfermidade sem nome”, que lhe tomou quinze longos anos, ele viraria uma “casca vazia”. O poeta parou de falar, desligou-se de tudo, permanecendo ausente do mundo dos outros. Já o menino guardou a memória desse pai com um livro nas mãos, sendo o silêncio sua melhor versão.

Talvez por conta da história paterna, o filho pareceu ter pressa. Logo em 1957, publicou uma antologia de lendas indígenas e reuniu em livro os poemas do pai. Além do mais, para lidar com essa “presença ausente”, virou cronista dos outros e de si, na melhor tradição do memorialismo — gênero tão bem estudado por André Botelho. Espelho do príncipe e Invenção de desenho são exemplos do estilo de Alberto: sintético e poético, direto e perfeccionista. Ele não admitia uma palavra, vírgula ou crase no lugar errado. Também ficamos conhecendo melhor sua formação: as primeiras leituras de Manuel Querino, Nina Rodrigues e Gilberto Freyre, seu amor súbito por Deus — paixão que, passadas duas semanas, seria substituída por Camus, Sartre, Marx do 18 de brumário, logo Nietzsche e Freud. Somos introduzidos ainda a seus amigos — Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Lygia Fagundes Telles — e à tristeza de ver o pai “morrer serenamente, como serenamente passara os longos anos de exílio de si mesmo”. 

Talvez por conta dessa perspectiva fatalista, o jovem não mostrou surpresa ao saber que seu rito de passagem para a vida adulta se daria nos sanatórios de Campos do Jordão. Julgou que morreria cedo, de tuberculose, como seus mestres românticos. Entretanto, como nada disso ocorreu, Alberto fez do retiro involuntário um novo começo. Aliás, foi por lá que conheceu sua musa, que também se curava do mesmo mal. Vera Queiroz tinha voz de soprano lírico, mesmo que a doença a tivesse afastado do canto. Seriam para ela os versos do livro de poemas intitulado Ao lado de Vera: “Estavas sempre aqui, nesta paisagem. E nela permaneces, neste assombro”.

Com os pulmões em ordem, Alberto voltou ao Rio e se preparou para começar a “vingar o pai”. Formou-se no Instituto Rio Branco em 1957 e atuou como diplomata em Lisboa, Caracas, Washington, Madri, Roma, Assunção. Esteve na Nigéria, pela primeira vez, em 1960, por ocasião da independência. No ano seguinte foi para Etiópia. Viajou depois para Gana, Togo, Camarões, Angola, Costa do Marfim e o território então conhecido como Daomé. Visitou Senegal, Serra Leoa, Zaire, Gabão, Quênia. Refez itinerários para desembarcar na Libéria e no Sudão. E foi, entre 1979 e 1983, embaixador na Nigéria e na República do Benim. Viu as duas margens atlânticas, na expressão do historiador Flávio Gomes. 

Estes últimos países foram fundamentais para que Alberto conhecesse as origens de parte tão significativa da população brasileira, até então muito apagada pela historiografia nacional. A experiência como embaixador na África deu-lhe conhecimento e repertório para também denunciar o racismo como uma das heranças perversas da escravidão e adotar postura francamente anticolonial. Em O vício da África e outros vícios, Alberto se comove quando visita o Museu de Lagos. Ele limpa “os olhos de toda uma ideologia de civilização” e escreve “com remorso dessa História com maiúscula, invenção de um método que, em nome de um passado, negou outros”. 

O diplomata se faria historiador, publicando uma série de obras, hoje clássicas, presenças incontornáveis nos estudos sobre as tantas Áfricas que desembarcaram compulsoriamente no país a partir do tráfico, cuja perversão tão bem define a violência da escravidão mercantil. Foram 12,5 milhões de pessoas, das quais cerca de 10 milhões chegaram até as Américas, 4,9 milhões tendo como destino o Brasil. A enxada e a lança, As relações entre o Brasil e a África Negra e A manilha e o libambo, entre tantos outros, são livros que mostram como não existe Brasil sem as várias Áfricas e os africanos. Nesses trabalhos, Alberto apresenta o retrato multifacetado desse continente com suas filosofias, suas organizações familiares e políticas, seus costumes religiosos, a culinária, as produções artísticas, as técnicas e linguagens. Ao mesmo tempo, escancara a crueldade da escravidão, que virou linguagem naturalizada no cotidiano brasileiro, socializando estruturas de mando enfrentadas com muita resistência. 

