"Quando se tem uns dez anos de idade, todo mundo pergunta o que a gente quer ser quando crescer. Eu não tinha dúvida: jogador de basquete. Naquela época, eu treinava no Sesc Consolação (em São Paulo) com um professor que foi um dos melhores jogadores do Brasil, um sujeito gigante (quando se tem dez anos, uma pessoa com um metro e noventa e pouco é um Golias), cara de bravo e apelido meigo: Rosa Branca. Ele conseguia ser temível e adorável ao mesmo tempo. Era um sujeito interessante, complexo. Bom, mas o segredo que vou contar não é sobre ele. É sobre mim.
(Autorretrato de Renato Moriconi/Divulgação)
Pra dizer a verdade, nem pode ser chamado de segredo, pois esse fato que vou narrar aconteceu na frente de um monte de gente, numa partida de basquete entre o Sesc Consolação e o clube Corinthians, um time com uma das maiores torcidas do Brasil. Por isso, eu penso que chamar de segredo essa história é um pouco exagerado. Creio que ela pode ser classificada como uma história esquecida, irrelevante para as pessoas que participaram dela. Então, vou refrescar a memória dos que a testemunharam (e a revelar pra quem nada viu nem ouviu).
Foi a primeira vez que joguei contra outro clube. Eu estava muito nervoso. O time adversário era simplesmente o maior e melhor time do Brasil (vai Curintia!). Estava torcendo para ficar no banco de reservas, mas fui escalado pra começar o jogo. Estava muito nervoso. Minha mãe, meu irmão, amigos, e um monte de outras pessoas que eu não faço a mínima ideia de quem eram, estavam na arquibancada para acompanhar a partida. Isso só aumentou o frio que eu sentia na barriga (e olha que tinha uma barriga bem espessa) e o tamanho dos jogadores adversários. Eles se transformaram em Goliasinhos: crianças de dez anos com dois ou três metros.
O juiz reuniu todo mundo no círculo central da quadra, explicou as regras básicas, mostrou em qual lado cada time deveria atacar e nos desejou boa sorte. Mas eu só escutei "Blá blá blá blá", como a fala da professora do desenho Charlie Brown. Não consegui prestar atenção em nada. Minha barriga doía de nervoso. Rezava em pensamento para que a bola não caísse em minhas mãos, mas o Destino - sim, com letra maiúscula, nome do senhor que define o curso da História – decidiu que a primeira bola do jogo, logo depois do tapinha dos pivôs, viesse parar nas minhas mãos. O que fazer, meu deus?!
(No ateliê de Renato Moriconi, a paixão do passado ainda tem lugar de destaque/Acervo pessoal)
Algo mágico naquele momento aconteceu. Sim, tudo mudou dentro de mim. Foi lindo!! Um sentimento sublime me dominou e uma confiança vinda de não sei onde me deu força para lutar contra aqueles gigantes do Corinthians. Eu, pequeno Renato, parti em direção à tabela, com habilidade e confiança admiráveis, convertendo a primeira cesta do jogo. Parecia cena de filme. Tinha até trilha sonora em minha mente: "Carruagens de fogo" ou "Rocky 2", não lembro agora. Assim que a bola passou pela redinha e pingou no chão, aquele ruído cessou a heroica trilha sonora e passei a escutar o som da quadra novamente. Não havia aplausos nem vibração, mas risadas de alguns, gritos de um técnico se esgoelando – Rosa estava roxo -, e a fala mansa, porém indignada, de um juiz que veio em minha direção:
- Você não ouviu o que falei? Seu time faz cesta do outro lado, garoto.
Foi assim que desisti da carreira de jogador de basquete e passei a desejar ser autor de livros. Escrevendo e pintando, não fico nervoso e os erros são bem-vindos. Viva o erro!"
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Renato Moriconi estudou artes plásticas e design gráfico, tem mais de quarenta livros publicados no Brasil e no exterior, entre eles "Bárbaro" e a trilogia "Telefone sem fio", "Bocejo" e "Caras Animalescas", feita em parceria com o escritor Ilan Brenman. Já recebeu os prêmios FNLIJ 2011 e 2014 de Melhor Livro-Imagem e FNLIJ 2012 de Melhor Livro para Criança.