Para entender o chão em que se pisa

31/07/2018

 

A Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) começou bem antes para as escolas e as bibliotecas do município. É que a programação do Educativo Flip está inserida num projeto mais amplo e processual, o Ciclo Literatura e Território, em que crianças e adultos (professores, estudantes, bibliotecários e diversos integrantes da comunidade) adentraram o campo da educação patrimonial, a partir da realização de inventários participativos.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

“A gente entende mesmo a educação patrimonial focada no território, no espaço de vida das pessoas”, disse Sônia Rampim, responsável pela educação patrimonial do Iphan, durante a apresentação dos trabalhos realizados pelas escolas e bibliotecas do município. Ela disse ainda que já apresentou o projeto à Secretaria de Educação de Paraty, para que ele seja realizado em todas as escolas do município. O ciclo, realizado pelo Educativo da Flip, por meio da Casa Azul, contou com apoio da Cenários Pedagógicos e do Iphan.

Segundo Beatriz Goulart, arquiteta e urbanista, curadora pedagógica do Educativo Flip, “educar para o patrimônio é entender o chão em que se pisa, o ar que se respira, os sons que se ouve, a comida que se come, as histórias que se conta, as brincadeiras que se brinca, as cirandas que se dança... É entender como habitamos um território. É aprender a ouvir o que este território tem para nos contar. E depois contar para os outros, com narrativas as mais variadas (por desenhos, fotografias, vídeos, poemas, músicas, ...) os segredos apre(e)ndidos”.

Durante o ciclo, as escolas receberam uma mala pedagógica, com diversos dispositivos que estimulam crianças e professores a pensarem o seu entorno, além de dez livros selecionados a partir de eixos temáticos (território, identidade e memória), sob a curadoria de Gabriela Romeu. No acervo selecionado, há livros que mostram a força das histórias da tradição oral, que trazem personagens meninos e meninas em busca de delinear e fortalecer sua identidade, que tratam de diferentes realidades e contextos e que mostram o quão diverso somos em nossas singularidades.

“Se a literatura é ponte entre realidades, janela para novos universos e porta aberta para mundos interiores, é também uma trilha para se ampliar o olhar para o próprio território. Ao ler outros mundos, leio melhor o meu mundo; a literatura é fonte para a constituição de nossa identidade. A literatura está o tempo todo possibilitando caminhos para que o leitor desbrave mundos para desbravar melhor o seu próprio mundo, olhe para fora e olhe para dentro. Como diz o professor Luiz Percival Leme Britto, o ato de ler não se desprega do ato de estar no mundo. A literatura, ele diz, nos dá "o direito de ser no mundo", nos faz extrapolar a ideia de sobreviver”, conta Gabriela Romeu.

Daí surgiram glossários de palavras específicas de cada região, cartografias afetivas das comunidades, maquetes com as festas do município, poemas que falam do lugar onde vivem, sacolinhas com brincadeiras e brinquedos feitos com materiais dos quintais. No encontro realizado no Cembra durane a Flip, educadores e crianças, das escolas e das bibliotecas, compartilharam parte de seus inventários, que, segundo muitos destacaram, estão ainda em processo.

Foram mais de dois meses de trabalho, com encontros de formação, oficinas e visitas de autores como Selma Maria Kuasne, Lúcia Hiratsuka, Heloisa Pires Lima, Olivio Jekupé, Werá Jekagua Mirim, Joana Zatz, Marie Ange Bordas e Gabriela Romeu. Tudo isso para provocar uma intensa reflexão sobre os territórios em que as crianças e deixar brotar as narrativas de cada lugar.

Para Belita Cermelli, diretora do Educativo da Flip, o ciclo é “um grande exercício de envolver a população de Paraty a olhar para o próprio território”, que contou com um animado cortejo pelo Centro Histórico da cidade, passando pela praça da Matriz, até a sede do Iphan, onde estandartes criados pelas crianças em suas comunidades foram afixados, lembrando a todos que passavam ali quem são os verdadeiros donos da festa.

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