Outro processo que sempre revoltou Alberto foi o sequestro da memória e o apagamento histórico desses povos. Hoje sabemos como foi diversa essa imigração forçada, com as populações vindo não apenas da África Central (com sua concentração em Angola e nos dois Congos, maiores portos dos negreiros), mas também da África Oriental, além das diversas dimensões da África Ocidental, incluindo-se as terras da Alta Guiné e o golfo da Guiné (Gana, Togo, República do Benim e Nigéria). 

Alberto dizia que “toda história tem seu lado de sombra e de sol”, e o mestre nunca descuidou das duas faces. Em suas obras salta aos olhos essa inestimável riqueza humana e cultural, sem que ela apague os horrores do sistema escravocrata que roubou almas, dividiu famílias, arruinou nações. O historiador, aliás, nunca deixou de denunciar esse que é um “passado presente”, que se revela no racismo insidioso — estrutural, como define Silvio Almeida. Cito Alberto: “Penso que [a palavra escravidão] traz em si, ainda não cicatrizados, os lanhos da iniquidade, da violência, da humilhação e do sadismo. [...] Tão ampla foi sua vigência no espaço e no tempo, que hoje todos, na Europa, na Ásia, na África e nas Américas [...], somos descendentes de escravizados e de senhores e mercadores de escravos”.

Ao mesmo tempo, incluiu nas suas análises as agências africanas, gabando-se de saber tocar instrumentos como sanzas, olifantes e pangos, de conhecer poemas africanos, canções de ninar, brinquedos infantis e bichos papões. Quem não ouviu Alberto recitar de cor os vegetais que vieram nos tumbeiros (o dendê, a malagueta, o quiabo, o jiló, os inhames, várias espécies de banana e de abóbora, os feijões, a melancia)? Segundo ele, devemos aos antepassados africanos o cultivo de arroz, a criação do gado, as formas de mineração, o uso do barro, da madeira, do ouro e do ferro, as festas e danças populares e as maneiras como nos cumprimentamos nas ruas.

Aliás, as Áfricas, como gostava de declinar com sua voz anasalada característica, estão presentes nas palavras com que nos expressamos, principalmente o quimbundo, o quicongo, o umbundo, e o iorubá. E lá ia ele listando os verbos “cochichar”, “cochilar”, “fungar” e “xingar”, os substantivos “bagunça”, “cachaça”, “caçula”, “cafuné”, “camundongo”, “carimbo”, “lenga-lenga”, “quitanda”, “sunga”, “tanga”, e os adjetivos “capenga”, “dengoso”, “encabulado” e “zonzo”. Gostava de destacar ainda como ninguém fora escravo no passado: eram cassanges, mofumbes, quilimane, rebolos, monjolos, cabindas, haussás, fulanis, hulas, huedas, quilimanes, mombaça, egbas. Por essa e por outras concluía: “O Brasil é um país extraordinariamente africanizado. [...] Por sua vez, em toda a costa atlântica se podem facilmente reconhecer os brasileirismos. [...] O africano ficou dentro de nós. [...] Com ou sem remorsos, a escravidão é o processo mais longo e importante de nossa história”. 

Alberto também ensinaria África para as crianças, e em dois livros — Um passeio pela África e A África explicada aos meus filhos. Escreve ele com paixão de menino: “A África é um continente enorme. Nela há de tudo: altas montanhas, grandes desertos, florestas que parecem sem fim”. Há também “elefantes que queriam ganhar a civilização quando todos desejavam esquecê-la”, e a girafa, tão comprida de pescoço, que um sultão poderia com ela conversar da mais alta janela do palácio. A palavra perfeita e justa era um desafio para Alberto também como poeta. Entre outros, seu Poemas reunidos fez jus a um de seus vários Jabutis e ao prêmio Camões que recebeu por sua obra.

