Jornada Pedagógica 2025: Escutar alunos para ganhar leitores

11/04/2025

Nesta quinta-feira, dia 10, aconteceram os últimos encontros da Jornada Pedagógica da Companhia na Educação 2025, que ao longo da semana reuniu diversos convidados para dialogar e tentar responder à pergunta “A Escola forma leitores?”. A primeira mesa do dia olhou iniciativas de fora da escola como inspiração para pensar como transformar as escolas em comunidades leitoras engajadas.  Para essa conversa, recebemos a slammaster e educadora Cristina Assunção, o escritor e um dos idealizadores da FLUP (Festa Literária das Periferias), Julio Ludemir, e a jornalista e criadora do projeto Vá Ler um Livro, Tatiany Leite, com mediação da editora da Companhia das Letras, Stéphanie Roque.

Participantes do último dia da Jornada Pedagógica 2025

O encerramento do evento aconteceu com a mesa “Educação digital e a formação de leitores”. A reflexão foi sobre como as plataformas digitais podem ampliar o acesso a debates sobre livros, já que os leitores digitais ainda enfrentam desafios, como a leitura fragmentada, a interpretação de textos e a retenção de informações. Para esse debate atual e desafiador, contamos com a  presença do educador e finalista do Global Teacher Prize 2025, Helder Guastti, e da escritora e jornalista Januária Alves, com a mediação da coordenadora pedagógica e formadora de professores Camila Castilho.

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Comunidades leitoras: do clássico à poesia

“A literatura está em todos os lugares. Todo mundo é leitor e, às vezes, nem sabe que é leitor”, afirmou a jornalista e criadora do projeto Vá Ler um Livro, Tatiany Leite, que em seu canal no youtube @Valerumlivro reúne uma comunidade de mais de 200 mil pessoas, em especial jovens, lendo livros clássicos. “Quem chega no meu canal, não é quem já conhece Macunaíma, é quem vai ter que ler a obra por causa do vestibular. O meu foco é fazer com que esses jovens fiquem ali”. Para alcançar o seu objetivo, Tatiany diz que tenta mostrar que a literatura é tudo e está em todos os lugares, e não em um lugar inalcançável. “Livro é tudo. As histórias estão em tudo. Não é aquela coisa que ninguém consegue ver, ninguém consegue falar, e que pra falar você tem que falar ‘chique'”. 

A educadora Cristina Assunção traz  uma experiência que afirma que a literatura pode estar mesmo em todos os lugares. Desde 2012, ela circula em escolas de todo o Estado de São Paulo com o projeto Slam Interescolar. O Slam, que é um estilo de poesia falada que acontece em forma  de batalhas e performances, entrou nas escolas e criou uma comunidade que reúne centenas de jovens todos os anos para fazer poesia. “Temos poetas formadores, que recebem uma formação de didática, e dão oficinas de escrita criativa, corpo, voz e performance para os jovens da escola, além de ensinar aos professores como organizar um Slam. Entregamos cartilha, manual e disponibilizamos todos os arquivos com plaquinhas e materiais necessários para realizar o evento”, explica Cristina, que avisa que as inscrições estão abertas para as escolas participarem do projeto, até o dia 17 de abril, na página do projeto no instagram (@slaminterescolar ). Todos os anos, no mês de novembro, acontece uma edição que reúne estudantes de diversas escolas de São Paulo, com batalhas de Slam e premiações. “Já tivemos 10 edições do Slam de Poesia Interescolar. O primeiro teve a presença de quatro escolas. Na última edição, foram 300”, conta ela, que vê sua comunidade crescer.”O Slam é uma forma de expressão terapêutica para o jovem. Ele pode falar da sua realidade, de questões sociais”.

Cristina conta, ainda, que a partir do Slam os jovens sentem o desejo de trazer seus textos em forma de publicação. “Nossa comunidade tem gente que lê e quer escrever. Nossos poetas tem mais de 40 poesias na gaveta. Então a gente vai atrás de patrocínio, de fomento institucional, editais para lançar esses livros e ajudamos a circular”, conta ela.

Outra iniciativa que produz literatura periférica é a FLUP, Festa Literária das Periferias, que acontece no Rio de Janeiro desde 2012. “A FLUP tem muitos braços. Um desses braços é o processo de formação, que resulta em produções. Já publicamos 80 livros”, revela Julio Ludemir, um dos fundadores do evento, que já lançou muitos escritores, como Geovani Martins, autor de Via Ápia (Companhias das Letras, 2022) e O sol na cabeça (Companhia das Letras, 2018). A FLUP tem uma dinâmica itinerante, e cada ano acontece em um lugar diferente, já tendo passado por comunidades como o Morro dos Prazeres, Morro da Babilônia, Cidade de Deus, Vidigal e Complexo da Maré. No último ano, ela aconteceu no Circo Voador, na Lapa, região central da cidade. Ano que vem, a festa irá ocupar o bairro de Madureira. “Na medida em que nos deslocamos, vamos mudando os conceitos. Madureira é o bairro do jongo, do baile charme, da Portela e do Império Serrano. Talvez seja o maior ícone do Rio suburbano”. Julio diz que a FLUP acontece a partir da interação com o público. “A ideia é pensar sempre em ouvir os leitores. O público se apropria do festival. Todos os anos a gente tenta homenagear alguém e o público sempre nos dá sugestões. Essa é uma decisão que nunca é de dentro, é sempre de fora para dentro do festival”, conta Julio, que já homenageou Machado de Assis, Lima Barreto, Beatriz Nascimento e, em 2025, tem como escolhida Conceição Evaristo.  A FLUP também promove Slam e até jogos de futebol com escritores. 

