Que a educação tem muito o que melhorar não é novidade. Que o modelo tradicional de sala de aula, hierarquizado entre professores e alunos, não funciona mais, também não. É um consenso que a mudança começa do básico – no caso, da educação de base. Mas como tratamos esse assunto? Quais são as alternativas para alcançarmos um aprendizado realmente formador de seres críticos?
Em busca de caminhos para essas questões, o coletivo independente Reconsidere, voltado ao debate do tema, viajou a América do Sul relatando diferentes experiências de educação alternativa. O material virou websérie, possível graças a um financiamento coletivo, integralmente autoral e disponível no YouTube.
Já foram lançados quatro episódios (Escuela Democrática de Huamachuco, no Peru, Tierra Fertil e La Cecilia, ambos na Argentina, e Biblioteca el Limonar, na Colômbia), todos com legendas em português, espanhol e inglês. No total, serão abordados 12 projetos, espalhados por seis países. A equipe adiantou, inclusive, que o próximo episódio a ser lançado é sobre uma iniciativa brasileira: o Coletivo Escola Família Amazonas (CEFA).
O grupo foi criado por mães e pais preocupados com a educação dos filhos. Desde abril de 2015, realizam rodas de conversa, estudam textos e filmes sobre linhas pedagógicas alternativas ao modelo tradicional de ensino. A partir disso, surgem também seminários, oficinas e visitas a escolas públicas, a fim de expandir o debate. O mais recente curso do CEFA é o Amã, de (des)formação docente. Ele acontece em Niterói, em parceria com o projeto Construindo Saber, e tem previsão de uma segunda turma em Manaus (AM).
É importante questionar os modelos que estão em vigor, mas não há saída simples, receita de bolo que resolverá um problema complexo como esse, defende Franco de Castro, professor e um dos membros do Reconsidere.
Na websérie O que eles têm para nos dizer?, escutou crianças sul-americanas sobre a educação que recebiam. “A gente foi aprendendo com essa experiência. Ninguém melhor do que elas para nos dizer como funciona um projeto. A probabilidade de você receber uma resposta muito mais verdadeira e honesta, que não fala só as virtudes, mas também os problemas, trazendo mais questionamentos, é muito maior”, conta.
Daí depoimentos como o de Brishit Mendez, estudante da Escuela Democrática de Huamachuco, no Peru. No primeiro episódio, ela expõe: “Para mim, estudar é ser livre”. A sua escola não tem salas de aula, séries ou provas. Os alunos frequentam o espaço que desejam, onde há um profissional disponível para ajudar na atividade. Têm o poder de optar entre artes, matemática, culinária, leitura, ciência, futebol, mitos, carpintaria, inglês e cinema, por exemplo.
Lá também há assembleias, em que cada aluno tem poder de fala. Assim são decididas diversas questões da escola, as vozes das crianças e dos adultos têm o mesmo peso. Um aprende com o outro. Os pais também são envolvidos, com reuniões mensais e acompanhamento sobre as questões de casa. A mensalidade é de acordo com as possibilidades de cada aluno: para determiná-la, a escola verifica se a família tem dívidas no banco, casa própria ou TV a cabo. “Não é uma escola para pobres nem ricos, é uma escola para seres humanos”, lembra uma das funcionárias.
Franco, entretanto, lembra que a ideia dos vídeos é de trazer o debate às pessoas, e não propor um novo modelo que substitua o antigo. “Projetos educativos podem inspirar a gente, devem inspirar. E, de fato, inspiram. O que não significa que a gente tenha que tentar reproduzi-los fielmente, dentro de realidades diferentes. Cada realidade é uma, tem as suas especificidades.”
Por isso, buscaram as mais diferentes ideias, não só de escolas, mas de assuntos variados, como a medicalização na educação, debate de gênero, educação indígena e quilombola, direitos humanos. Os projetos eram dos mais diversos, com algo em comum: que se contraponham à lógica capitalista e que sejam sem fins lucrativos. Esse era o único filtro.
Todos os espaços educativos eram bem-vindos. Assim, o episódio quatro, por exemplo, mostra a riqueza da Biblioteca El Limonar, na Colômbia. O espaço busca programações mais abertas e livres, com mais espaço para que as crianças determinem as atividades. Na biblioteca, não há a necessidade de ficar sempre sentado, em silêncio, em alguma leitura. Os usuários podem movimentar-se pelos diferentes ambientes e aprendem a cuidar dos livros, guardá-los no lugar certo, esperar pela sua vez para usar o computador.
“É um espaço aonde vamos, nos reunimos, aprendemos. É uma escola de muitas aprendizagens. Por aqui me entretenho, aqui aprendo, aqui compartilho com os outros, aqui me educo, aqui dou ao outro. Então este é um espaço que é uma escola, de uma maneira diferente”, diz a frequentadora Yuliana Carvajal. Ela não considera a biblioteca um “depósito de livros”, mas, sim, um “depósito de conhecimento.”
A proposta, afinal, é a de diálogo. O Reconsidere surge como ideia de que a mudança não pode ser imposta, mas construída junto às pessoas. “Não dá para chegar de forma arrogante e esperar que a sociedade entenda de uma hora para a outra um projeto educativo dessa magnitude. E em nenhum momento a gente quis ser o salvador da pátria, como se a nossa escola resolvesse o problema de educação da nossa cidade”, explica.
Por fim, reconhece a importância da união: “Se a gente acredita que essa transformação se dá por diferentes caminhos, e eu não dou conta sozinho de estar nos diferentes caminhos, então eu ajudo aquele que está em um caminho diferente, mas que tem a mesma base ideológica”. A busca é a fuga de uma única verdade, um caminho que solucione algo tão complexo quanto a educação e a transformação social.