Você tem o hábito de ler para seus filhos? Então, quero propor um desafio: quantos livros infantis você se lembra que tenham o pai, a figura paterna, como protagonista? E quantos têm a mãe? É uma diferença bem grande, não é? Agora pense em como essas figuras são retratadas nas histórias: a mãe é a carinhosa, que ajuda e dá bronca (quando precisa). E o pai é o herói, o que chega em casa do trabalho e brinca. Ou o que está distante. O que será que isso diz sobre essas representações na nossa vida? Como a criança vai enxergar o pai e a mãe enquanto cresce com esses exemplos?
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Não precisa nem ser especialista para perceber que isso está longe de ser o ideal. Avançamos muito nas histórias infantis, com toda certeza. Dos contos de fadas com princesas submissas e dependentes à literatura atual foi um grande passo. Enorme. Mas será que com relação à representação e representatividade das figuras materna e paterna fomos tão longe assim?
A literatura infantil é parte do crescimento e pode ser fundamental na criação de valores e sentimentos da criança. Você já parou pra pensar que estes retratos podem construir na criança a imagem do que é “ser mãe” ou “ser pai”? O assunto divide opiniões. Para a professora Maria das Graças Monteiro Castro, da FIC/UFG e Coordenadora do LIBRIS (Laboratório do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca da UFG), o retrato da figura paterna na literatura infantil é um reflexo da representação da figura masculina ao longo da história. “O homem é idealizado e nas histórias clássicas representa a força, o herói e o poder”, diz. Para ela, existem narrativas contemporâneas que colocam o pai como figura amorosa e presente. Por isso, diz ser desnecessário que a literatura se adapte às necessidades. “A literatura nos traz reflexões e contextos que estarão sempre dialogando com a realidade, com a história. Não acredito que possamos ter livros sob encomenda para contemplar a necessidade da presença paterna na vida dos filhos. Não consigo ver a literatura tendo que se engajar em uma causa ou necessidade”, opina.
Já Lion Santiago, editor da Amelì Editora e mediador de leitura, afirma que existe sim uma necessidade de mudança na representação paterna na literatura infantil: “A literatura no geral está mais exposta à representação ‘acolhedora’ do pai que surge quase como uma presença ‘divina’ para sanar e resolver todos os problemas - o que absolutamente não condiz com o contexto de ausência desta figura.”
Para ele, que também é mestrando em Literatura e Crítica Literária na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), a representação mais ausente é da figura do pai igualitária com a da mãe: “Um pai que não só trabalha, mas participa ativamente de todos os contextos igualmente. O que vemos é um aspecto errôneo, que coloca a mãe sempre no contexto de responsável pela casa, sendo que a figura da mulher não deve ser responsável (ou abandonada) a esse tipo de função”. Lion acredita que “a horizontalidade como possibilidade de alterar contextos profundos da sociedade está na arte! Uma arte literária que percebe a artificialidade presente nesta figura e não se cala a reproduzir contextos que devem ser alterados”.
"A horizontalidade como possibilidade de alterar contextos profundos da sociedade está na arte!" (Lion Santiago, editor)
Porém, ao mesmo tempo que sente a necessidade da mudança, o editor e mestrando afirma que esta mudança deve levar em conta dois aspectos: o literário e o mercadológico, pois nos dois a representação assume formas distintas. Mas mesmo nestas duas instâncias, a imagem do pai permanece a do herói que se expõe aos perigos do mundo enquanto a mãe cuida da casa e do lar.
Assim como a professora Maria das Graças, Lion também acredita que o retrato do pai na literatura é um reflexo da sociedade que ainda perpetua a imagem do homem que trabalha e da mulher que fica em casa, reproduzindo um discurso antigo e antiquado.
(Texto por Flávio Jayme)
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