Cristina encerrou a mesa, sugerindo que criamos uma comunidade de leitores conversando. “Indicar um livro, falar dos livros, de como eles conversam com você. É quase como evangelizar. É sair falando. Conhecendo as pessoas, você vai entendendo pelo o que elas se interessam. A militância é no boca a boca”.

Confira aqui a transmissão completa da mesa "Formando leitores em comunidade para além dos muros da escola"

Leitura e universo digital: aluno como protagonista

“A leitura consegue adquirir novas vertentes no encontro com o digital”. O professor Helder Guastti começou a última mesa da Jornada Pedagógica 2025 mostrando a outros educadores que não é preciso ter medo do digital. “A tecnologia não substitui o livro, mas amplia suas margens, transforma a leitura em travessia, dá novas vozes às histórias”.

Ele compartilhou diversas práticas com as crianças em sala de aula que unem a leitura literária com ferramentas digitais. Entre elas, uma que rendeu o prêmio “Educador nota 10” para Helder. “Fizemos uma ressignificação dos processos de leitura e escrita das crianças, transformando em comando para a plataforma de Inteligência Artifical produzir ilustrações que comporiam um livro, que foi o projeto final que elas escolheram”, conta ele, que acrescenta que a ideia do uso da Inteligência Artificial partiu de um aluno, que trouxe a questão do mau uso da IA em sala de aula. Helder também falou sobre a alegria de um encontro virtual de seus alunos com o autor Alexandre de Castro Gomes, do livro Procura-se o curupira (Companhia das Letras, 2021). “Eu estou em uma cidade muito pequena, longe de grandes centros. Esse encontro transmutou a leitura para outros significados. De que outra maneira poderíamos promover isso? Eu tenho crianças que nunca saíram daqui. Temos que nos apropriar disso, para podermos oportunizar coisas que essas crianças não teriam sem isso. A educação digital é um direito”.

A escritora e jornalista Januária Alves lembrou que o Conselho Nacional de Educação, o CNE, traz recomendações sobre a educação midiática, mas afirma que ainda é necessário política pública que ajude o professor a entender como fazer isso. “Não podemos mais separar o mundo on e off line. Essa conversa pauta as nossas escolhas no dia a dia. Estamos falando de Paulo Freire, de leitura do mundo. Precisamos dar repertório para que as crianças deem conta de estar nesse mundo”. A jornalista afirma que o único caminho para isso é formar leitores críticos, que perguntem e questionem. “No advento do chat GPT, acho que nunca foi tão óbvio que precisamos aprender a fazer perguntas”, provoca ela. “Existe uma angústia pela resposta rápida. Uma geração impaciente. A gente precisa resgatar o prazer da curiosidade. De ir atrás das informações, do que queremos saber”.

Januária lembra que o Fórum Econômico Mundial apontou a desinformação como principal problema global a ser enfrentado. Em paralelo a isso, segundo a jornalista, no último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), 65% dos jovens não souberam diferenciar um texto opinativo de um texto informativo. “Como formar leitores críticos céticos e não cínicos? Que não vão acreditar na primeira resposta que o google dá quando se faz uma pergunta?”. Para ela, os livros são uma das principais respostas. “O livro não escolhe por nós. Nós fazemos nossas escolhas dentro dele”.

Helder faz questão de dizer que o caminho não é radicalizar. “Não podemos demonizar a internet, o celular ou as redes sociais. É uma realidade, não tem como fugir. Temos que pensar um planejamento em que as crianças participem ativamente nos processos. Um mix do que nossos planejamentos trazem e o que elas trazem”, sugere o educador, que afirma saber das dificuldades no caminho do professor. “Eu venho da escola pública e é onde eu atuo, então eu sei bem de todas as dificuldades. Sei que muitas vezes temos que ser criativos para realizar aquilo que desejamos. Mas é possível, principalmente quando escutamos as crianças”.

Januária lembra que crianças e jovens adoram assistir a séries dos streamings, muitas baseadas em livros, que muitos games trazem boas narrativas e diz que a experiência leitora é o que tem que pautar. “Essa possibilidade de cruzar o moderno com o eterno é muito importante. Aproximar para o cotidiano. É entrar em contato com uma boa história, se ver ali”, reflete ela.  “Não vamos guerrear, vamos juntar as forças, Nós precisamos conhecer essas ferramentas, também conhecer muitos livros. E de posse de todo esse repertório, a gente vai conseguir dizer o que quer produzir”.

E a Jornada Pedagógica 2025 se encerra deixando muito a se pensar. Qual o papel da escola na formação de leitores e qual é o papel de cada um e cada uma de nós numa sociedade complexa como a brasileira. Afinal, hoje, “a escola forma leitores?”, como pontuou o tema central da Jornada. É pelo que temos que lutar. 

Confira aqui a transmissão completa da mesa Educação digital e formação de leitores


(texto: Anna Luiza Guimarães)

 

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