Não há como sintetizar essa vida virtuosa ou resumir o ativismo discreto, vigoroso e charmoso de Alberto da Costa e Silva. Seu legado é a boa diplomacia feita do diálogo e da luta intransigente ao lado de populações que ficaram séculos sem acesso a direitos básicos, como educação, saúde, segurança e memória. Disse Ortega y Gasset que “a alma de um autor só é inteligível quando se confrontam suas palavras e obras”. E esse é Alberto, o intelectual e o morador de um tradicional edifício em Laranjeiras, que num de seus últimos aniversários ganhou festa surpresa dos vizinhos: em horário previamente combinado, chegaram-se todos nas janelas e entoaram um sonoro “Parabéns a você”.

A voz de Alberto lendo seus poemas ecoa em minha alma, quando procuro declamar publicamente seus versos, com a certeza de que, por mais que tente, não consigo imprimir a cadência e entonação que ele lhes dava: “A noite e cada sol/ vão rompendo de mim a todo o instante,/ tarde e manhã que são tecido tempo,/ chuva e colheita”. Quantas vezes ele me leu um poema, abriu um documento africano, me segredou um parágrafo das suas memórias, sempre sentado à frente de seu computador — exclusivo para os textos, e separado dos e-mails, aos quais, enquanto pôde, respondeu todos.

“Somos agnósticos, minha filha”, decretou Alberto no momento em que me contava, durante um almoço em sua casa, sobre uma doença crônica que adquirira e que o levaria, no limite, à morte. Disse mais: que eu não deveria lamentar, pois ele não tinha medo de morrer. Todo agnóstico tem algo de bruxo, e de utópico. Tanto que, mesmo em meio a muitas dificuldades que seu corpo ia lhe impondo (a dificuldade de falar — justo ele, que era grande orador — e de escrever), Alberto deixou documentos inéditos: um livro de memórias e uma coletânea de fontes africanas.

Lima Barreto definiu seu personagem Gonzaga de Sá como alguém que “não sabia morrer”. Talvez não saibamos mesmo morrer — tampouco Alberto —, e por isso rituais como estes lembram a morte consagrando a vida. Por sinal, penso que entro nesta Casa com o respeito e a humildade que devo a ele. Mas lembro mais um mentor: Lima Barreto, o escritor negro do subúrbio de Todos os Santos, que tentou três vezes adentrar na ABL, e depois desistiu. É paradoxal pensar que dois de seus biógrafos, o jornalista e escritor Francisco de Assis Barbosa (autor de biografia fenomenal sobre o autor de Policarpo Quaresma e responsável pela retomada da obra de Lima) e eu mesma, aqui estamos. Penso que não seja coincidência, tampouco, sermos brancos!

De alguma maneira, eu também devo ao “velho Lima” — como ele gostava de se autodenominar no final de sua curta existência — este meu assento na ABL. A biografia que escrevi sobre ele — e que intitulei Lima Barreto: triste visionário — em certa medida sedimenta uma trajetória de estudos voltada a entender não só o fenômeno do racismo — a maior contradição nacional — como o papel da sociedade branca nesse perverso processo histórico. A maneira como a população negra, majoritária no país, é constantemente transformada em uma “maioria minorizada” na representação.

Representação significa presença, atenção, direitos e, lembro aqui, neste momento festivo, que infelizmente ainda vivemos num país onde o racismo se inscreve nos lugares mais suspeitos e insuspeitos: no monopólio dos espaços de poder, nas posições elevadas em instituições privadas e públicas, nos bairros com melhor infraestrutura, nos hospitais mais equipados, nos privilégios materiais e simbólicos. 

A escravidão é o maior anátema da sociedade brasileira. Até porque fomos o último país a abolir este sistema — e o fizemos com uma lei muito curta e conservadora, que não incluiu populações secularmente alijadas da cidadania. Hoje sabemos da existência de projetos mais amplos que previam reparações na área da educação e do trabalho, sobretudo. Por aqui, porém, apenas as populações brancas receberam recompensas efetivas por meio das várias leis abolicionistas, como demonstra Maria Helena Machado, além de se adotarem teorias pseudocientíficas para justificar a desigualdade, como aquelas do evolucionismo social e da eugenia, que procuravam passar para a biologia o que era da ação dos homens.

