Como tratar da identidade negra em sala de aula?

21/11/2018

 

Lei 10.639, sancionada no dia 9 de janeiro de 2003, artigo 79-B: “O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’.” O mesmo texto que há 15 anos estabeleceu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileiras em sala de aula criou o feriado que serve como reflexão sobre a luta do movimento negro no país. Em 2018, 15 anos depois, a cientista social Anete Abramowicz nos alerta que há ainda muito o que avançar na discussão sobre o fortalecimento das identidades negras na escola.

 

Imagem Pixabay

 

Desde a aprovação da lei, por exemplo, algumas faculdades de pedagogia oferecem a disciplina de didática das relações étnico-raciais, com variações da nomenclatura. Mas, em muitos desses cursos, é apenas ali que o assunto é abordado. POr isso ela aponta que é fundamental pensar “uma forma de tratar os temas relativos às relações raciais, de maneira a mudar um pouco essa lógica racializada no interior da escola”.

“Racializada” porque as pessoas negras são tratadas como pertencentes a uma raça, enquanto os brancos se colocam como hegemônicos, pertencentes ao que seria uma “cultura natural”. E isso não só na escola, claro, mas em toda a sociedade. As culturas negras, assim como as histórias negras, são sempre tratadas como diferentes. Aos olhos da sociedade, o branco não tem raça, de acordo com a pesquisadora.

E isso tem sérias consequências para a população negra já na escola, instituição onde as primeiras experiências de racismo costumam aparecer. Com a Lei 10.639, sancionada em 2003, algumas representações começam a mudar de forma gradual. “As crianças negras não se encontravam nos livros didáticos e na literatura. Eram subrepresentadas nos livros didáticos, na literatura infantil. Quando elas eram encontradas na literatura, era de um jeito muito discriminatório, preconceituoso, estereotipado”, conta.

As crianças negras já sentem isso na pele, quando seus colegas de classe recusam-se a dar as mãos para elas. As meninas, quando todos os colegas se recusam a dançar quadrilha com elas na festa junina, como afirma a pesquisadora. “É na escola que elas aprendem que são negras, é a primeira experiência na realidade como é. Ela se percebe preta e sofre todo tipo de preconceito [no espaço escolar].”

Em parceria com o também cientista social Valter Roberto Silvério, ela coordenou o programa São Paulo: educando pela diferença pela igualdade, que formou professores da rede estadual de ensino para a aplicação da Lei 10. 639, entre 2004 e 2006. Segundo a pesquisadora, para trazer a temática da cultura e história afro-brasileiras para as escolas, é essencial sensibilizar os professores em relação a essa questão, já que há muito material disponível na internet que pode ajudá-lo na abordagem.

Para ajudar com a abordagem desse tema em sala de aula, Anete Abramowicz sugeriu alguns conteúdos que podem inspirar e sensibilizar professores quanto à causa negra. Confira a seguir.

Documentário Menino 23: infâncias perdidas no Brasil

O que era para ser uma aula de história comum sobre a Segunda Guerra Mundial ganhou outras proporções quando uma aluna do historiador Sidney Aguilar reconheceu o símbolo da suástica. Disse ter visto a figura na fazenda da sua família, no interior de São Paulo. Daí surgiu uma investigação que levou à tese de doutorado de Aguilar, Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-1945), e mais tarde, ao documentário dirigido por Belisário Franca. A história é de 50 meninos negros e órfãos que foram levados do Rio de Janeiro para trabalhar como escravos nessa fazenda, em Campina do Monte Alegre (SP).

 

 

Prêmio Educar, do Ceert

O Centro de Estudos das Relações de Trabalho ou Desigualdades, o Ceert, mapeia práticas escolares brasileiras “voltadas para o tratamento da temática étnico-racial”. Desde 2002, já foram quase 3 mil práticas registradas, que podem ser encontradas no site por região do Brasil e modalidade.

 

Instituto Geledés da Mulher Negra

Desde 1988, a organização se posiciona em defesa das mulheres e dos negros e contra todas as formas de discriminação. Tem programas direcionados aos Direitos Humanos, Educação, Comunicação, Saúde e Monitoramento e Incidência em Políticas Públicas. No site do instituto, é possível conferir conteúdos que envolvem educação e a identidade negra.

 

Aqui, uma lista de livros do grupo Companhia das Letras para ampliar o debate sobre representação e representatividade negra na escola.

 

Histórias da Preta, de Heloisa Pires Lima

A obre reúne informações históricas e reflexão intelectual com histórias de uma menina, a Preta. A narrativa também traz alguns mitos africanos e exercícios ao estímulo da cidadania.

 

Histórias de Cazumbinha, de Meire Cazumbá e Marie Ange Bordas

A história é de Cazumbinha, uma menina que nasceu em uma comunidade quilombola às margens do rio São Francisco, no interior da Bahia. É de lá que ela revela o seu mundo, as comidas que gosta, as roupas que veste e do que gosta de brincar. O livro surgiu de uma oficina no Quilombo Rio das Rãs, na Bahia, com as crianças que ilustram a obra.

 

Amoras, de Emicida

Adaptação da canção homônima, presente no disco Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa, o rapper fala sobre a infância a partir de uma conversa com a sua filha, além da importância de nos orgulharmos de quem somos: “Que a doçura das frutinhas sabor acalanto/ Fez a criança sozinha alcançar a conclusão/ Papai que bom, porque eu sou pretinha também”.

 

Aimó, de Reginaldo Prandi

Ninguém sabe quem é Aimó,  menina trazida como escrava para o Brasil. Após a sua morte, a jovem descobre que tem de descobrir o seu orixá se quiser um dia deixar o Orum, o plano espiritual, e voltar a Arê, a Terra. Para isso, embarca em uma travessia, guiada por Exu e Ifá, em busca de sua identidade, quando acaba conhecendo a mitologia dos orixás.

 

O homem frondoso, de Claude Blum

22 histórias africanas são contadas nesse livro, que tenta manter o ritmo próprio das narrativas orais, tão importantes nas diferentes culturas do continente. São contos de príncipes e princesas, mas também de camponeses, onde falam os bichos, as árvores e até os rios.

 

Anansi – o velho sábio, de Jean-Claude Götting

A história da aranha Anansi, recontada nesta obra, é um importante conto da mitologia axânti, que sobreviveu pelas tradições orais dos griots. É a história de como surgem as outras histórias que nos encantam até hoje.

 

Ao sul da África, de Laurence Quentin

Por meio desse livro informativo, o leitor pode conhecer melhor três povos africanos – os ndebeles, que habitam o noroeste da África do Sul; os xonas, do Zimbábue; e os boxímanes, do Botsuana. São apresentadas a geografia dos lugares, sua história, costumes do dia-a-dia, jogos e fotos.

 

Nyama, de Christiane Lavaquerie-Klein e Laurence Paix-Rusterholtz

Aqui são apresentados muitos objetos artísticos africanos, de todas as partes do continente. O leitor tem contato com máscaras, relicários, harpas e tambores, que falam das relações entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos.

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