
O lugar das crianças refugiadas no Brasil
Vivianne Reis, da organização I Know My Rights, que acolhe e protege crianças refugiadas, fala sobre o cuidado com essa infância por meio da arte
As sirenes tocam, em meio a muita correria e gritaria. Bombardeios. Duas crianças, um menino e uma menina, recolhem tudo o que encontram pelo caminho. Um sapato solitário, uma saia, vestidos e lenços. Acham abrigo em escombros é hora de se recolher. Lembram que o ônibus foi atacado, que a praça do coreto do outro lado da ponte sumiu e que a escola do outro lado do rio também desabou. Restaram somente alguns escombros, onde a menina picha um sonho que persiste naquele contexto: “Qual é a escola que você quer?”.
É com esse chamado que a peça Salve, Malala, da Cia. La Leche, convida o público de crianças e adultos a pensar sobre educação em realidades tão cheias de adversidades. Em cartaz no Sesc Ipiranga, em São Paulo, o espetáculo dirigido por Cris Lozano é inspirado na saga da menina paquistanesa que foi baleada em Khyber Pakhtunkhwa, em 2012, dentro de um ônibus escolar pelo Taleban, contrário à educação feminina.
Malala Yousafzai, que venceu o Prêmio Nobel da Paz em 2014, não é personagem, mas sua figura é o tempo todo evocada na peça. Os personagens, a menina Sofia (Léia Rapozo) e o menino Yan (Alessandro Hernandez), que amplificam as vozes da menina paquistanesa, evocam um contexto de guerra e desespero, total abandono, mas nem tão distante do que se vive no Brasil.
O espetáculo cria diálogos entre realidades na dramaturgia de Alessandro Hernandez, que amplia a discussão sobre direito à educação, tornando-a próxima da realidade da plateia brasileira. Nos panfletos que distribuem, ecoam frases como “Escola não é prisão” ou “A escola é nossa”.
Naquele cenário, as crianças brincam de relembrar as histórias vividas em sua aldeia. Recontam saudades. “Talvez isso ajude”, diz Yan, sabedor do poder de cura das narrativas. Assim, os dois transitam entre realidade e fantasia, brincando de contar pequenas narrativas com os objetos recolhidos em meio ao ataque, um perigo sempre iminente.
A morte ronda as lembranças da dupla, simbolizada nos jogos de cavoucar a terra para fazer sepulturas. “Quando a gente morre, vai pra onde?”, questiona o menino, que sonha em ser um “guerreiro de verdade”. Já Sofia gosta de brincar de escola, sonha em ser professora. Num ônibus-brinquedo, brinca de recolher os alunos para mais um dia de aula, algo tão cotidiano – e também muito distante.
No cenário, tudo se transforma. Os atores manipulam objetos, roupas e bonecos, cheios de memórias. Um retroprojetor ajuda a contextualizar o lugar, não tão longe daqui, onde um rei mandou pintar os grafites de cinza dos muros e onde a biblioteca já não funciona mais 24 horas por dia. O contexto político atual emerge em diversos diálogos, em tom de resistência e luta. “Atacar, ocupar e resistir”, gritam os personagens, em meio a bombardeios. A plateia brasileira, com suas lutas, faz coro.
Anote na agenda
Peça Salve, Malala
Quando: domingos, às 11h; até 4/6
Onde: Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822; tel. 0/xx/11/3340-2000)
Quanto: de R$ 5 a R$ 17; crianças menores de 12 anos não pagam
Vivianne Reis, da organização I Know My Rights, que acolhe e protege crianças refugiadas, fala sobre o cuidado com essa infância por meio da arte
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