O fato é que, nestes mais de cem anos de República, não conseguimos modificar as enraizadas desigualdades raciais, econômicas e sociais, que acabam por se interseccionar. Segundo dados deste ano da Agência Brasil, os marcadores sociais de raça, cor e etnia são considerados os principais elementos que explicam as desigualdades para 44% dos brasileiros. As fontes sobre a criminalização de pessoas negras também indicam o tratamento radicalmente diverso dispensado pelos agentes à população negra. Outro elemento se destaca na pesquisa: ao mesmo tempo que brasileiros afirmam conviver com o racismo, apenas 11% deles reconhecem cometer atitudes racistas e 10% afirmam trabalhar em instituições racistas. Como explica o professor Kabengele Munanga, no Brasil o “racismo é crime perfeito”. Todos conhecem, mas ninguém pratica.

As nações, como as pessoas, carregam seus traumas. E é por isso que acredito nas ações afirmativas como forma de mitigar diferenças, de enfrentar de maneira mais direta as nossas iniquidades e de assim realizar alterações na estrutura social brasileira. Adentro esta Casa, pois, seguindo o traço dos mais velhos, com a certeza de que trabalho intelectual é sempre coletivo. Julgo que é preciso pensar os nossos Brasis de modo largo, no tempo e no espaço. Esse é meu campo de estudo e de intervenção política, o que significa articular reflexão acadêmica, histórica, antropológica, artística, sem renunciar à militância cidadã. Afinal, talvez não haja conhecimento relevante que não seja, simultaneamente, cultural e politicamente engajado, como mostra uma larga tradição de intelectuais brasileiros. Esse é um conhecimento necessariamente situado, diante de um Brasil que nos irmana num sonho bom. A luta pela diversidade é um caminho efetivo da democracia — e essa é uma batalha por justiça, por direitos humanos, por inclusão. 

Permitam-me lembrar, ainda, de mais outra singularidade. Sou a quinta mulher da atual gestão; a 11a na história desta instituição longeva e estimada, fundada nos idos de 1897, mas que só aprovou a entrada feminina a partir de 1976. Mulheres, de certa maneira, são também “maiorias minorizadas” nos lugares de protagonismo, direção e postos políticos. Importante mencionar que, no Brasil, uma mulher ganha, em média, 78% dos rendimentos de um homem, segundo dados deste ano do IBGE. No caso de mulheres pretas ou pardas, o percentual cai para menos da metade dos salários dos homens brancos. Ocupamos um lugar nada honroso no ranking mundial de participação de mulheres no Parlamento. Dados deste ano apontam que o país está no 131o lugar em termos de representação de mulheres no Parlamento, tomando-se o universo de 181 países. Considerando o continente americano (e incluindo o Caribe), somente o Haiti está em posição pior — e conhecemos as precárias condições impostas a esse país desde sua independência, em 1804. Não quero transformar esta festa num punhado de estatísticas e paro por aqui. Não sem antes dizer que democracia é feita de escolhas, e, como descreveu Lima Barreto: “Nós, os brasileiros, somos como Robinsons: estamos sempre à espera do navio que nos venha buscar da ilha a que um naufrágio nos atirou”. 

A agenda da diversidade, aquela em que me formei, na história e na antropologia, diz respeito à variedade e à convivência de ideias, com vistas à alteridade — este que é um conceito criado por Jean-Jacques Rousseau e retomado por Claude Lévi-Strauss para definir a própria antropologia como uma ciência da diferença: da busca de um outro que leve à nossa própria transformação. Ainda vivemos, porém, em um país que é o quinto maior na triste marca dos feminicídios e o campeão em transfeminicídios, que criminaliza as mulheres penalizando mais o aborto do que o estupro, que desrespeita reservas e direitos indígenas conquistados por quem vive há milênios em paz com a floresta, que sistematicamente destrói seu meio ambiente. Uma nação que gostava de se definir pela tolerância e hoje vive do binarismo do discurso odioso da intolerância.

