As crianças geralmente adoram! Já se perguntou por que os pequenos se amarram tanto em monstros, duendes, bruxas, dinossauros e outros seres que podem ser aterrorizantes?
Ilustração de Cris Alhadeff para o livro Quem matou o Saci?, com Alexandre de Castro Gomes
São essas personagens fascinantes que habitam os contos de fada, muitas das narrativas orais que conhecemos, canções de ninar (olha aí o boi da cara preta!) e os livros, dos clássicos aos contemporâneos.
Não à toa, obras como
Bruxa, bruxa, venha à minha festa! e
Vá embora, grande monstro verde são dois dos maiores sucesso de público aqui da
Brinque-Book, sendo o primeiro considerado o
livro mais querido entre os leitores da casa.
O medo
Medo e raiva são sentimentos básicos. Nascemos com eles. Imagine que para todos nós, incluindo os bebês, medo e raiva se manifestam fisicamente, vão nos causando sensações.
Que nos levam a reações.
É no processo de amadurecimento -- físico também -- que aprendemos a expressar sentimentos, sensações e a lidar com essas emoções tão fortes, porque básicas, necessárias, essenciais para a nossa saúde.
Lembra do filme
Divertidamente?
Pois a psicóloga
Danielle Rossini, do canal Bom pra Cuca, contou, em conversa aqui no blog, que as emoções humanas e sua importância na saúde mental são mais ou menos como mostra o filme.
Para que amadurecermos e aprendermos a lidar com o medo, é preciso entrar em contato com ele de modo seguro, projetar o medo básico em alguma coisa concreta.
As crianças pequenas se sabem indefesas e têm muito medo.
É justo aí que entram as histórias com bruxas, duendes, monstros, lobos maus... São elas que oferecem esse lugar de experimentar o medo de forma segura.
Podendo inclusive projetar o medo básico ora num tigre feroz ora na bruxa de João e Maria.
Nesses contatos, as crianças podem ir pedindo mais ou recuando um pouco. Nem sempre elas dão conta de viver o medo intenso que sentem.
Tudo bem. Siga a orientação delas para avançar na história, parar ou ler novamente pela centésima nona vez! ;-)
Alguma choram, outras riem. Outras choram primeiro e riem depois... Mas o mais comum é que em algum momento elas tratem o medo com humor. O riso -- assim como o choro -- é um poderoso catalisador de emoções.
A jornada do herói
Retomando a questão do sentimento de impotência que as crianças sentem e de que já falamos alguns parágrafos acima, é também por causa deles que os livros de medo são tão importantes.
É muito reconfortante e necessário psiquicamente para os pequenos que possam ver vilões e seres horripilantes sendo vencidos por heróis com os quais podem se identificar.
Não é coincidência também que, mesmo entre adultos, as narrativas clássicas sempre tenham um herói e um vilão -- ou muitos deles.
Ilustração de Axel Scheffler em O filho do Grúfalo, com texto de Julia Donaldson
Essas histórias se encaixam no que é chamado de "jornada do herói", que funciona basicamente assim:
- O herói é alguém comum, como eu, você e nossos filhos, com quem nos identificamos
- Ele começa a história vivendo uma vida simples e, de repente recebe um chamado
- Aceita esse chamado, esse desafio ou tarefa, às vezes mesmo sem querer
- Deixa sua vida comum e viaja para enfrentar seu desafio -- às vezes, a viagem é figurada
- No caminho, encontra amigos que o ajudam
- Transpoe o desafio -- ligado ao vilão -- com muito esforço
- Volta à sua vida cotidiana, só que transformado
Muitos dos contos de fadas ou histórias de monstros que nossos filhos amam, têm sua origem nessas jornadas, e colocam as crianças em contato com esse arquétipo, que as fortalece para enfrentar o que assusta no dia a dia