A de África: o letramento racial nas escolas

19/11/2019

 

A estrutura é rígida. Secular, parece difícil de ceder. De um lado, cresce o mutirão de pessoas a fim de derrubá-la. De outro, a notícia se repete: mais uma criança negra morta na periferia por uma bala perdida. Zumbi dos Palmares tem sua morte lembrada com data marcada no calendário, 20 de novembro. Símbolo da resistência negra, momento propício para debate e reflexão. Ainda assim, o racismo estrutural persiste nos outros 364 dias do ano. “O racismo é um tema que está na sociedade. Não está nos livros. É uma pauta que sempre esteve aqui conosco, desde a formação do Brasil colonial. Não há como passar um dia sem nos depararmos com o racismo”, explica a professora Juliana Piñero Labraña, co-idealizadora do projeto de afro-educação Pisar Nesse Chão Devagarinho.

 

Ilustração Marcelo Tolentino

 

Se às crianças pertencem o futuro, voltamos o assunto para a educação. Como educar crianças brancas antirracistas e crianças negras conscientes de sua história e cultura? Arianda Patricia, que trabalha na área de educação há cerca de 13 anos e é parceira de Juliana no projeto de alfabetização racial, considera que os tempos atuais são propícios para a discussão da pauta de letramento racial. Para ela, os educadores estão cada vez mais reconhecendo a importância da questão e se informando mais sobre o tema. É consenso entre as entrevistadas que a lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas do país, foi um marco importantíssimo para dar visibilidade à pauta. E também uma conquista do movimento negro.

Apesar disso, o esforço de professores e a determinação oficial não são suficientes para garantir uma mudança efetiva. Há muitas tentativas de projetos, mas poucos trabalhos validados. Uma boa forma de fortalecer a questão é “quando o professor, na escolha do acervo literário, leva referências da negritude para dentro da sala”, comenta Arianda. Para Juliana, é preciso descolonizar os conhecimentos acerca da história da população negra, o que se tem construído como base teórica é o ponto de vista europeu. Por isso, o trajeto para a efetividade da lei é mais difícil do que a impressão das exigências pedagógicas em um papel. Juliana explica a importância de “investir na formação dos professores e, mais do que isso, das instituições escolares, dos gestores”.

Deve haver cuidado para fugir de estereótipos consolidados por uma visão eurocêntrica. “É importante que se tenha o personagem negro, mas é importante que não seja sempre uma história de sofrimento”, destaca a mestre em relações etnico-raciais, professora e consultora de letramento racial Sônia Rosa. Ela ainda sugere um estudo físico e geográfico do continente para os estudantes em idade mais avançada para evidenciar como as fronteiras foram definidas de forma desrespeitosa. Sem que fossem consideradas as especificidades étnico-culturais de cada povo.  

Além disso, Arianda indica formas de reiterar o significado de representatividade. Uma delas é trazendo nomes de pessoas negras em posição de destaque: “Há muitas histórias bonitas para serem contadas”. Tal ideia converge com a fala de Sônia que retoma a necessidade de abordar a história de africanos e afro-brasileiros para além dos feriados de maio e novembro. Esse é um trabalho constante e sistemático. Principalmente com crianças, que descobrem um mundo novo e, portanto, podem entendê-lo livre de preconceitos. “Ninguém nasce racista”, afirma a autora de Os tesouros de Monifa (Brinque-Book).

A grande questão do letramento racial, como explica Juliana, é racializar as relações, ou seja, apontar como a definição arbitrária de certos direitos e posições sociais estão associadas à raça. O exercício é prático: olhar ao redor e notar quais são as pessoas que, em geral, ocupam posições a que conferem maior prestígio social e quem serve essas pessoas. Falar sobre a cultura negra, então, é uma forma de indicar como essas diferenças, na realidade, foram construídas historicamente. Por outro lado, outras diferenças, aquelas que indicam a diversidade cultural do continente africano, enriquecem o aprendizado quando evidenciadas. Como coloca Arianda: "Podemos visitar diversas Áfricas desde que a gente tenha disposição”.

Sobre o papel de pessoas brancas nesse percurso, Arianda chama atenção para um movimento, embora incipiente, que tem percebido nas escolas onde trabalha. Alguns pais têm pressionado a instituição para que haja um trabalho diferenciado que garantam um espaço de convivência mais diverso. Para os educadores brancos, Juliana sugere, mais do que a pesquisa de referencial teórico, o olhar para si. O reconhecimento do próprio corpo enquanto pessoa branca e a compreensão dos próprios privilégios. A educação, além de cultural e histórica, precisa ser antirracista e descolonizadora.

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