As crianças podem ser vistas de muitas formas. Em geral, infelizmente, ainda as vemos como aquelas a quem faltam atributos e sobram negativas: não andam, não falam, não entendem, não sabem, não dominam nossos símbolos, não dominam nossa cultura.
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"Eu" / Janaina Tokitaka (texto e ilustrações)[/caption]
Mas será mesmo que às crianças falta tudo isso? Quando um livro nos ajuda a questionar o lugar-comum que ainda aprisiona pequenos e grandes em universos infertéis e que pouco mostram a realidade complexa e profunda da infância e das relações, é preciso ler e reler e reler.
Um desses livros é
Um mundo aberto: Cultura e primeira infância, da pedagoga, escritora e editora argentina María Emilia López, especialista em leitura na primeira infância. É a primeira obra editada pelo
Selo Emilia, do
Instituto Emilia de Formação.
A ideia central do livro pode ser dividida em três pontos principais:
1) A primeira infância é um terreno fértil para as artes e a cultura, e a intervenção precoce, ou seja, experiências artísticas de apreciação e de produção são essenciais para a construção e a ampliação da subjetividade das crianças.
Arte e cultura não estão separadas da vida, do cotidiano, mas fazem parte dele, tanto como ação quanto como a visão, a perspectiva que dá sentido às experiências. A arte e a cultura são direitos, direitos inclusive ao que é diverso.
E a vida tecnológica e de tempo escasso que levamos está mudando radicalmente a experiência das crianças e sua relação com os adultos. As artes podem ter um papel fundamental nessa relação, em colocar novamente em contato, com presença e empatia, grande e pequenos.
2) As artes são linguagens da infância por excelência. Arte é sensibilidade e expressão. E as crianças nascem alfabetizadas nisso. O ritmo, que as acompanha desde a gestação, está na música de roda, na cantiga, nas parlendas. Também na poesia, que é musical. Elas dominam essas marcações e esse tipo de comunicação.
Como a pensamento racional ainda está em desenvolvimento, é no terreno da sensibilidade, do insconsciente, do imagético que as crianças observam o mundo e o compreendem. No terreno do não-dito. Por exemplo, um toque amoroso e um colo seguro dizem muito mais do amor a um pequeno do que as palavras.
Estar em contato com as artes desde sempre é fundamental, portanto. Isso vale para ouvir uma música, assistir a um filme, peça de teatro, apreciar um livro, ir a museus, instalações, jardins com esculturas... Da arte popular das cantigas de roda à um acervo "erudito".
E quanto mais variado for o repertório, melhor, sustenta María Emília Lopez.
3) O que e como oferecer arte para os pequenos: o livro dá boas dicas nesse sentido e desmistifica a ideia de que arte está necessariamente no museu, pronta, criada.
Quando uma criança pede que se leia e releia o mesmo trecho ou o mesmo livro repetidas vezes; quando dança e se movimenta ao som de uma música; quando imita o gesto imóvel de uma estátua, a criança está mostrando que gosta daquela estética, que aquele conteúdo a mobiliza e, ao mesmo tempo, está criando sobre a arte.
Crianças criam. O tempo todo. E pensam e sentem parecido com os artistas. Não à toa, Picasso dizia que gostaria de melhorar seu traço até voltar a desenhar como... uma criança.