O Pequeno Príncipe e suas lições de infância

07/03/2019

 

 

Filmes, cartazes, cadernetas e outros objetos trazem frases de efeito de O pequeno príncipe, clássico da literatura infantil universal escrito por Antoine de Saint-Exupéry em 1943. A história do principezinho perdido no deserto africano, sucesso de leitura no mundo todo, que traz ditos famosos como “só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”, é por vezes desgastada em ações de venda e marketing. Em meio a tantos usos, como não banalizar a obra filosófica e cheia de reflexões decorrentes de seu período histórico, marcado pela Segunda Guerra Mundial?

 

 

Foi com essa inquietação que a pesquisadora de literatura francesa e uma das principais especialistas na obra de Exupéry no Brasil, Mônica Cristina Corrêa, decidiu produzir um material especialmente para professores trabalharem o livro em sala de aula. Ela escreveu um guia de leitura (disponível no site da Companhia das Letras) e gravou uma série de vídeos intitulada Pegadas do Pequeno Príncipe (disponíveis no YouTube) com opções de interpretação à obra que ultrapassam o senso comum.

Curadora de exposições como Espaço Zeperri (2007), Saint-Exupéry, Zeperri e o Pequeno Príncipe (2009), Ano da França no Brasil (2009) e O aviador e o pescador (2011?2012), ela propõe uma leitura que respeite a complexidade da obra. A pesquisadora indica ser imprescindível partir do contexto histórico da época, para depois aprofundar-se em questões filosóficas e atemporais. Resgata, então, primeiramente a biografia do autor francês, que trabalhou como piloto de reconhecimento durante a guerra.

O livro desfia temas áridos como morte, solidão e efemeridade. A jiboia que devora um elefante já no início da história é interpretada pela pesquisadora como o nazismo que devora os demais povos. Na última página, a ilustração em preto e branco traz uma paisagem de deserto onde há uma única estrela, indicando um forte sentimento de estar só no mundo. Para compensar essa realidade, que Mônica chama de "cenário nefasto" do livro, Saint-Exupéry recorre ao território da infância. Em Piloto de guerra, publicado em 1942, o autor escreve: “A infância, esse grande território de onde cada um veio! De onde sou? Sou da minha infância como de um território...”.

 

 

Segundo a especialista, esses temas existenciais, como a morte e a efemeridade, conversam com esse "território da infância" por conta da dicotomia visível/invisível que percorre toda a narrativa. Ela fica bem clara no episódio em que o pequeno príncipe pede ao piloto que ele desenhe um carneirinho. O piloto faz várias tentativas, nenhuma boa o suficiente para o menino. Quando finalmente o piloto desenha uma caixa com furos e diz que o carneirinho está ali dentro, basta imaginá-lo, o garoto enfim se dá por satisfeito. Daí a relação clara entre a dualidade material/espiritual e a imaginação presente na infância, território tão celebrado por Exupéry.

As análises feitas por Mônica questionam toda a leitura superficial de que a ambientação da obra seria apenas alegre e pueril. Ela explica que nenhum personagem do livro é retratado sorrindo e que as cores das ilustrações nunca são vibrantes demais. Sim, o livro é repleto de tristeza e reflexão, tendo como pano de fundo um local bastante conhecido por Exupéry: o norte da África durante Segunda Guerra Mundial, local que ele sobrevoou com frequência, devido às colônias francesas que ali existiam.

Ela também explica nos vídeos que o autor remete constantemente a história à mentalidade de um “ideal primordial”, ou seja, de que é preciso "procurar com o coração para apreender o 'essencial invisível'". Está na jornada do pequeno príncipe, uma jornada de autoconhecimento. A cada planeta que a criança visita, um personagem caricatural representa uma instância corrompida do ser. O rei, por exemplo, é despido de autoridade, pois não tem súditos que o sigam. O vaidoso não tem admiradores. Todos estão sempre sozinhos, o que, na interpretação de Mônica, indica que os planetas não simbolizariam locais, mas universos pessoais.

 

 

O “ideal primordial” também está na dedicatória do livro, em que o autor lembra seus leitores de que, apesar de dedicar seu texto a um adulto (seu amigo Léon Werth), ele, por sua vez, já foi uma criança. Assim, em tempo de guerra e violência, o “ideal primordial” nos lembra daquilo que realmente importa e traz alertas aos adultos. Está na figura da jiboia devorando um grande mamífero, no livro, confundida com um chapéu. “Se vemos um chapéu onde está uma jiboia devorando um elefante, não estamos enxergando a realidade”, conclui a pesquisadora.

 
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