Contar histórias é existir

15/01/2018

 

Por Januária Cristina Alvesibi

Eles são os nativos da geração Z (nascidos entre 1998 e 2010), aqueles cujo índice de retenção da atenção é de apenas oito segundos. São também a geração que não lê nem vê anúncios, a “Skip Ad Generation” (geração que pula os anúncios porque quer ir “direto ao ponto”, ou às histórias que interessam) e são ainda os chamados FOMO (Fear Of Missing Out, ou seja, aqueles que têm medo de perder alguma coisa, alguma informação importante, por isso zapeaim e navegam na internet, em várias mídias, o tempo todo). No entanto, como os nossos pais e avós, andam em busca de uma boa história. Não importa o suporte, contar e ouvir histórias ainda é a maior e a melhor forma de entretenimento dos seres humanos.  

Talvez isso não seja nenhuma surpresa para você, leitor. Afinal de contas, a mente humana organiza as informações que recebe e transmite em forma de narrativas. Elas são a base da comunicação humana, e sem comunicação não há relação. Portanto, as histórias realmente conferem significado à nossa existência.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

Sempre tive paixão pelas histórias e em especial pelas de tradição oral. Recentemente mergulhei em uma pesquisa sobre o folclore brasileiro e essa relação entre as histórias e a experiência de ser humano me fez refletir sobre a onipresença das narrativas em nossa existência e o quanto estamos imersos nelas, em quaisquer meios ou suportes em que elas existam. As histórias somos nós e vice-versa.

Por causa dessa pesquisa muitos me questionaram se as histórias do folclore vão morrer e o quanto nossas crianças e jovens sabem sobre elas. Digo que podem realmente saber pouco especificamente sobre elas, mas sabem muito sobre os elementos que lhes são inerentes, e continuam se apaixonando pelas narrativas de terror, de aventuras, de amor.

Os heróis e vilões estão lá, os monstros, as bruxas, os magos, esses personagens estão nas séries que hoje tomam conta da programação de entretenimento de muitos jovens e suas famílias. Há gente “viciada” nas séries dos canais pagos de TV e quase não aguenta esperar a próxima temporada, os cinemas lotam na pré-estreia do episódio X ou Y daquele filme que começou quando muitos desses jovens nem eram nascidos. E eles correm atrás dessas emoções nos quadrinhos, nos games, nos jogos de RPG (Rolling Play Games). Nunca se contou tanta história como nos dias de hoje. Nunca, na história da humanidade, compartilhamos tantas histórias em tantos canais ou meios. E por que será?

Como os tempos modernos são o universo do efêmero, do ligeiro, do superficial, a nossa necessidade de contar histórias só cresce. Como diz Karen Worcman, diretora do Museu da Pessoa, que se dedica exclusivamente a coletar, registrar e guardar depoimentos de cidadãos comuns sobre suas vidas e suas histórias: “O ser humano tem uma demanda pela eternidade, por isso, conta histórias”. A memória da espécie humana está nas narrativas e quanto mais as preservarmos, mais eternos seremos.

Tento acompanhar de perto as novas formas de contar histórias que têm aparecido nos últimos tempos. Uma delas me deixou interessada, é um tipo de narrativa que acontece como um chat, ou seja, em forma de mensagens do tipo que trocamos no Whatsapp. Em uma tela branca, vão aparecendo mensagens de forma sequencial, como se fossem diálogos conosco, os leitores. É interativo, é inquietante e descobri que pode ser emocionante.

Segundo os criadores do aplicativo Hooke, esse tipo de experiência vai mudar nossa forma de se relacionar com a literatura. Sua estrutura que não é nem teatral nem novelística, mas lembra a da plataforma Snapchat – em que cada mensagem visual (vídeo) dura dez segundos, o que deve ser bom, uma vez que os jovens só se concentram oito segundos; e ela só fica no ar 24 horas, depois desaparece –, o que tenderá a aproximar os jovens desse formato e, com isso, modificar sua relação com a experiência literária.

Acho um exagero fazer tal afirmação. Diria apenas que, ainda bem, ela poderá aproximar crianças e jovens do mundo das histórias, estejam elas nos livros, nos filmes, nas músicas ou no Snapchat. No Hooked encontramos, por exemplo, histórias de mistério, que sempre seduziram a raça humana, curiosa por natureza. Todas as formas de se contar uma história nos levam à matriz de todas elas: o desejo de existir para além de tudo isso que vivemos aqui e agora.

Allen Lau, cocriador do Wattpad, outra plataforma de histórias em forma de chat, ao lançar sua ideia, afirmou o seguinte: “Dois meses de nossa segunda década, eu estou superanimado para anunciar a primeira de muitas novas formas de entretenimento: Tap. Do Wattpad. Tap é um novo aplicativo que mergulha as pessoas em histórias viciantes de bate-papo. Tap se baseia no que sabemos bem no Wattpad (e o que as pessoas que gastam 15 bilhões de minutos por mês em nossa plataforma mostraram), que, quando se trata de contar histórias, todo mundo quer participar”. Pois é, quando se trata de contar histórias, todo mundo quer estar presente.

No mundo moderno, a nossa busca continua sendo a mesma: pelo que é eterno. É como está escrito em um dos mais antigos livros da história da humanidade, a Bíblia, em Eclesiastes (1;8,9): “O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol”. Quando se trata de ouvir e contar histórias, não há mesmo nada de novo sob o sol: nem no Snapchat. Porque “Contar histórias é contar-se”, alguém disse. E contar-se é existir, desejo máximo do homem.

***

Januária Cristina Alvesibi é jornalista, infoeducadora, educomunicadora  e escritora, com mais de 40 livros publicados. Foi vencedora de dois prêmios Jabutis de lIteratura. Atua como consultora para empresas em programas focados em educação e cultura e em editoras como consultora editorial e editora associada. Realiza também palestras, cursos e oficinas para educadores, crianças e jovens, sobre educação literária e alfabetização midiática. Para saber mais, acesse www.entrepalavras.com.br.

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