O ator Mateus Solano, 39 anos, costuma ser lembrado por seus personagens icônicos no cinema e na TV, a exemplo de Félix, em Amor à vida, Zé Bonitinho, na refilmagem de A escolinha do professor Raimundo, e Ronaldo Bôscoli na minissérie Maysa – Quando fala o coração. Mas poucos conhecem seu lado ativista ambiental. Idealizador do grupo Preservar para Mudar, que promove mutirões de limpeza nas praias do Rio de Janeiro, e dono da loja Muda, de consumo e produção sustentável (Rio). Solano participou recentemente de uma parceria com a Companhia das Letrinhas, lendo livros com a temática de sustentabilidade nas redes sociais da editora, que são vendidos na sua loja – e pôde relembrar seus tempos de contador de histórias. Nesta entrevista, o pai de Flora (9) e Benjamin (5) fala sobre livros, filhos, meio ambiente e o “novo normal”.
1) Você leu trechos de livros da Companhia das Letrinhas para as crianças recentemente, em uma parceria de sua loja com a editora. Já tinha contado histórias para o público ou apenas para seus filhos? Que tipos de histórias prefere?
Está sendo muito legal contar essas histórias através do perfil da Companhia das Letrinhas para as crianças, está me lembrando meus tempos de contador. Já fui contador de histórias, fiz curso, inclusive, e participei de um grupo de contação de histórias em tapetes, Os Tapetes Contadores de Histórias. Tenho uma memória muito viva do meu pai e da minha mãe contando histórias e conto, sim, histórias para as minhas crianças. Acho que a leitura de histórias é fundamental para a formação do cidadão. Gosto de qualquer história e, quando se trata de infantis, aí que gosto mesmo de qualquer uma. Estou gostando muito dessas que venho lendo, que trazem a questão da sustentabilidade de uma forma curiosa e agradável para as crianças. É urgente que se produza mais conteúdo de literatura, cinema, teatro, televisão, todas as artes falando sobre ecologia e sobre a importância de a gente mudar a forma de se relacionar com o planeta.
2) Na hora de comprar um livro para seus filhos, quais são os critérios de escolha?
Os critérios são muitos. Tem a ver, primeiro, com o livro ser interessante, gostoso de ler, e que a mensagem dele esteja de acordo com a nossa forma de pensar hoje em dia. Portanto, que seja um livro inclusivo, que incentive a criança a procurar laços com seus amigos e com sua família, um livro que incentive, em outras palavras, uma vida mais completa do que essa que somos tentados a viver por trás das telas dos celulares.
3) Seu filho ficou “famoso” ao comprar uma bolsa de quase 7 mil reais ano passado pela internet... Como vocês lidam com o uso das telas em casa? Como está sendo nesse período de pandemia?
A gente tem muito cuidado pra restringir o tempo de uso das telas, que vão mudando a nossa relação e o nosso compromisso com o que está no nosso entorno. Quem só vive nas telas não experimenta o mundo, e se você não experimenta o mundo, pra que vai lutar por ele? Além disso, inúmeros problemas começam a aparecer dessa relação exagerada com as telas, de visão, de concentração, problemas que a gente não precisa ter porque o mundo tem distração suficiente. É claro que, durante uma pandemia, com todo mundo preso em casa, esse tempo no eletrônico aumenta. Mas sempre é possível estabelecer uma relação saudável com isso.
4) Você costuma ser apanhado por fotógrafos com livros à tiracolo em seus passeios. Como é sua relação com a leitura? O que anda lendo?
Eu sou um leitor voraz. Lia muito quando pequeno, parei de ler na adolescência e hoje sou um adulto apaixonado não só pelo que leio, mas pelo poder da leitura, que me deixa com o pensamento mais claro, mais atento, mais aberto às diferenças, mais curioso e, por tudo isso, me deixa mais inteligente. Ler é um santo remédio e na quarentena estou aproveitando para pegar clássicos que eu não tinha lido. Acabei Crime e castigo e estou no meio de Os irmãos Karamazov, ambos de [Fiódor] Dostoiévski [Editora 34], e tenho na fila também A montanha mágica, do Thomas Mann [Companhia das Letras].
5) Esses livros que você leu na ação com a Companhia das Letrinhas estão à venda na sua loja Muda. Por que a escolha desses títulos?
Minha loja acaba de completar dois anos e é focada no comércio circular, uma ideia de comércio que respeita o ciclo da natureza. Na loja física, vendíamos roupas e acessórios feitos de materiais reaproveitados, que foram jogados fora pelas pessoas ou pela indústria, e agora, por causa da pandemia, migramos para a internet nessa superparceria com a Companhia das Letras. Portanto, para vender através da Muda, só fazem sentido os livros que trazem a temática da sustentabilidade. Essa é a razão da escolha. A minha ideia de ter uma loja de produtos sustentáveis, junto com meu padrasto, é a concretização do meu ativismo ambiental e um chamado para um capitalismo diferente.
