Escola também é lugar de fazer livros

04/09/2018

 

Dobradura, efeitos 3D, técnicas de encadernação... A maior parte dos educadores desconhece esses e outros recursos disponíveis para se criar os mais diferentes livros em sala de aula. Ao descobrir e experimentar diferentes técnicas para confeccionar modelos de obras artesanais, cheios de convites à interação, é possível que professores e alunos inventem juntos na escola uma fábrica própria de histórias.

É no que vem se dedicando a carioca Ana Paula Paiva, que há sete anos oferece oficinas para que estudantes e educadores de escolas públicas aprendam a construir livros artesanais. Autora de A aventura do livro experimental (2011) e Professor criador: fabricando livros para a sala de aula (2015), ambos publicados pela editora Autêntica, ela percebeu que aqueles que convidam a criança a brincar com recursos que compõem a narrativa, chamados por ela de “livros-brinquedo”, fazem sentido “como objeto e como discurso”.

Nas oficinas da educadora, surge uma gama de possibilidades: livro-matraca, livro-cenário, livro-teatro de sombras, suportes que atraem a criança e funcionam bem na etapa de aproximá-la do universo da leitura. “Compreendendo as técnicas e munidos dos modelos originais, era possível inventar nossa fábrica de histórias e de adaptações, produzindo livros originais e brincantes”, diz, sem esquecer que o desejo provocado no jovem leitor é ativado não só pela materialidade proposta nos livros artesanais ou pela sua linguagem, mas por essas duas esferas combinadas.

Os livros, que possuem diversas camadas de significação, são ainda mais complexos em significados se criados pelas próprias mãos dos leitores. E é aí que a figura do mediador é essencial, para apresentar à criança as diversas linguagens existentes e possíveis, além de introduzi-la a esse universo de diferentes autores, gêneros e abordagens.

 

 

Também não é preciso seguir regras pré-estabelecidas, apresentar à criança um manual de como criar um livro. Afinal, a atividade também é uma brincadeira e torna-se viva quando as crianças entendem o seu “motivo de ser”. Mas dicas são mais que bem-vindas para aqueles que ainda não estão acostumados ao universo de diferentes materiais, técnicas, cores e texturas que é a artesania de livros. Para esses professores, a especialista Ana Paula Paiva deixa alguns conselhos.

Contar histórias

Antes de se criar livros, deve-se contar histórias. A sugestão de Ana Paula Paiva é de que sejam narrativas de todos os tipos, de obras que passam por gêneros como conto, história em quadrinhos, poesia, livros-imagem e livros-sensoriais, entre outros. Contos de terror? Contos fantásticos? É fundamental garantir a variedade. Quanto mais livros para inspirar, melhor.

Mãos à obra!

O professor pode começar, por exemplo, pela adaptação de um clássico. Quais são os aspectos sensoriais dessa história? Quais tecidos, texturas, materiais dos mais diversos podem ser aproveitados? Aqui, a casa dos três porquinhos pode ganhar aspectos dos materiais, com um embrulho amadeirado ou mesmo um papel com um desenho bem caprichado. Já o bosque da Chapeuzinho Vermelho pode ter flores, galhos e pedrinhas de verdade, e o Barba Azul, uma pomposa barba de algodão tingido.

Vários materiais do dia a dia podem ser reaproveitados: envelopes de banco (que não rasgam fácil), capas reaproveitadas de livros ou de agendas, de exames de laboratório, caixas de presente ou de leite para reforçar a lombada do livro. Para o miolo, as possibilidades também são diversas: costurar, prender por pressão, colar, dobrar em folder, envelopar... Além, claro, das delícias de ilustrar, montar e organizar que ela explica em seu site. Para começar, o básico é suficiente. Depois, aos poucos, vale experimentar técnicas como a decoupage (quando o pedaço de papel fica incrustado na superfície), o longstitch (costura longa) e diferentes tipos de encadernação.

Para se inspirar

Há um universo de obras de qualidade que podem servir de inspiração para os educadores que desejam trabalhar com livros artesanais na sala de aula. Entre os livros que são referência para Ana Paula, estão muitos portfólios de design, mas também Como fazer seus próprios livros, de Charlotte Rivers, que traz o passo-a-passo, ferramentas comuns na fabricação de livros e dicas de acabamento criativo. Também sugere Expressive hadmade books, de Alisa Golden, e New directions in altered books, de Gabe Cyr.

Para inspirar as crianças, a dica é O livro com um buraco (editora Cosac Naify), de Hervé Tullet. A obra, que tem um buraco entre as suas páginas, propõe às crianças uma estética complementar aos elementos iniciais impressos em um livro. Inovações como essa devem ser encorajadas, e aqui vale das mais diferentes técnicas para criá-las.

A diferença que faz um mediador

O mediador é uma figura importantíssima nesse processo. É ele quem vai inspirar as crianças, contribuir para a criatividade e incitá-las nas experimentações. Um verdadeiro “apresentador de linguagens”, é alguém com prática de leitura que coloca as crianças em contato com os diferentes autores, livros, gêneros e abordagens. Para Ana Paula, ele precisa entender que há crianças com diferentes facilidades. Algumas são mais observadoras, outras têm maior habilidade manual, outras são mais organizadas. “E assim não precisamos criar nada cristalizado, dando espaço a algo vivo, íntimo, real para os alunos, algo que desenvolve competências e habilidades, sociabilidade e o entendimento acerca das linguagens, uma vez que o aluno entende o motivo de ser daquilo tudo.”

Mas, afinal, o que é o "livro-brinquedo"?

Ana Paula Paiva defende que livro-brinquedo é aquele livro que traz certas especificidades. “O livro é como aquele brinquedo que põe ideias a girar...” É um objeto que ativa verbos de ação: “leio, sinto, faço, provo, toco, pego, movo, monto, enceno, brinco, cheiro etc”. Esse objeto, para a pesquisadora, validaria a ação de ler com prazer ou pelo prazer. Além disso, traz a relação com a materialidade do livro-objeto. Mas ela faz uma ressalva: acredita que eles não devam ser meramente utilitários como um livro de quebra-cabeças. As experiências devem ser criadas com as linguagens.

Ao ler e brincar, tudo ao mesmo tempo, a criança já começa a ficcionalizar, perceber universos paralelos e se familiarizar com diferentes tecnologias. Mesmo muito jovem, o objeto terá ocupado um lugar natural na ação e no desejo da criança. A linguagem, nessa etapa da vida, “veio para brincar”. É uma brincadeira em que as crianças logo percebem-se sujeitos, que proporcionam uma ação física e mental.
 
A formação de leitores no digital

As distâncias mudaram com a chegada das tecnologias digitais. Nessa transformação, o prazer e o afeto tornaram-se fundamentais no contato com o livro, como sugere a pesquisadora. Entre os momentos de revisitação ao manual e palpável e a vontade do audiovisual, a maior disponibilidade de obras no ambiente digital nem sempre implica a formação do leitor. “Acervo e acessibilidade são importantíssimos, mas é preciso formar leitores ou pode-se cair no risco da profusão para poucos. Ou seja, haverá a acessibilidade para todos, mas poucos de fato usufruirão dos acervos digitais.”
 

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