Escolas públicas x privadas: como reduzir as desigualdades

29/05/2020

É sabido que em nosso país existe uma desigualdade gigantesca entre as escolas públicas e particulares. Este cenário ficou ainda mais visível logo que a quarentena começou. Enquanto as instituições privadas investiam no uso de plataformas de aulas online e algumas até distribuíam tablets para os estudantes, as públicas se viram obrigadas a paralisar as atividades por falta de estrutura para o ensino à distância. Demorou certo tempo para redes estaduais e municipais terem auxílio com aulas gravadas ou material apostilado entregue às crianças e adolescentes. "É notória a diferença e isso traz sérias consequências para o ano letivo, tanto em relação à carga horária, quanto ao calendário anual, bem como as condições de ensino e aprendizagem de seus alunos", afirma Isabel Moreira Ferreira, gestora do grupo de apoio à escolarização Trapézio, que atende crianças da rede pública do ensino fundamental com problemas nas aprendizagens.

(Crédito: Foto de Santi Vedri no Unsplash)

Essa desigualdade não se dá apenas pelo uso da tecnologia. Para Vitor Fontes, coordenador da Escola Eleva Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ), e pesquisador na área de ambientes educacionais inovadores, a escola representa um coletivo que, historicamente, buscou tratar as crises na cultura. "Nesse sentido, a pandemia da Covid-19 se destaca como mais uma grande empreitada para aqueles que fazem escola e, portanto, devem se dispor para o tratamento dos múltiplos desafios que, pessoalmente, distribuo em três camadas: no processo ensinar-aprender, nas relações estabelecidas e na transformação imediata dos ambientes de aprendizagem. Sendo assim, acredito que o grande desafio das escolas é justamente a coordenação concomitante de tais questões", diz.

Ou seja, não basta aplicar todos os esforços para aquisição de aparatos tecnológicos para uma emergente educação à distância e esquecer das relações (aluno-professor, aluno-aluno, aluno-conhecimento) que também foram fortemente afetadas. É como se esforçar para articular novas formas de ensinar-aprender e não relevar a transformação do ambiente de aprendizagem.

 

Mas, então, o que fazer?

Em uma reflexão mais prática sobre o agora, quais as soluções possíveis? Um primeiro passo fundamental é o diagnóstico do público atendido pela sua escola, afinal, dentro de uma mesma instituição podem existir diferentes cenários. “A diferença não está somente entre a escola pública e a privada, mas também dentro da própria escola pública, já que ela atende diversas realidades sócio-econômicas”, lembra Wemerson Damasio, mestre em Letras e professor das redes municipal de Curitiba e Estadual do Paraná.

 

"Carecemos de um novo projeto de escola" (Vitor Fontes, pesquisador em ambientes educacionais inovadores)

 

Por isso, é importante rastrear os dispositivos presentes no cotidiano do aluno. "Podemos articular uma adaptação da estratégia Bring your own device, que se baseia na utilização dos recursos dos próprios estudantes. Se um computador e uma conexão banda larga não é uma realidade para boa parte dos alunos, que tal pensar em um pacote de atividades recebidas semanalmente no celular de um familiar?", opina Fontes. O pesquisador lembra que é indispensável solicitar o auxílio técnico e formativo das secretarias municipais, estaduais e redes de ensino.

"Certamente, a atuação em rede representa uma grande possibilidade para o fortalecimento do ensino. Por exemplo, uma rede de 10 escolas pode-se distribuir em diferentes frentes de trabalho: gravação de vídeo, elaboração das avaliações, distribuição do material, etc. Diagnosticar, trabalhar com aquilo que temos, atuar em rede são possibilidades que podem renovar a nossa forma de ser e fazer escola durante e após a pandemia", diz.

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Recuperar os prejuízos

É tempo de pensar e refletir no impacto da quarentena em cada comunidade escolar, sua realidade e contexto e em como avançar, para enfrentar as perdas significativas que as crianças tiveram ao longo desse tempo. "Mesmo que tenham tido encontros virtuais coletivos, não é a mesma coisa, sabemos como o convívio presencial no coletivo é formador, como as crianças aprendem entre pares e não só com seus professores", opina Isabel. Ou seja, mesmo para aqueles que puderam fazer uso da tecnologia como aliada no ensino, seja em escolas públicas ou privadas, há prejuízos. 

 

"A democratização do ensino depende de um projeto de escola democrática" (Vitor Fontes)

 

Professores, alunos e todos os envolvidos nas atividades escolares foram afetados de alguma maneira, quando a instituição de ensino não pôde cumprir regularmente o seu projeto político-pedagógico. Então, como resgatar o tempo perdido? Para Fontes, a recuperação desse aprendizado não garantido no período de distanciamento social está associado à capacidade de conduzir essa (nova) forma de escola: híbrida (atividades presenciais e online), coletiva (capacidade de fomentar as redes de aprendizagem colaborativa) e propositiva (professores e alunos criativos e autorais). "Todas estas características demandam recursos tecnológicos, mas também formativos. Isto é, a aquisição de novos aparatos tecnológicos demanda novas pedagogias que, por sua vez, demandam formação continuada destes profissionais. Ou seja, carecemos de um novo projeto de escola", defende.

Ou seja, a pandemia e as desigualdades escancaradas a partir dela precisam nos fazer refletir - e agir. A democratização do ensino está ocorrendo por meio dos clubes de leituras nas lajes de comunidades, da infinidade de professores voluntários presentes diariamente nas mídias sociais e na distribuição gratuita de material escolar e livros didáticos. "É admirável? Sim, renovam as nossas esperanças. É suficiente? Acredito que não. A democratização do ensino depende de uma experiência sistemática que possa ajudar os alunos a se expressarem bem, a se comunicar de diversas formas, a desenvolverem o gosto pelo estudo, a dominarem o saber escolar, ajudá-los na formação de sua personalidade social, na sua organização enquanto coletividade. Isto é, a democratização do ensino depende de um projeto de escola democrática", conclui Fontes.

 

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