Por Rita de Cássia Calegari
E então você mãe, você pai – acordou num dia da segunda quinzena de março de 2020 e descobriu que sua rotina havia sido virada de ponta-cabeça. Dentre as inúmeras mudanças, os seus filhos tiveram as aulas suspensas por tempo indeterminado e, quando nos demos conta, estávamos cumprindo a restrição social em casa, “tudo junto e misturado”.
(Ilustração Bicho Coletivo)
Para algumas crianças, houve o adiantamento das férias escolares de julho – com objetivo de dar às escolas algum tempo para se organizarem diante da necessidade de mudar toda sua programação pedagógica para o ensino à distância. Duvido que escolas, professores e pais poderiam imaginar isso no início deste ano letivo: as crianças iriam ter as aulas em casa.
Na rotina anterior a essa pandemia, o tempo das crianças em frente ao computador ou telas de celulares era concentrado antes ou após a rotina da escola e, de uma hora para a outra, sem a possibilidade de interagir com o ambiente externo, as crianças intensificaram o uso dos celulares e passaram a disputar entre si e com seus pais os recursos tecnológicos da casa.
Nesse momento, muitos pais começaram a temer o excesso de tempo em frente às telinhas, afinal, ouvimos o tempo todo dos especialistas que a criança precisa diversificar seus interesses e atividades para o bom desenvolvimento cognitivo e social. Mas os especialistas até então não haviam dito nada sobre como enfrentar pandemias e restrição social com crianças confinadas em casa... Bem, estamos aprendendo juntos, não é mesmo?
Como usar as telas a favor das crianças
Para ajudar vocês, pais de crianças confinadas devido à restrição social imposta pela pandemia, vou abordar algumas dicas sobre o uso das tecnologias e como enfrentar esse período com tranquilidade e positividade.
Lembre-se de que a tecnologia é algo positivo, desde que saibamos como tirar o melhor proveito possível. Não adianta tentar blindar as crianças de algo que está presente no mundo e, sim, ensiná-las a dar o devido valor que a tecnologia merece: uma ferramenta que facilita, aproxima, viabiliza e nos conecta.
A forma como a criança interage com os recursos tecnológicos pode nos dar pistas de como está sua saúde, seu desenvolvimento e maturidade. Isso inclui observar se a criança está perto demais da tela (e pode estar precisando de óculos), se ela utiliza o volume muito alto (e pode estar com dificuldades de audição), quais os sites e pessoas que ela segue ou interage (sim, pais devem monitorar com discrição os ambientes virtuais frequentados pelos filhos) e se ela conversa com seus pais sobre o que vê e interage no mundo virtual (nos dando conteúdos para diálogo e troca de ideias).
Antigamente (antes da internet) os pais nos diziam: “não fale com estranhos”, “não aceite presentes de desconhecidos” e “olhe a rua antes de atravessar”. Essas eram as regras básicas de segurança na rua. A preocupação com a segurança existe em todos os ambientes e é importante que os pais ensinem as regras do mundo virtual, tais como não abrir arquivos desconhecidos, ter cuidado com as aproximações de novos amigos virtuais e não comentar da própria intimidade na internet. Ou seja: não é porque está segura na sala de casa que a criança está em um ambiente controlado. A internet é a nova rua dos nossos filhos.
"O mais importante quando tudo isso passar é que as relações estejam fortalecidas e a parceria com nossos filhos intensificadas"
As crianças cada vez assistem menos à TV e mais aos canais de que gostam e se identificam. Os pais devem conhecer esses conteúdos, assistir junto sempre que possível e conversar sobre o que viram – alinhando a educação e cultura da família aos valores que desejam que a criança adquira.
Nesse período de restrição social, as interações com amigos e colegas de escola será pelos meios virtuais. Desta forma, a criança ficará mais tempo conectada – o que pode desesperar alguns pais. Crie situações nas quais o uso do celular deve ser restrito, como por exemplo durante as refeições, e priorize o contato pessoal nessa ocasião. Mas ,atenção, pais: não restrinjam a criança e fiquem conectados nos seus celulares, respondendo ou lendo mensagens. Deem um tempo, juntos.
Alternar tempo de estudo com diversão dentro da internet
Quando a criança tem aulas virtuais, é importante criar uma rotina em que haja o tempo do estudo e o tempo da diversão na internet. Durante as aulas, os conteúdos estão alinhados à programação escolar e, no lazer, à distração e entretenimento. Pode ser positivo dar um tempo entre esses dois cenários – usando a refeição, o banho de sol, uma ajuda no cuidado do pet ou até mesmo uma mãozinha em alguma tarefa da casa. Isso ajuda a mente a “mudar a frequência” da atividade para não deixar a criança cansada ou sobrecarregada.
Muito tempo usando celular ou computador pode trazer desgastes físicos e até dores se a postura não for adequada, a cadeira não estiver na altura certa e os pulsos mal acomodados no teclado. Ajude seu filho a posicionar-se bem, ensine-o a alongar o corpo (em especial pescoço e braços) e crie pausas no decorrer do uso da tecnologia.
Reserve também algum tempo para estimular a criança com outras atividades – relacionadas ao uso dos sentidos (tato, olfato, paladar, audição e visão). Massas de modelar, argila, tintas, culinária, jardinagem, desenho à mão livre, dança, música – são muitas as possibilidades. A criança pode iniciar a atividade procurando na internet algo que deseje fazer, vendo um tutorial e, depois, experimentando e vivenciando outras sensações por meio da prática.
Há crianças que desejam criar seus próprios canais midiáticos. Incentive-as em seus talentos e interesses, explicando que criar um canal para divulgar um conteúdo é algo que dá certo trabalho e requer ler e estudar sobre o tema escolhido.
Não se esqueçam de conversar com outros pais de amigos de seus filhos, de saber com quem ele conversa e sobre o que (mas nada de interrogatório!), de participar dos interesses do seu filho e de mostrar os seus interesses a ele. O mais importante quando tudo isso passar é que as relações estejam fortalecidas e a parceria com nossos filhos intensificadas. Porque, no fim, o que fica é sempre o amor que nos une.
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Rita de Cássia Calegari é psicóloga especializada em Psicologia da Saúde