Há quem pense que historiadores lembram o tempo todo. Já eu acredito que nós esquecemos muito. Entretanto, é preciso “lembrar de não esquecer”; sobretudo numa casa de memórias como é a ABL. Uma instituição cuja história secular diz respeito à responsabilidade diante de um país que tem na boa literatura, na história e na cultura — pensadas em termos amplos — grandes pilares da democracia. Estudei muitas instituições históricas, públicas e privadas, e aprendi a compreender a importância que elas têm na linguagem da República, da qual fazem parte, como sublinha Heloisa Starling, conceitos como tolerância, solidariedade, compaixão, amizade e bem comum — este último pensado como uma pluralidade de valores que estabelecem a relação entre o interesse particular e o interesse da sociedade. E a democracia precisa ser sempre vigiada. Por isso, a adesão republicana dos membros de uma sociedade depende do compromisso que estabelecemos com instituições livres, democráticas e republicanas, lutando para que sejam cada vez mais plurais e representativas.

A democracia, vivenciada em escala inédita na nossa história, é ainda um dos fortes consensos no país. Desde a aprovação da Constituição Cidadã de 1988, vimos apostando num vigoroso processo de democratização marcado por conquistas importantes: uma ampliação do catálogo de direitos, um projeto de inclusão social de milhões de brasileiros, uma renovada disposição de afirmação da soberania no diálogo com as nações do mundo.

Mas persiste um déficit republicano na raiz da nossa comunidade política. Práticas patrimoniais, autoritárias e pautas regressistas resistem no interior do sistema político e nas instituições públicas, Ampliou-se de maneira inédita o quadro de eleitores, mas ainda nos faz falta uma agenda ética capaz de transformar o comportamento partidário e político. São, assim, muitos os desafios para conseguirmos alterar o imperfeito republicanismo brasileiro. 

Vivemos, porém, numa época de muitos avanços. E para esse projeto, como afirma Sueli Carneiro, estamos todas e todos “convocados” enquanto “partícipes na construção de uma outra sociedade”. Democracia é projeto inconcluso por definição: essa é a beleza e o desafio desse regime. Afinal, a agenda de direitos se altera e cresce, sempre, já disse Guita Debert, com novas demandas se juntando às antigas e consolidadas. Fortalecer instituições é a carpintaria da República, e é dessa marcenaria que precisamos cuidar, pois cidadania se faz assim: cada pessoa pratica a partir do seu quintal.

O tempo pede de nós, nos lugares em que estivermos, responsabilidade diante dos desafios que nos foram dados viver. Responsabilidade social, educacional, cultural também frente ao crescimento da intolerância racial, de gênero, de geração, religiosa. E responsabilidade, como mostra Hannah Arendt, não é uma palavra qualquer. Ela traz consigo a intenção e a atuação. Eu estudo o Brasil que temos, mas sonho sempre com um país melhor. Por isso, talvez seja mesmo pessimista no varejo, mas muito otimista no atacado.

Termino, pois, com as saudades que sinto de Alberto, mas também com a boa memória que nos une. Somos mesmo, e como ele poetou, apenas um “casulo no tempo”. Assim, desejo que possamos celebrar o “passado do presente” e o “presente do futuro”. Aliás, que a narrativa do que já foi nos ajude a transformar o presente para que ele não vire apenas uma repetição monótona do passado. Afinal, como diz Conceição Evaristo: “O importante não é ser o primeiro ou a primeira, mas abrir caminhos”.

Hora de colocar um ponto-final neste discurso, que já vai virando uma longa série de reticências. Lembro, então, Riobaldo em Grande sertão: veredas, quando lamentava a morte da mãe. Escreve o acadêmico Guimarães Rosa: “Morreu, num dezembro chovedor, aí foi grande a minha tristeza. Mas uma tristeza [...] do meu direito. De desde, até hoje em dia, a lembrança de minha mãe às vezes me exporta. Ela morreu, como a minha vida mudou para uma segunda parte. Amanheci mais”.

Depois da morte de Alberto da Costa e Silva, o Brasil amanheceu diferente. Despertei mais sozinha e menos bem acompanhada, num mundo mais sem graça e menos comovente. Mas menos por vezes pode ser mais. Quem sabe este ritual, afinal, não passe de uma segunda parte dessa minha história. 

Muito obrigada pela escuta e pelo afeto. Pois é dele que no fundo trata esta minha preleção. Afinal, só a amizade é, de fato e de direito, imortal. 

E como diz o filósofo e acadêmico Gilberto Gil: “Mistério sempre há de pintar por aí”.

Assista à posse na íntegra:

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