6) Geralmente, falamos para as crianças que elas precisam economizar água, apagar a luz, não jogar lixo na rua... O que mais podemos ensinar?
Há muito o que pode ser feito para mudar a nossa relação predatória e exploradora com o nosso planeta. Economizar água e luz é um excelente começo. Separar lixo seco do molhado é fundamental. Além disso, privilegiar empresas e produtos que tenham uma preocupação com o meio ambiente. Isso normalmente vem refletido na forma como o produto é feito – quanto mais orgânico e natural melhor – e também na forma como é embalado. (Não faz sentido comprar um saco de chocolate e, quando abre, cada chocolate está embalado em outro saco...). Exercer nossa cidadania é outra forma: participar de mutirões de limpeza, se reunir no seu bairro para pensar em alternativas para lidar com o lixo... Tem de tudo um pouco que pode ser feito para melhorar.
7) O que você estabelece na sua casa, nesse sentido?
Eu tenho composteira, onde transformo casca de fruta, chá, café, papel, resto de natureza em natureza, um adubo de excelente qualidade para o meu jardim. Tenho teto solar, de onde vem toda minha energia durante o dia. E um carro elétrico, que carrego praticamente com o sol. Portanto, minha casa é um bom exemplo do que se pode chamar de uma casa que fecha o ciclo, que participa desse modo de ser da natureza, onde nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma. Como ensino isso para meus filhos? É claro que estou falando sobre isso o tempo todo, mas, mais importante, estou agindo dessa forma o tempo todo. Reclamar não transforma, transformação vem com ação.
8) Muito se tem falado que esse período de isolamento social é uma oportunidade para rever comportamentos e criar um “novo normal”. Você acredita que vamos ter um “novo normal”? O que precisamos refletir agora para implantar daqui para a frente?
Sem dúvida não dá pra sair dessa pandemia da mesma forma com que entramos. A crise econômica é inevitável, mas crises precisam ser vistas como oportunidade de mudança, de crescimento. Nada cresce sem crise. E nós estamos empacados num trem desenfreado chamado capitalismo, que precisa mudar diversas engrenagens para funcionar de acordo com o planeta. Hábitos como comprar o que não precisa, não se responsabilizar pelo lixo que produz, não se interessar pelo destino dos nossos dejetos, que fatalmente vão parar no mar, e diversos outros hábitos tão nocivos ao planeta precisam ser mudados para ontem. Resta saber se o ser humano tem maturidade para aprender com tudo isso.
9) Você tem um grupo ativista, o Mudar para Preservar? Poderia contar mais sobre esse trabalho e como você se envolveu com ativismo?
Mudar para Preservar foi uma hashtag que eu criei, que virou também um grupo de Whatsapp, que reúne artistas e ativistas ambientais, no qual a gente discute e compartilha matérias sobre o que vem acontecendo e organiza mutirões de limpeza. Até já saiu uma viagem para Brasília para falar com a Procuradoria da República e tentar frear esse desmonte na política ambiental. O meu ativismo ambiental começou de uns três anos pra cá, foi a luta que escolhi. Acho que é a luta das lutas, a questão das questões. Não vejo nenhuma outra questão que fique acima disso, de uma relação saudável com o meio ambiente, do ar que a gente respira e da água que a gente bebe.
10) A loja Muda tem produtos feitos com respeito ao meio ambiente e boas práticas ambientais, mas também promove o trabalho de pequenos produtores e de mulheres chefes de família, além de contar a história de cada mercadoria. Poderia contar qual é a ideia que está por trás dessas escolhas?
A Muda se enquadra nas ODS 11 e 12 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU) – cidades e comunidades sustentáveis e produção e consumo responsáveis. É de fundamental importância a gente mudar a nossa forma de consumir. A muda é uma semente, é mesmo uma muda de uma nova forma de consumir, pensando para que aquilo serve pra mim, se eu preciso mesmo desse produto, de onde ele veio, no preço dele qual é a comissão das pessoas que produziram, e também os produtos falam em primeira pessoa. Tem uma bolsa lindíssima que tem do lado um card falando: “Oi, eu já fui pneu de caminhão, antes disso eu fui seiva, e antes disso fui uma árvore e hoje virei uma bolsa. Amanhã, o que serei?”. Porque a ideia é que esses produtos continuem sendo reciclados, vão acabar nas estações de triagem e reciclagem ou em outros produtos. A Muda não incentiva só o consumo e a produção sustentáveis, mas também empodera famílias e mulheres e artesãos por todo o Brasil, às vezes nos confins da Amazônia e do Pará, que fazem esse trabalho bonito de pegar a matéria-prima que sobra de indústria ou mesmo da reciclagem para transformar em produtos que tenham qualidade “industrial”, que não aparentem a sucata que as pessoas costumam relacionar aos materiais reciclados.
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